Por Bruna Bopp - Agência FAPESP – 21 de novembro de 2024 - Uma expedição…
Algumas perguntas para o homem por trás da encíclica ambiental do papa
A encíclica Laudato si’ do Papa Francisco, lançada em junho passado, repreendeu a humanidade pela sua “alegre irresponsabilidade” em busca de lucros e a sua exploração da Terra. Estamos agredindo as partes mais vulneráveis da sociedade e destruindo a nossa única casa enquanto fazemos isso, disse o pontífice, apelando para nada menos do que uma mudança de paradigma social e econômico.
Por trás dessa avassaladora encíclica ambiental, estava o cardeal Peter Turkson, uma vez candidato ao papado. Turkson, de Gana, é agora um conselheiro-chave do papa, liderou a criação do primeiro rascunho da encíclica e coordenou a equipe que ajudou o papa a elaborar o projeto final. A revista Newsweek falou com Turkson assim que Francisco desembarcou em Nova York, no dia 24 de setembro.
Eis a entrevista.
Alguns membros do Congresso usaram a Bíblia para dizer que as mudanças climáticas não existem. Por exemplo, o senador Jim Inhofe citou uma vez um versículo do Gênesis: “Enquanto durar a terra, jamais faltarão semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite” (Gênesis 8, 22). E, por causa disso, não seria possível que pudéssemos mudar o clima. Como você responderia a esse argumento?
Eu não quero criar qualquer problema com o congressista nem me envolver em qualquer debate exegético com ele sobre como ler ou interpretar qualquer parte da Bíblia ou das Escrituras. Mas qualquer pessoa que esteja acostumado com a Bíblia também vai reconhecer que uma declaração como essa sempre deve ser contextualizada um pouco, situada no seu contexto – onde e quando e em que condições ela foi dita. A Bíblia fala sobre a Terra que definha sob os pecados dos seres humanos. Isso significa que a conduta dos habitantes humanos da Terra pode ter um impacto sobre a saúde da Terra.
Isso também pode ser encontrado nas Escrituras. Se formos para o princípio, quando Deus introduziu o primeiro casal humano no jardim que Ele havia preparado, Ele lhes pediu para lavrar e cuidar dela. Essa é a corrente básica do nosso relacionamento com o mundo em que vivemos. É a nossa casa. Ela nos dada dada como um jardim. E é a tarefa e a responsabilidade de todos nós conservá-lo como um jardim e não passá-la para as gerações posteriores como um deserto. Isso não seria certo, não seria justo.
Grande parte da encíclica fala sobre ética econômica e de um sistema econômico que incentiva o comportamento antiético, levando à desigualdade e à destruição ambiental. O capitalismo é uma boa ideia?
Essa não é a primeira vez que uma encíclica fala sobre um sistema econômico que não promove o bem-estar de todos de forma justa e sustentável. Mas ela não chega a identificá-lo ou a chamá-lo pelo nome de capitalismo. Eu suponho que se trate de algo intencional. A afirmação básica é que a economia deve tentar promover o florescimento de todos de forma igualitária, se possível. O papa não é o único a observar isso.
Na reunião de Davos em janeiro passado, também foi observado pela Oxfam que isso ainda iria piorar, com alguns poucos ficando ainda mais ricos, e a maior parte da população humana ficando cada vez mais pobre. Esse é o tipo de coisa que o Santo Padre está observando e nos convidando a trocar de marcha. A mudar de paradigma, de modo que os recursos do mundo possam realmente ser desfrutados por toda a humanidade, de certa forma.
Quanto o Papa Francisco se envolveu na elaboração dessa encíclica? Houve algo adicionado ou retirado que você gostaria de ver em um futuro documento?
O que qualquer um de nós fez, na preparação dela, não importa. O que temos é a encíclica do Santo Padre. E qualquer material que ele tenha usado e tudo o que ele jogou fora não importam mais para qualquer um de nós.
Ainda este ano, a ONU vai sediar a COP21, uma cúpula-chave sobre as mudanças climáticas, em Paris. Como essa encíclica pode ou deve se aplicar a essas conversações da ONU?
Há certos conceitos na Laudato si’ que podem acompanhá-los enquanto estiverem em Paris. Por exemplo, o senso de cuidado. É interessante que eu uso a palavra “cuidado”. Não estou falando da administração ou da proteção ou de qualquer outra coisa, que costumavam ser a forma pela qual falávamos da nossa relação com o mundo no passado. O Santo Padre, nessa encíclica particular, usa a palavra “administração” ou “proteção” apenas duas vezes. Tudo é sobre o cuidado. Portanto, é algo a mais, com paixão, com interesse, com engajamento, com compromisso.
A segunda coisa é que quaisquer decisões que sejam tomadas poderão ser guiadas por considerações éticas e pela sabedoria das tradições religiosas. Estas também podem ajudar a promover, a motivar e a inspirar as pessoas a fazerem algo por um ambiente global melhorado para que possamos viver as nossas vidas. São necessárias sérias considerações éticas. Por exemplo, se é possível realizar algo e nós temos os meios para realizá-lo, devemos também ter o coração para realizá-lo.
Tem sido abundantemente dito que o mundo tem todos os meios e os recursos para alimentar todos aqueles que passam fome. Então, por que isso não é feito? O mundo tem os meios para parar todas as guerras. Por que isso não é feito? O mundo tem os meios para parar todo o tráfico de armas. Por que isso não é feito? Então, nós sabemos o que pode ser feito para tornar o mundo um lugar melhor. Mas a força de vontade não existe. Há um déficit ético. É isso que a Laudato si’ traz para a discussão. Não é simplesmente uma consideração tecnológica. É uma consideração tecnológica guiada por uma séria consideração ética.
Fonte – de Zoë Schlanger, tradução de Moisés Sbardelotto, Newsweek / IHU de 30 de setembro de 2015
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