Por Bruna Bopp - Agência FAPESP – 21 de novembro de 2024 - Uma expedição…
Desinvestimento em combustíveis fósseis e o fim dos subsídios
“Assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras,
a Era do Petróleo chegará ao fim, não por falta de óleo”.
(Sheikh Ahmed-Zaki Yamani, 2000)
“O desinvestimento é uma ideia perigosa cuja hora chegou”
Tim DeChristopher (2015)
O fim do mundo dos combustíveis fósseis está próximo. Por um lado, estamos nos aproximando do “Pico do Petróleo” (fim da energia fóssil abundante e barata) e de outro lado, há uma campanha pelo desinvestimento na produção e comercialização do petróleo, gás e carvão.
Nos últimos 250 anos os combustíveis fósseis foram fundamentais para o desenvolvimento econômico mundial e para o avanço civilizacional. O crescimento da oferta de energia per capita ajudou a “raça” humana a dominar a natureza e as outras espécies vivas do Planeta. Ao mesmo tempo, a queima de combustíveis fez a concentração de gases de efeito estufa (GEE) ultrapassarem 400 partes por milhão (ppm), sendo que o nível seguro é de apenas 350 ppm.
A pressão sobre o Planeta aumentou muito nos últimos 60 anos e o modelo de produção e consumo continua pressionando e já existem evidências de que os limiares críticos do sistema Terra estão em perigo. Segundo Rockström (abril 2015), há múltiplos sinais de que as fronteiras planetárias estão sendo ultrapassadas: colapso da pesca marinha; derretimento acelerado das camadas de gelo, ressurgência de águas quentes no oceano, liberação de metano do fundo do mar e das camadas de permafrost na Sibéria, volatilidade climáticas e secas extremas, mudanças nos regimes ecológicos, poluição provocada por fertilizantes e outras fontes e o colapso dos sistemas de recifes de corais tropicais. Hoje, podemos afirmar com alto grau de confiança de que a mera acumulação de tais impactos antropogénicos podem perturbar a homeostase do sistema Terra.
Para evitar o pior, foi lançada a campanha pelo desinvestimento em energias fósseis visando reduzir o aumento da concentração de CO2 na atmosfera. A campanha pelo desinvestimento cobra de governos, empresas e instituições a retirada de recursos de combustíveis fósseis. O investimento em petrolífereas é um perigo tanto para o clima quanto para o capital dos investidores. Até mesmo a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) aderiu às mobilizações globais pelo desinvestimento em combustíveis fósseis. Isto é um fator importante para combater o aquecimento global na Conferência do Clima de Paris (COP-21), em dezembro de 2015 (Observatório do Clima, 19/03/2015)
Assim, é preciso reduzir as emissões de GGE. Para tanto é necessário utilizar menos combustíveis fósseis e aumentar os investimentos em energias renováveis e em eficiência energética. Mesmo empresas petrolíferas estão promovendo esta mudança: “Algumas das principais empresas de petróleo e gás, como a Shell, a Total e a Statoil estão progressivamente aumentando os seus investimentos relacionados a energias renováveis. A Shell está investindo muito na área de biocombustíveis, enquanto a Total, com a sua participação na Sunpower, está investindo substancialmente no setor solar, enquanto a Statoil está colocando suas apostas em energia eólica”. (Agnihotri, 08 May 2015).
Nos dias 13 e 14 de fevereiro foi realizada a mobilização do Dia Global de Desinvestimento, pregando a retirada de investimentos em combustíveis fósseis. O objetivo foi pressionar as instituições para que retirem seus investimentos das 200 maiores empresas de combustíveis fósseis do mundo, principais responsáveis pela crise climática. A campanha foi idealizada pela ONG 350.org e lançada em 2012, nos Estados Unidos. Este ano, os eventos ocorreram em vários lugares do mundo. Estudantes dos Estados Unidos e do Reino Unido fizeram protestos passivos e flash mobs em seus respectivos campi. Ativistas do Japão, Nepal, França e Ucrânia pediram às novas instituições que retirassem seus investimentos. Em Sydney, Londres e Nova York, militantes se reuniram para conscientizar as pessoas sobre a ameaça da bolha de carbono. Na Califórnia, ativistas lançaram uma grande campanha contra os fundos de pensão do estado. Na Austrália, as pessoas foram incentivadas a retirar seu dinheiro de bancos que financiam a mineração de carvão no país (350.org, fev 2015).
Mas, infelizmente, a campanha ainda não decolou no Brasil. Segundo Nicole Oliveira, líder da 350.org para a América Latina: “É muito complicado ainda fazer uma campanha dessas no Brasil. Primeiro porque há poucos investidores particulares colocando dinheiro graúdo em ações de empresas de combustível fóssil. Os maiores investidores são os fundos de pensão, então seria necessário um trabalho específico com eles. Depois, falar da Petrobras por exemplo, é quase um tabu. Nós procuramos parceiros aqui, principalmente para alertar sobre os riscos do pré-sal. Mas não encontramos ninguém”.
Ou seja, o mito do pré-sal como passaporte do futuro tem cegado a sociedade civil brasileira que ainda acredita que o petróleo abissal é um bilhete premiado que vai ajudar a saúde e a educação do país. Porém, os grandes investimentos no pré-sal só deslocam os recursos que poderiam estar indo para as energias renováveis. Segundo a ONG 350.org até o Vaticano está pensando em desinvestir, assim como diversas outras instituições religiosas.
A redução dos investimentos em combustíveis fósseis é uma necessidade vital para o sucesso da COP-21 que vai ocorrer em Paris, em dezembro de 2015, e que precisa traçar uma estratégia para reduzir as emissões de GEE e para manter o aquecimento global abaixo de 2º em relação ao período pré-industrial. Como escrevi em outro artigo: Ao invés da campanha “O petróleo é nosso”, melhor seria uma campanha: “A energia renovável é nossa”, ou “O sol e o vento são nossos”. A questão política chave dos próximos anos e décadas é permitir que o povo produza e consuma a sua própria energia (“Power to the people”, como já dizia John Lennon). Há diversas palavras de ordem mais atuais do que o velho lema da Petrobras: “O povo na rua quer a energia sua”; “Energia alternativa é a alternativa aos combustíveis fósseis”, “Renovar a energia das massas para conseguir energia renovável”, etc.
A Petrobras daria uma grande contribuição ao Brasil e ao mundo se redirecionasse parte de seu plano de investimentos em combustíveis fósseis para as energias renováveis. Desta forma, a empresa poderia ajudar o país a mudar a sua matriz energética e reduzir as emissões que agravam o aquecimento global e já causam grandes prejuízos à população brasileira e mundial.
Mas independentemente da campanha pelo desinvestimento, uma tarefa tanto urgente quanto é reduzir os subsídios aos combustíveis fósseis. Estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que os subsídios aos combustíveis fósseis alcançam US$ 10 milhões por minuto, indicando uma subvenção de US$ 5,3 trilhões em 2015, sendo maior do que a despesa total com saúde de todos os governos do mundo. Segundo o FMI, cortando os subsídios aos combustíveis fósseis, haveria uma redução das emissões globais de carbono em 20%. Isso seria um grande passo para mitigar o aquecimento global. O fim dos subsídios, também contribuiria para a redução do número de mortes prematuras pela poluição do ar em 50%, estimadas em cerca de 1,6 milhão de vidas por ano. O fim dos subsídios aos combustíveis fósseis contribuiria para a decolagem das energias renováveis.
O jornal britânico The Guardian, lançou a petição online “ Keep it in the ground” (Mantenha no subsolo), para pedir que a Fundação Bill e Melinda Gates e o Wellcome Trust, duas das maiores organizações filantrópicas e de apoio à ciência e inovação do mundo, parem de investir em combustíveis fósseis. A iniciativa faz parte da campanha global, lançada em 2011, para o desinvestimento em combustíveis fósseis. Até agora, mais de 200 empresas, instituições e governos locais já se comprometeram a encerrar seus investimentos nesse tipo de combustível. Pesquisas revelam que a quantidade de combustíveis armazenada em reservas conhecidas é enorme. Caso sejam exploradas e queimadas, podem provocar efeito catastrófico no clima do planeta. A campanha enfatiza três números essenciais que devem ser conhecidos:
2ºC – limite da elevação da temperatura que o planeta pode suportar para que os efeitos das mudanças climáticas não sejam devastadores;
565 gigatoneladas – quantidade de dióxido de carbono que podemos liberar na atmosfera até 2050, sem correr graves riscos perante o aquecimento global. É o chamado “orçamento de carbono”;
2.795 gigatoneladas – volume total de CO2 liberado na atmosfera caso todas as reservas de combustíveis fósseis já conhecidas fossem exploradas – um número muito superior às 565 gigatoneladas do atual orçamento de carbono do planeta.
Matéria de Suzana Camargo mostra que, na página da petição, Alan Rusbridger, editor-chefe do The Guardian, dá a seguinte declaração: O argumento para a campanha de desinvestimento às empresas mais poluentes do mundo está se tornando esmagador, tanto por questões morais como financeiras. Como o Arcebispo Desmond Tutu diz: “As pessoas de consciência precisam quebrar seus laços com as corporações que financiam a injustiça das mudanças climáticas”.
Referências
ALVES, JED. A roça e a mina: O mito do pré sal está afundando o Brasil. IHU, 14/04/2015
ALVES, JED. Bolha de Carbono: crise ambiental ou crise financeira? , Ecodebate, RJ, 05/02/2014
ALVES, JED. O relativo sucesso econômico e o grande fracasso ambiental do capitalismo, Ecodebate, Rio de Janeiro, 22/05/2013
ALVES, JED. Vamos nos preparar para o fim do mundo (do petróleo). Ecodebate, RJ, 27/07/2010
MCKIBBEN, Bill, LEGGETT, Jeremy. How your pension is being used in a $6 trillion climate gamble, The Guardian, 19 April 2013
PRICE, David. Energy and Human Evolution, blog, 1995
Carbon Tracker. Investors ask fossil fuel companies to assess how business plans fare in low-carbon future, 2013
Gaurav Agnihotri. How Much Longer Can The Oil Age Last? Oilprice, Fri, 08 May 2015
Johan Rockström. Bounding the Planetary Future: Why We Need a Great Transition, April 2015
350.org. Dia Global de Desinvestimento causa impactos positivos, 13 e 14 de fevereiro de 2015
Karina Ninni. Desinvestimento em fósseis tem apoio de cidades, universidades e instituições religiosas, RJ, 14/02/2015
Observatório do Clima. Desinvestimento em combustíveis fósseis ganha apoio da ONU, 19/03/2015
Suzana Camargo. Jornal britânico The Guardian lança petição pelo desinvestimento em combustíveis fósseis, SP, 18/03/2015
Emma Howard. The rise and rise of the fossil fuel divestment movement, The Guardian, 19 May 2015
Fonte – José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. IHU de 05 de junho de 2015
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