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Veja soluções de seis países para vencer a falta de água e o desperdício

Com a aproximação do inverno, grande parte do país entra em estado de atenção devido à falta de chuvas.

Com isso, o fantasma da escassez de água passa a rondar governos, que tentam agilizar projetos para evitar um possível desabastecimento nas grandes cidades e áreas rurais.

Em vários países, os períodos de seca já não representam tanto risco. Eles são enfrentados com tecnologia e planos ambiciosos de gestão da água, alguns implementados há décadas. Sem essas ações, Israel, encravado em um deserto, ou Cingapura, uma ilha que importa água de outros locais, não sobreviveriam.

Suas experiências podem servir de inspiração ao Brasil, que desde 2013, quando o Sudeste enfrentou a pior seca já registrada nos últimos 50 anos, passou a se preocupar mais com os recursos hídricos, já escassos em várias localidades.

O G1 lista o que seis países de diferentes partes do mundo fizeram ou fazem para manter o abastecimento, evitar o desperdício e conscientizar a população sobre a importância da água. As iniciativas foram apresentadas em um seminário internacional realizado em São Paulo, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente.

Austrália – O país que viveu entre 1997 e 2009 o mais severo período de seca já registrado, e que entre 2013 e 2014 teve 156 recordes de temperatura, precisou se adaptar para manter o abastecimento de milhões de moradores.

Foram investidos cerca de R$ 6 bilhões em infraestrutura, o que ajudou a combater vazamentos e a economizar água.

Segundo Tony Wong, do Programa de Cooperação em Pesquisa da Austrália, em Melbourne, um dos exemplos para combater o desperdício foi a realização de obras para que as águas residuais que saem das casas sigam para reservatórios próprios.

Depois de tratada, a então “água de reúso” retorna para as moradias, já adaptadas para receber o líquido em uma torneira especial, que poderá ser utilizado na limpeza da casa, lavagem de roupas e outras atividades em que se consiga evitar o emprego de água potável.

Além disso, em várias cidades do país foram construídas usinas de dessalinização, que transformam a água do mar em potável. Em Melbourne, o complexo ainda não foi utilizado, mas foi erguido para ser uma espécie de seguro em casos de extrema escassez hídrica.

É viável para o Brasil? – Dante Ragazzi, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), diz que o Brasil pode utilizar essas tecnologias para melhorar o abastecimento e a adaptação a eventuais secas. Porém, ele afirma que algumas delas só funcionariam plenamente a longo prazo.

Ragazzi diz que o combate a vazamentos já é feito no país, mas que é preciso investir muito mais em infraestrutura para a água de reúso chegar até as casas. “Tecnicamente é possível, mas do ponto de vista financeiro, são precisos estudos aprofundados”, explicou.

Sobre uma possível usina de dessalinização, Dante diz que um projeto como esse é caro e pode gerar impacto ambiental (é preciso saber o que será feito com o sal extraído), apesar da instalação ser possível em cidades litorâneas.

China – Com um risco muito alto de seca no Nordeste e Norte do país, a China criou uma agenda especial para os recursos hídricos, distribuindo ações integradas por todas as camadas de governo.

Foi desenvolvido um sistema de etiquetas para mictórios, vasos sanitários e pias que determina o grau de eficiência hídrica desses produtos. Desta forma, há o incentivo à compra de produtos que usam menos água (no estilo do selo Procel de eficiência energética, utilizado aqui no Brasil).

O governo incentivou também a criação de cisternas em várias cidades. Atualmente, há 83 mil distribuídas pela China, além de outros 4 mil reservatórios de médio e grande portes.

Desde 1960, é realizada a transferência de água entre rios do Sul para o Norte, com estações de bombeamento em diversas regiões. Elas são acionadas em períodos de seca extrema, o que garante o abastecimento emergencial à população.

É viável para o Brasil? – De acordo com Alceu Guérios, da seção São Paulo da Abes, a transferência entre bacias hidrográficas é uma solução já adotada no Brasil há décadas, já que dá segurança hídrica a regiões carentes. Um dos exemplos é a transferência entre várias bacias para formar o sistema Guarapiranga, que abastece 5,8 milhões de pessoas na Grande São Paulo, e a transposição do Rio São Francisco, no Nordeste.

Sobre os reservatórios pelo país, Dante Ragazzi afirma que é possível criar mais unidades no Brasil, mas não em grande quantidade como na China. “É preciso que se faça a devida análise dos impactos ambientais”. No caso das etiquetas em equipamentos mais eficientes, Guérios afirma ser uma boa ideia.

Califórnia (EUA) – Um das regiões mais populosas dos Estados Unidos enfrenta uma das piores secas em décadas. Tal fato obrigou o governador Edmund Jerry Brown a decretar racionamento de água em abril deste ano.

Desde então, a Califórnia terá nove meses para economizar 1,8 trilhão de litros de água. A meta é que as cidades e comunidades reduzam seu consumo em 20%. Mas como?

Algumas das iniciativas são: aumento das tarifas de água, multas de US$ 500 por dia a quem for flagrado desperdiçando água potável para lavar calçadas ou lavar carros, remoção de paisagismo que exija aumento de consumo em casas, centros comerciais e campos de golfe, e substituição por grama resistente à seca.

Além disso, para evitar prejuízos no abastecimento, há bombeamento de águas subterrâneas para uso humano e a água reciclada é represada para irrigação e descargas sanitárias.

É viável para o Brasil? – A redução do consumo individual, com medidas como as da Califórnia, é eficiente e viável em todo o país, segundo Alceu Guérios. Ele cita que São Paulo é um dos exemplos onde as ações para conter o consumo individual deram certo, desde que o estado foi afetado brutalmente pela seca.

A respeito da água de reúso, ele afirma que a crise atual intensificou a discussão em torno desse procedimento, ainda não adotado no país. Não há leis próprias para isso, mas o Ministério do Meio Ambiente afirma que há estudos para uma nova legislação. “Pode reduzir significativamente o gasto de água. [Mas] é necessário apenas orientar tecnicamente as práticas, para evitar usos inadequados”, explicou Guérios.

Japão – Desde 1955, não há um ano em que o país não seja atingido por episódios de seca extrema. Por isso, o governo criou o Manual Geral contra a Seca, com medidas preventivas para o fenômeno e ações a serem feitas quando houver estiagem.

O racionamento de água em determinados horários é uma das ações tomadas para reduzir a vazão pelo país, mas essa decisão só ocorre quando não há economia voluntária de água. A conscientização dos japoneses é o grande trunfo do governo, que realiza campanhas massivas com uso de anúncios para diminuir o consumo de água. Desde 1978, todo o dia 15 de cada mês é considerado o “dia de economizar água”.

Houve ainda investimentos para captação de chuva e reaproveitamento da água residual, além de combate a vazamentos para reduzir perdas de água para o consumo. A indústria japonesa, famosa pelos avanços tecnológicos, também fez sua parte e desenvolveu torneiras, chuveiros e vasos sanitários que diminuem o consumo.

Segundo o Japão, a perda de água estimada (por culpa de vazamentos, fraudes e etc.) é de 9%. No Brasil, esse índice é de 39%, de acordo com levantamento do IBNET – International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities.

É viável para o Brasil? – O uso de águas residuais e pluviais é viável no Brasil, mas precisa ser objeto de análise financeira, técnica e ambiental, segundo Dante Ragazzi. Para ele, é preciso ter cuidado com o armazenamento caseiro, a fim de evitar que o local se torne um possível criadouro do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue.

A redução de perdas precisa ser ampliada no país, de acordo com Alceu Guérios. “Inclui ações de rastreamento das redes, de redução de pressões, de substituição de ramais prediais e de redes por materiais mais resistentes, de controle de tempos de reparos, entre outras. São ações contínuas, que produzem resultados progressivamente”.

Israel – Transformando o deserto em oásis. Esse é o lema de Israel, país que luta contra a seca desde o seu nascimento, há 67 anos. Por causa disso, foi necessária a criação de leis claras para o uso da água, com sistemas de economia e regulação, e muita conscientização a respeito.

Foi preciso ainda o desenvolvimento de tecnologias capazes de extrair água até de geadas, que é revertida para a agricultura.

Segundo o governo, o tratamento e reúso são vitais para o país: 91% do esgoto é coletado e 80% dele é tratado e reutilizado para a agricultura na parte Sul de Israel (totalizando 525 milhões de m³ ao ano).

Outra técnica que abastece a área agrícola é o sistema de irrigação por gotejamento, desenvolvido em Israel e responsável por fornecer água para 30% das lavouras do mundo.

Há ainda um controle rígido de perdas, que evita o desperdício de recursos e perdas de apenas 7%. Em todo o país, há cinco plantas de dessalinização, que utilizam a água do Mar Mediterrâneo. Essas usinas geram mais de 100 milhões de m³ de água ao ano e abastecem 70% do consumo doméstico.

É viável para o Brasil? – Sim, em partes. O reúso e tratamento de esgoto ainda são um problema para o Brasil. No país, apenas 50% dos resíduos domésticos são tratados e o restante é despejado em rios e no oceano. Mas com o tempo, o percentual de tratamento sanitário deve aumentar, “mas é difícil que a solução seja implementada em grande escala e rapidamente”, diz Dante Ragazzi.

Sobre o gotejamento, é necessário que o setor agrícola do Brasil passe por um grande avanço tecnológico. “Nossa agricultura adota técnicas de irrigação que gastam muita água, o que não é compatível com situações de limitação de disponibilidade, como é o caso do Sudeste brasileiro. É necessário modificar essas práticas. Com a crise, isso já foi iniciado em São Paulo, com a discussão de políticas de estímulo aos produtores”, afirma Alceu Guérios.

Cingapura – Na pequena ilha de 718 km², 100% da população é servida por água potável e todo esgoto do país é tratado e reutilizado. O país é considerado um dos polos mais eficientes de reaproveitamento de água.

Tudo isso graças a uma imponente infraestrutura implantada para coleta da água de chuva, usinas de dessalinização, combate a vazamentos, além de campanhas de conscientização.

Em casos de falta de água, o país importa água da Malásia por meio de dutos, uma logística considerada complexa e cara.

Além disso, há um programa local que incentiva a compra de produtos que diminuem o uso de água (etiquetas de eficiência hídrica) e uma campanha com o público que faz as pessoas “amarem” a água.

É viável para o Brasil? – O reúso, a campanha de conscientização e a criação de etiquetas para aparelhos domésticos mais eficientes são viáveis e recomendáveis. A importação de água também, tecnicamente falando, mas a medida teria um custo muito alto e não haveria capacidade suficiente para atender grandes demandas, como a de São Paulo, atualmente.

Fonte – G1 de 24 de maio de 2015

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