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Estudos ligam sumiço de abelhas ao uso de pesticidas

Pesquisadores acreditam que o declínio no número de abelhas que vem ocorrendo por todo o mundo pode estar relacionado à popularização de inseticidas neonicotinoides, amplamente utilizados nos últimos 20 anos

As abelhas são muito importantes para a polinização de diversas espécies de plantas, algumas essenciais para os seres humanos. Estima-se que, só nos Estados Unidos, a polinização apícola tenha o valor de US$ 8 a 12 bilhões, e, segundo o Departamento de Agricultura norte-americano, “cerca de um terço da [nossa] dieta é direta ou indiretamente beneficiada pela polinização das abelhas”.

Por essa razão, o declínio no número de abelhas que vem ocorrendo nos últimos anos por todo o mundo preocupa cientistas, que buscam descobrir a razão da diminuição das populações. Entre os fatores considerados, estão doenças, parasitas, perda de habitat e alimentos e o uso de pesticidas, mas não há consenso sobre o que tem causado essa redução.

“Algumas espécies de abelhas diminuíram enormemente. Por exemplo, na América do Norte, muitas espécies, que costumavam ser comuns, mais ou menos desapareceram do continente inteiro. No Reino Unido, três espécies foram extintas”, comentou Dave Goulson, da Universidade de Stirling.

Na última semana, no entanto, foram lançados dois estudos que indicam que a diminuição no número de abelhas e colmeias pode estar relacionada ao uso de pesticidas. Ambos os estudos utilizaram em seus testes inseticidas neonicotinoides, um pesticida que se tornou muito popular e amplamente usado a partir da década de 1990.

“O uso de pesticidas é tão disseminado que a maioria das colônias de abelhas em áreas de fazendas aráveis provavelmente está exposta a eles, então há potencial para que eles estejam tendo um papel significativo na supressão das populações de abelhas em uma escala bastante surpreendente”, observou Goulson, coautor da pesquisa inglesa.

O estudo francês analisou a relação entre o inseticida tiametoxame e a abelha-europeia (Apis mellifera), e descobriu que o pesticida tem uma ação no mecanismo de navegação dos animais, que os permite sair da colmeia para buscar alimento e depois voltar para o grupo.

Na primeira parte da pesquisa, foram colocados transmissores nas abelhas para rastreá-las e parte dos animais foi submetida a uma dieta com tiametoxame, enquanto a outra parte foi alimentada normalmente. O resultado mostrou que as abelhas nutridas com a dieta com tiametoxame tinham duas a três vezes mais chance de se perderem e não voltarem à colmeia do que as que não haviam sido expostas ao pesticida.

Na segunda parte, os pesquisadores criaram um modelo baseado nos dados do teste para estimar como a colmeia seria afetada pela perda dessas abelhas. Sob essas condições, eles concluíram que a população da comunidade poderia cair em 60% ou mais, dependendo de quantas abelhas-operárias eram expostas ao tiametoxame.

“Pesticidas sistêmicos, em particular, se espalham por todos os tecidos [da planta] à medida que elas crescem, e eventualmente contaminam néctar e pólen. As abelhas que coletam alimento estão diretamente expostas, mas o resto da colônia também, já que as abelhas alimentadoras que retornam armazenam ou trocam material contaminado”, escreveu Mikaël Henry, do Instituto Nacional Francês para Pesquisa Agrícola (INRA), principal autor do estudo.

“O que descobrimos é que, na verdade, se as colônias forem expostas a pesticidas, a população pode diminuir a um ponto que a colocaria em risco de colapso devido a outros fatores estressantes”, continuou Henry.

Já o estudo inglês observou a ligação entre o inseticida imidaclopride e a Bombus terrestris, popularmente conhecida como mamangaba ou abelhão. Os resultados mostraram que o pesticida tem um efeito direto na coleta de alimentos por parte das abelhas-operárias, e afeta também o desenvolvimento de abelhas-rainha, responsáveis pela criação de novas colmeias.

Primeiramente, a pesquisa expôs um grupo de abelhas ao imidaclopride. Depois de seis semanas, os cientistas pesaram as colmeias dos animais que haviam sido expostos e fizeram o mesmo com ninhos de abelhas que não haviam entrado em contato com o inseticida. Os resultados foram comparados e mostraram que as colmeias das abelhas expostas pesavam 8% a 12% menos, o que indica que estes animais estavam conseguindo coletar menos alimento.

Depois disso, o estudo analisou o número de abelhas-rainhas que se desenvolveram em cada colônia, e chegou a conclusões alarmantes: as colmeias expostas ao imidaclopride haviam produzido uma ou duas rainhas, enquanto as não expostas tinham criado 14, ou seja, houve uma redução de 85% no número de rainhas.

“As abelhas têm um ciclo de vida anual e são apenas as novas rainhas que sobrevivem ao inverno para fundar colônias na primavera. Nossos resultados sugerem que níveis residuais de pesticidas neonicotinoides podem ter uma forte consequência negativa para a produção da rainha nas colônias de abelhas sob condições reais de campo, e isso provavelmente têm um impacto substancial em nível de população”, declararam os autores ingleses.

“Não diria que isso prova que os neonicotinoides são a única causa dos problemas que as abelhas enfrentam, mas sugere que eles provavelmente são uma das causas, e possivelmente uma significativa”, disse Goulson.

Ambas as pesquisas causaram polêmica na comunidade científica e na indústria agrícola, dividindo opiniões. Alguns cientistas defenderam integral ou parcialmente os estudos, alegando que estes são convincentes mesmo que os neonicotinoides não sejam a única causa da redução no número de abelhas.

“Cinquenta anos de experiência deveriam ter nos ensinado que o uso excessivo de uma única classe de componentes é uma prática inerentemente insustentável, e que pré-tratar sementes quando problemas de peste não estão sequer presentes é enormemente imprudente”, afirmou May Berenbaum, entomologista da Universidade de Ilinóis.

“Mas neonicotinoides poderiam ser banidos em todo o mundo e as abelhas ainda teriam problemas com patógenos, parasitas, degradação de habitat e uso excessivo de todas as classes de outros pesticidas químicos”, acrescentou Berenbaum.

“Há três ou quatro anos, eu era muito mais cauteloso sobre o quanto pesticidas estavam contribuindo para o problema. Agora, mais e mais evidências apontam para pesticidas como sendo uma parte consistente do problema”, disse Jeffery Pettis, especialista em abelhas do USDA.

“O estudo das mamangabas usou uma dose muito real [de pesticida] e o efeito na reprodução foi a principal descoberta. O estudo foi muito convincente na minha opinião em ser realista e mostrar o impacto significativo na reprodução”, continuou Pettis.

Outros pesquisadores e parte da indústria agrícola, no entanto, criticaram os estudos, justificando que o nível de inseticida utilizado nas pesquisas é muito maior do que o encontrado em campo. “Acho que eles selecionaram um nível de dose impróprio”, sugeriu David Fischer, ecotoxicologista da Bayer CropScience.

“Embora levemos boas pesquisas muito a sério, nos últimos quatro anos autoridades independentes na França monitoraram de perto o uso do Cruiser – o produto que contém tiametoxame – em mais de 1,9 milhões de hectares. Quando apropriadamente usado, nenhum caso de mortalidade de abelhas foi registrado”, alegou um porta-voz da Syngenta.

Henry, entretanto, lembrou que mesmo que não haja doses letais dos pesticidas em campo, ainda assim pode haver o suficiente para alterar alguns comportamentos das abelhas, o que prejudica a conservação de sua população indiretamente.

“Nosso estudo levanta questões importantes a respeito de procedimento de autorização de pesticida. Até agora, eles exigem em sua maioria que os produtores garantam que as doses encontradas no campo não matem abelhas, mas eles basicamente ignoram que as consequências das doses não as matam, mas podem causar dificuldades comportamentais”, justificou o pesquisador do INRA.

Além disso, Goulson questionou os estudos citados pelo porta-voz da Syngenta. “Se eles fizeram esses estudos, onde estão eles? Eles não estão em domínio público, e, portanto, não podem ser controlados. Isso levanta a questão de quão bons eles são.”

Por fim, o cientista da Universidade de Stirling enfatizou que “o uso de pesticidas neonicotinoides em plantações de flores claramente representa uma ameaça para a saúde [das abelhas], e necessita urgentemente ser reavaliado. Eu pessoalmente gostaria de vê-los não serem usados até que mais pesquisa seja feita. Se for confirmado o que descobrimos, então eles certamente não deveriam ser usados, já que vão ser alimento de abelhas”.

Algumas autoridades governamentais declararam que farão mais pesquisas para avaliar os riscos que os neonicotinoides apresentam, e estudarão a possibilidade de alterarem algumas regulamentações se os malefícios se confirmarem.

“O Reino Unido tem um sistema forte de avaliar riscos de pesticidas e toda a evidência mostra que neonicotinoides não apresentam um risco inaceitável a abelhas quando os produtos são usados corretamente. No entanto, não hesitaremos em agir se formos apresentados a qualquer nova evidência”, disse um porta-voz do governo britânico.

“Embora nosso entendimento do papel potencial dos pesticidas no declínio na saúde de polinizadores ainda esteja progredindo, continuamos procurando aprender quais mudanças regulatórias podem ser efetivas”, afirmou a Agência de Proteção Ambiental dos EUA.

Fonte – Jéssica Lipinski, Instituto CarbonoBrasil de 02 de abril de 2012

Imagem – DrPhotoMoto

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