Entrevista concedida pela FUNVERDE para a revista HM! sobre as malditas sacolas plásticas de uso…
10 empresas controlam 85% dos alimentos
O sociólogo suíço Jean Ziegler, ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU), denunciou que a fome é um dos principais problemas da humanidade, em um debate na última segunda-feira, em São Paulo.
– O direito à alimentação é o direito fundamental mais brutalmente violado. A fome é o que mais mata no planeta. A cada ano, 70 milhões de pessoas morrem. Destas, 18 milhões morrem de fome. A cada 5 segundos, uma criança no mundo morre de fome – disse Ziegler.
Na década de 1950, 60 milhões de pessoas passavam fome. Atualmente, mais de um bilhão.
– O planeta nas condições atuais poderia alimentar 12 bilhões de pessoas, de acordo com estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Não há escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação. Portanto, quando uma criança morre de fome ela é assassinada – completou.
Ziegler afirma que é a primeira vez que a humanidade tem condições efetivas de atender às necessidades básicas de todos. Depois do fim da Guerra Fria, mais especificamente em 1991, a produção capitalista aumentou muito, chegando a dobrar em 2002. Ao mesmo tempo, essa produção seguiu um processo de monopolização das riquezas. Hoje, 52,8% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial está nas mãos de empresas multinacionais.
A concentração da riqueza nas mãos de algumas empresas faz com que os capitalistas tenham uma grande força política.
– O poder político dessas empresas foge ao controle social. 85% dos alimentos de base negociados no mundo são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome e quem vai comer – afirmou Ziegler.
O sociólogo ainda relatou que essas empresas seguem blindadas pela tese neoliberal de que o mercado não deve ser regulado pelo Estado. Segundo ele, na Guatemala, 63% da terra está concentrada em 1,6% dos produtores.
– A primeira reivindicação que fiz, após a missão, foi a realização da Reforma Agrária no país. Fui rechaçado, pois uma intervenção no mercado não é possível. Não havia sequer um cadastro de terras lá: quando os latifundiários querem aumentar suas terras, mandam pistoleiros atacar a população maia que vive ao redor.
Especulação
A especulação financeira dos alimentos nas bolsas de valores é um dos principais fatores para o crescimento dos preços da cesta básica nos últimos dois anos, dificultando o acesso aos alimentos e causando a fome. De acordo com o Banco Mundial, 1,2 bilhão de pessoas encontram-se em extrema pobreza hoje, vivendo com menos de um dólar por dia. Segundo Zigler, quando o preço do alimento explode, essas pessoas não podem comprar.
– Apesar de a especulação ser algo legal, permitido pela lei, isso é um crime. Os especuladores deveriam ser julgados num tribunal internacional por crime contra a humanidade – denunciou Ziegler.
A política de agrocombustíveis, que, além de utilizar terras que poderiam produzir comida, transforma alimentos em combustível, é mais um agravante. Para o sociólogo, é inadmissível usar terras para fazer combustível em vez de alimentos em um mundo onde a cada cinco segundo uma pessoa morre de fome. E o que diz Ziegler sobre plantar alimento e depois roubar este alimento do prato da humanidade para transformar em plástico? Nós chamamos a isso de genocídio.
Política da fome
Ziegler afirma que não se pode naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada pela sociedade desigual no capitalismo. Prova disso são as diversas políticas agrícolas praticadas tanto por empresas e subsidiadas por instituições nacionais e internacionais.
O dumping agrícola consiste em subsidiar alimentos importados em detrimento dos alimentos produzidos internamente. De acordo com Ziegler, os mercados africanos podem comprar alimentos vindos da Europa a 1/3 do preço dos produtos africanos. Os camponeses africanos, dessa forma, não conseguem produzir para se sustentar.
Ziegler denunciou o “roubo de terras”, que é o aluguel ou compra de terras em um país por fundos privados e bancos internacionais, que ocorreu com mais de 202 mil hectares de áreas férteis na África, com crédito do Banco Mundial e de instituições financeiras da África. Os camponeses, por conta desse processo, são expulsos das terras para favelas. Esse processo tem se intensificado uma vez que os preços dos alimentos aumentam com a especulação imobiliária. Somos totalmente contra a deslocalização agrícola. Os países que compram estas terra jamais cuidam delas como os habitantes daquele país. O que eles fazem é tirar o máximo do solo, usando veneno, não cuidando cuidado da terra nem da água, porque eles querem explorar o solo ao máximo e depois abandonar e comprar novamente solo fértil para explorar em qualquer outro país.
O Banco Mundial justifica o roubo de terras com o argumento de que a produtividade do camponês africano é baixa até mesmo em um ano normal, com poucos problemas (o que raramente acontece). Um hectare gera no máximo 600 kg por ano, enquanto que na Inglaterra ou Canadá, um hectare gera uma tonelada. Para o Banco Mundial, é mais razoável dar essa terra a uma multinacional capaz de investir capital e tecnologia e tirar o camponês de lá. Ocorre que o camponês cuida da terra como sua herança, ao contrário das multinacionais que não tem apego emocional a esta terra e portanto pode destruí-la sem culpa.
– Essa não é a solução. É preciso dar os meios de produção ao camponês africano. A irrigação é pouca, não há adubo animal ou mineral nem crédito agrícola, e a dívida externa dos países impedem que eles invistam na agricultura – defende Ziegler.
Soluções
Segundo Ziegler, a única forma de mudar as políticas que perpetuam a fome é por meio da mobilização e pressão popular. Ele afirma que devemos exigir dos ministros de finanças na assembleia do Fundo Monetário Internacional que votem pelo fim das dívidas externas e nos mobilizar para impedir o uso de agrocombustíveis e acabar com o dumping agrícola.
– A única coisa que nos separa das vítimas da fome é que elas tiveram o azar de nascer onde se passa fome.
O ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU) veio ao Brasil lançar o livro “Destruição em Massa – Geopolítica da Fome” (Editora Cortez) e participar da 6ª edição do Seminário Anual de Serviço Social, que aconteceu no Teatro da Universidade Católica (TUCA).
Fonte – José Coutinho Júnior, Canal iBase de 17 de maio de 2013
Imagem – bratislabat
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