Por Assessoria de Comunicação - TecPar - 6 de novembro de 2024 - Fachada do Tecpar…
O PETRÓLEO ESTÁ ACABANDO?
National Geographic Brasil
NO ANO 2000, um especialista saudita em petróleo, o geólogo Sadad I. Al Husseini, fez uma descoberta surpreendente. Na época, ele era chefe do departamento de exploração e produção da companhia petroleira estatal, a Saudi Aramco, e havia muito desconfiava das previsões otimistas que se faziam no setor a respeito dos níveis de produção futuros. Desde a década de 90 Husseini vinha estudando dados oriundos dos cerca de 250 principais campos petrolíferos, aqueles que produzem a maior parte do petróleo mundial. Em cada um deles, ele levou em conta o nível das reservas e a rapidez com que estas estavam sendo exauridas. Em seguida, acrescentou todos os novos campos que as empresas petroleiras esperavam colocar em atividade nas décadas seguintes. Ao examinar os números, Husseini percebeu então que muitos especialistas do setor estavam “ou equivocados na interpretação dos dados sobre as reservas globais e extração efetiva, ou então agindo de má-fé”.
Embora as previsões mais aceitas indicassem um aumento constante da produção ano após ano, de acordo com uma grande curva ascendente que acompanhava a demanda global, os cálculos de Husseini mostravam que a produção iria se estabilizar e isso começaria a ocorrer já em 2004. Esse patamar de produção iria durar, na melhor das hipóteses, apenas 15 anos, depois dos quais a extração de petróleo convencional entraria em “gradativo mas inexorável declínio”.
Esse está longe de ser o tipo de cenário que esperaríamos da Saudi Aramco, companhia que controla as maiores reservas do combustível do mundo cerca de 260 bilhões de barris, ou seja, um quinto de todo o petróleo cru conhecido e que rotineiramente alega que haverá abundância ainda por décadas. Na verdade, Ali al-Naimi, o ministro do Petróleo saudita, deu pouco crédito às conclusões do relatório de Husseini. Em 2004, ele demitiu-se da Aramco para ser consultor independente. Contudo, se Husseini estiver correto em suas colocações, uma mudança dramática é iminente em um mundo cujos sistemas essenciais, dos transportes à produção de alimentos, dependem do combustível abundante e barato.
Husseini não é o primeiro a alertar para um pico na produção global de petróleo. Por décadas, geólogos postularam que, quando tivermos esgotado metade das reservas originais do planeta, o uso da outra metade vai se tornar a cada ano mais difícil até se tornar impossível. Ou seja, a produção global vai parar de crescer. Estejamos preparados ou não, teremos de enfrentar um futuro sem petróleo um futuro que poderia ser marcado pela recessão e pela guerra.
Os prognósticos relativos a esse momento de inversão da tendência de crescimento são controversos não porque alguém acredite que o petróleo vai durar para sempre, mas porque ninguém sabe de fato quanto combustível há no subsolo. Os chamados pessimistas do setor petroleiro argumentam que esse ponto é iminente, ou mesmo já ocorreu, e está mascarado pelas flutuações diárias na produção.
Por outro lado, os otimistas insistem em que o ponto de inflexão só vai ocorrer daqui a décadas, pois o mundo ainda tem muito petróleo a ser extraído ou achado, assim como imensas reservas de petróleo “não convencional”, como os maciços depósitos de areia betuminosa no oeste do Canadá. Os otimistas frisam que, no passado, sempre que os catastrofistas anunciaram a “iminência” de um pico, a descoberta de um novo campo ou o aperfeiçoamento de técnicas extrativas permitiram que a produção continuasse a aumentar.
Muitos especialistas insistem em argumentar que os atuais preços elevados são temporários, conseqüência de gargalos técnicos, do crescimento abrupto da demanda asiática e da desvalorização do dólar em relação às outras moedas. “As pessoas vão chegar ao fim da demanda antes de acabar o petróleo”, declarou, no início do ano, o economista-chefe da companhia petroleira BP. Outros otimistas, contudo, já começam a vacilar. Em condições normais, os preços mais altos levam as companhias do ramo a investir mais em novas tecnologias de extração e no aproveitamento de campos petrolíferos menos acessíveis. A elevação nos preços que se seguiu à guerra entre Irã e Iraque, na década de 80, por exemplo, acabou incentivando de tal modo a exploração que os mercados ficaram inundados de tanto combustível. Todavia, nos últimos anos, a despeito de um aumento sustentado nos preços, a produção mundial de petróleo convencional manteve-se em torno de 85 milhões de barris diários exatamente o patamar no qual, segundo os cálculos de Husseini, ela começaria a se estabilizar.
A mudança é tão nítida que o próprio setor petroleiro sofreu um abalo em sua confiança. No início do segundo semestre de 2007, depois que a Agência Internacional de Energia divulgou uma previsão segundo a qual a demanda global cresceria mais de um terço até 2030, chegando a 116 bilhões de barris diários, executivos de empresas do ramo manifestaram dúvidas quanto à viabilidade de aumentar a produção nesse ritmo. Em uma conferência em Londres, Christophe de Margerie, responsável pela gigante petroleira francesa Total, declarou que “a possibilidade otimista” era de produção máxima diária de 100 milhões de barris ou seja, antes mesmo de 2020 a demanda global poderia ultrapassar a capacidade produtiva do setor. E, em janeiro, o principal executivo da Royal Dutch Shell, Jeroen van der Veer, estimou que “depois de 2015 os suprimentos de petróleo e gás de fácil acesso deixarão de crescer no mesmo ritmo que a demanda”.
Na concepção dos petroleiros veteranos, fatores políticos e econômicos no nível do solo, e não fatores geológicos no subsolo, constituem os principais obstáculos para o incremento da produção. Sabe-se que o Iraque conta com imensas reservas. No entanto, ele produz apenas um quinto do alcançado pela vizinha Arábia Saudita. E, em países como a Venezuela e a Rússia, as companhias estrangeiras têm de enfrentar uma legislação que restringe sua capacidade de explorar novos poços e realizar obras de infra-estrutura.
Todavia, até os otimistas admitem que os limites físicos já são visíveis no horizonte. Basta levar em conta o ritmo de novas descobertas. O volume descoberto a cada ano vem se reduzindo desde o início da década de 60 a despeito de assombrosos avanços tecnológicos, entre os quais sistemas digitais de levantamento sísmico que permitem aos técnicos distinguir os depósitos de petróleo muito abaixo da superfície da Terra. Outro motivo para o declínio é estritamente aritmético: a maioria dos campos grandes e fáceis de localizar os chamados “elefantes” foi descoberta décadas atrás, e os remanescentes tendem a ser bem menores. Estes não apenas são mais difíceis de ser encontrados do que os campos maiores como também precisam ser descobertos em maior número para que se extraia a mesma quantidade de petróleo. Em novembro de 2007, por exemplo, executivos do setor ficaram entusiasmados com o anúncio da existência, ao largo da costa brasileira, de um campo que foi batizado de Tupi, a maior descoberta nos últimos sete anos. Embora se estime que contenha cerca de 8 bilhões de barris, o campo de Tupi tem cerca de um quinze ávos do tamanho do lendário campo saudita de Ghawar, que continha 120 bilhões de barris na época de sua descoberta, em 1948.
Além disso, é mais dispendioso manter em funcionamento os campos menores. Tal variação de custo é um dos motivos pelos quais o setor prefere depender de campos enormes além do fato de estes fornecerem mais de um terço da produção mundial. Como a maioria dessas grandes descobertas foi feita há várias décadas, boa parte do petróleo que consumimos vem de campos maduros que agora estão se aproximando de seu pico de produção ou já começaram a declinar. Por exemplo: a produção está caindo nas antes prolíficas regiões do mar do Norte e da North Slope (“Encosta Norte”), no Alasca.
Em termos globais, a produção dos campos em operação está caindo até 8% ao ano, o que significa que as companhias petroleiras precisam criar uma capacidade adicional de até 7 milhões de barris diários apenas para manter os níveis atuais além de vários outros milhões de barris para atender ao crescimento da demanda, em torno de 1,5% por ano. Mas, com custos crescentes e obstáculos políticos, a descoberta desses novos barris está cada vez mais difícil. Muitas grandes empresas petroleiras, como a Shell e a estatal mexicana Pelmex, estão na verdade encontrando a cada ano menos petróleo do que vendem.
Até 2010, segundo James Mulva, o executivo-chefe da ConocoPhillips, quase 40% da produção diária global terá de sair de campos ainda inexplorados ou que nem sequer foram descobertos. Até 2030 quase todo o nosso petróleo será originário de campos que hoje não estão em funcionamento. Mulva é um dos que não têm certeza de que isso será possível. Em uma conferência em Nova York no início do segundo semestre de 2007, ele estimou que a produção global vai se estabilizar em 100 milhões de barris diários o mesmo número projetado pelo presidente da Total. “E o motivo”, disse Mulva, “é: de onde vamos extrair tudo isso?” Seja qual for o pico da produção, uma constatação parece inegável: a época do petróleo barato já ficou para trás. E, se o passado nos servir de lição, o mundo pode ir se preparando para enfrentar tempos bem difíceis.
Uma vez que a Arábia Saudita e outros membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo controlam 75% de todas as reservas mundiais, a produção desses países irá chegar a seu pico bem mais tarde do que nas outras regiões petrolíferas, o que vai lhes conferir um poder ainda maior sobre os preços e, em conseqüência, sobre a economia global. Um pico ou uma estabilização na produção também vai significar que, com o aumento da população, a quantidade de gasolina, querosene e diesel disponível para cada pessoa no planeta será bem menor do que a atual. E, se isso é uma notícia ruim para economias que fazem uso intensivo de recursos energéticos, como os Estados Unidos, a perspectiva seria catastrófica para os países em desenvolvimento, que dependem dos derivados de petróleo não só para o transporte mas também para o preparo de alimentos, a iluminação e a irrigação.
O grande temor de Sadad I. Al Husseini é a lentidão com que o mundo está reagindo a essa possibilidade. Carros com motores mais eficientes e alternativas como os biocombustíveis vão compensar o fim de algumas fontes de petróleo, mas o maior desafio talvez seja o de reduzir a demanda em sociedades sedentas de energia. Qualquer discussão sensata sobre eventuais mudanças em nosso modo de vida e nossos hábitos perdulários, segundo Husseini, “ainda nem sequer começou”.
Dada a inexorável aritmética do esgotamento das reservas petrolíferas, não vai demorar muito para ter início essa conversa.
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