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Não é justo propagar o câncer em nome do lucro de meia dúzia

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o brasileiro consome, em média, 7,5 litros de veneno por ano em consequência da utilização de agrotóxicos.

Por iniciativa do deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS) e do deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS), a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou nesta sexta-feira o seminário “A realidade e as consequências do uso de Agrotóxicos no RS”, voltado para expor os malefícios da utilização de compostos químicos nas lavouras gaúchas. No evento, que contou com a participação de mais de 800 pessoas e teve a presença da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, também foi lançada a Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável.

Segundo estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o cidadão brasileiro consome, em média, 7,5 litros de veneno por ano em consequência da utilização de agrotóxicos. No Rio Grande do Sul, este nível é ainda mais elevado, chegando a 8,3 litros. Na região noroeste do Estado, é ainda pior, superando os 16 litros por ano.

Em sua exposição inicial, o deputado Edegar Pretto criticou o que considerou uma campanha de desinformação da sociedade sobre o impacto real dos agrotóxicos ao meio-ambiente e à saúde.

“Durante anos, foi colocado para a sociedade que defender a agroecologia (culturas livres de agrotóxicos) era coisa para alguns bichos-grilos, era atrasado, enquanto o moderno era gerar muito lucro jogando veneno de avião”, disse o deputado. “Não permitiram que a população soubesse que o Brasil é o maior consumidor de veneno do mundo”, acrescentando que mais de 20 marcas de agrotóxico proibidas nos Estados Unidos e na Europa são comercializadas livremente no Brasil.

Para combater essa realidade no Estado, Pretto afirmou que foram protocolados na AL três projetos.

O primeiro deles diz respeito à proibição do 2,4-D, que é um agrotóxico feito a partir do ácido diclorofenoxiacético, o mesmo componente do Agente Laranja, que foi utilizado como arma química na Guerra do Vietnã e atualmente é liberado no Brasil. “Comprovadamente é um dos venenos mais tóxicos do mundo e, dependendo das condições do tempo, não respeita a cerca, vai quilômetros em direção a outras plantações e à saúde humana”, disse o deputado.

O segundo defende a proibição da pulverização aérea. “Os estudos que nos foram apresentados mostram que apenas 30% do veneno jogado de avião alcança o seu alvo e 70% vai para onde o vento leva”, disse Pretto. “Não achamos que é justo permitir isso em nome do lucro de meia-dúzia de fazendeiros, não é justo propagar o câncer em nome dessa meia dúzia”, complementou

O terceiro projeto visa obrigar a indústria a colocar no rótulo dos produtos informações sobre os agrotóxicos que foram utilizados na produção. “O consumidor tem direito de saber”, afirmou.

Segundo Pretto, os projetos já foram protocolados na Assembleia e no momento tramitam na Comissão de Constituição de Justiça da Casa. O deputado disse saber que “pagará um preço político muito caro” pela defesa deles, mas afirmou que eles podem ser aprovados se a sociedade se mobilizar nessa direção e pressionar a Casa e que esse é um dos objetivos da frente parlamentar lançada nesta sexta. “As leis se movem conforme a população se move. Nós queremos que a sociedade discuta e opine sobre isso”, afirmou.

Por sua vez, a ministra Izabella Teixeira salientou que o Brasil tem uma lei que autoriza o uso de agrotóxicos mediante avaliações e para determinados usos. “O Brasil tem lei que diz como funciona e nós temos que cumprir a lei. E temos que entender quais são os caminhos tecnológicos e o conhecimento técnico-científico para fazer com que essa lei incorpore produtos que sejam cada vez menos impactantes tanto à saúde quanto ao meio-ambiente”, disse a ministra.

Ela afirmou que o governo federal entende que é preciso aumentar a produção de agricultura orgânica, aumentar a produção agro ecológica, rever e banir o uso dos produtos mais tóxicos e realizar um processo de reavaliação de vários produtos atualmente liberados. “Esse debate tem que ser feito abertamente. De maneira que, se tivermos que usar agrotóxicos em algumas culturas, utilizemos os produtos menos tóxicos e com os métodos de manejo mais apropriados”, disse a ministra.

Lobby do agronegócio

O deputado federal Marcon lembrou que há um grande lobby na Câmara de Deputados em defesa do agronegócio, que é contrário a qualquer discussão sobre a redução do uso de agrotóxicos.

“Na Comissão de Agricultura, quando se fala em reforma agrária, eles ficam vermelhos, mas não ficam brabos. Mas se a gente fala em agrotóxicos, eles vêm pra cima”, afirmou Marcon. “Não deixam nem falar que agrotóxico é veneno, falam em remédio de planta, porque sabem que todo mundo entende que veneno faz mal. O Eduardo Cunha (presidente da Câmara, do PMDB) não quer nem ver esse debate”, complementou.

Um dos palestrantes do evento, Leonardo Melgarejo, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), salientou que existem vários mitos difundidos a cerca da utilização de agrotóxicos que precisam ser desmentidos, como alegações que os compostos químicos respeitam limites seguros, que os habitantes das cidades não são afetados, etc.

Impactos na saúde

Melgarejo salientou que o glifosato, um dos ingredientes ativos de agrotóxicos mais usados no Brasil e principal componente do Roundup, produto fabricado pela Monsanto, é extremamente tóxico e está sendo utilizado em 18 milhões de hectares de plantação de soja do País, o que gera um grande risco à saúde das pessoas. “Estes herbicidas provocam a multiplicação de bactérias que não morrem com antibióticos”, disse.

Melgarejo afirmou que não existe limite seguro para a utilização de agrotóxicos. “Uma molécula de agrotóxico pode provocar uma alteração no organismo que venha a provocar o câncer. Sentir o cheiro de veneno significa estar envenenado”, disse.

Virginia Dapper, do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS) da Secretária de Saúde do RS, afirmou que um grande problema relacionado ao acompanhamento das doenças causadas pela utilização de agrotóxico é a subutilização.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 500 mil pessoas são contaminadas anualmente no Brasil. Contudo, segundo Dapper, para cada caso notificado de doenças causadas pelos agrotóxicos, há outros 50 não notificados, porque os sintomas são os mesmos de outras doenças.

Dapper afirmou que a OMS reconhece que os efeitos crônicos dos agrotóxicos são desconhecidos, porque as pesquisas na área são insuficientes. Contudo, ela cita que estudos comprovam que estes compostos químicos, além de provocar câncer, são responsáveis por alterações neurocomportamentais, podendo causar déficit de atenção, Mal de Alzheimer, autismo, depressão e outras tantas doenças.

Segundo ela, há pesquisas que demonstram que a região de plantio do fumo, cultura que se utiliza muito de agrotóxicos, no Estado tem taxa de suicídio maior. “Quanto maior é o uso de agrotóxicos, mais suicídios acontecem”, disse.

Agrotóxicos contrabandeados potencializam o problema

Emerson Giacomelli, coordenador nacional da Via Campesina, salientou que, na realidade, o consumo de agrotóxicos por habitante é muito maior, porque os números apresentados pelo Inca dizem respeito apenas à utilização registrada dos compostos químicos, não levando em conta a utilização ilegal. “O veneno contrabandeado é usado massivamente nas fazendas”, disse.

A ministra Izabella Teixeira reconheceu que o contrabando de agrotóxicos banidos é um problema grave no País.”Tem muita gente usando agrotóxico banido, que é comercializado ilegalmente no País, que vem fruto de contrabando de países da fronteira”, afirmou.

Ela salientou que dois outros problemas são a venda de produtos supostamente orgânicos, mas que contêm misturas com agrotóxicos, e a utilização em excesso de produtos liberados.

“Tem muita gente comercializando insumos para a agricultura orgânica, que muitas vezes são insumos que estão contaminados ou misturados com elementos tóxicos que foram banidos do País”, afirmou a ministra. “Tem gente usando agrotóxico em excesso. Tem gente que não é instruída a usar ou às vezes é instruída a usar erradamente. São coisas no sistema que precisam ser aperfeiçoadas”, complementou.

A ministra afirmou que enfrentar esses problemas passa por uma mudança na política ambiental do governo federal e que é preciso desenvolver políticas públicas que coloquem a transmissão de informações corretas ao agricultor como foco. “A grande discussão central aqui é a necessidade de mudança”, disse.

Fonte – Luís Eduardo Gomes, Carta Maior de 10 de agosto de 2015

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