Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Fritjof Capra – Energia e transgênicos como questões na humanização do desenvolvimento 4/6
Fritjof Capra (Viena, Áustria, 1 de fevereiro de 1939) é um físico teórico e escritor que desenvolve trabalho na promoção da educação ecológica. Foto e informações da Wikipedia
Humanizar o desenvolvimento do mundo, segundo Capra, significa a introdução de valores da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica para dentro do processo de desenvolvimento.
Isto é o que os lideres da sociedade civil global têm proposto no Fórum Social Mundial. A visão alternativa proposta por esta sociedade civil, ou movimento de justiça global vê o desenvolvimento como um processo criativo, característico de toda vida, um processo de aumento de capacitação, onde a coisa mais importante que se precisa fazer é exercer controle sobre os recursos locais.
Nesta visão, o processo de desenvolvimento não é puramente um processo econômico.
É também um processo social, ecológico e ético, um processo multidimensional e sistêmico. Os atores primários do desenvolvimento são instituições da sociedade civil, baseadas na vizinhança ou em interesses comuns.
Porque as pessoas são diferentes e os lugares onde vivem são diferentes, nós podemos esperar que o desenvolvimento produza diversidade cultural de todos os tipos.
O processo por onde isso ocorrerá será muito diferente do atual sistema de comércio global. Será baseado na mobilização de recursos locais para satisfazer necessidades locais e alimentado pela dignidade humana e sustentabilidade ecológica.
Na agricultura, uma coalizão em escala mundial de ONGs foi formada para resistir a apressada e descuidada introdução de transgênicos e para promover a prática de uma agricultura sustentável.
À medida que a lacuna entre os anúncios da indústria biotécnica e as realidades da alimentação biotecnológica tornam-se ainda mais aparente nos últimos anos, a resistência contra os alimentos transgênicos cresceu e transformou-se num movimento político mundial.
Os anúncios da biotecnologia desenham um bravo novo, um mundo no qual a agricultura não mais dependerá de químicos e assim não mais danificará o meio ambiente. Alimentação será a melhor e mais segura do que foi antes, a fome mundial desaparecerá. Não se fala em redistribuição de riqueza. Deverá haver alguma mágica no meio do caminho.
Uma linguagem similar foi usada pelas mesmas corporações agro-químicas quando promoveram uma nova era de químicos para agricultura alardeada como “Revolução Verde” décadas atrás.
Desde aquela época o lado escuro da agricultura tornou-se dolorosamente evidente. Hoje é bem sabido que aquela revolução não ajudou nem agricultores, nem a terra, nem consumidores.
Os efeitos em longo prazo do uso excessivo da química na agricultura tem sido um desastre para a saúde do solo e para saúde humana, para as nossas relações sociais e para todo ambiente natural sobre o qual nosso bem estar e futura sobrevivência dependem.
Os proponentes da biotecnologia freqüentemente argumentam que as sementes de transgênicos são cruciais para alimentar o mundo. Entretanto, as agências de desenvolvimento sabem há muito tempo que as raízes da causa da fome ao redor do mundo não estão relacionadas com a produção de alimentos.
São a pobreza, a desigualdade e falta de acesso a alimento e terra. Se essas causas estruturais não forem abordadas, a fome persistirá pouco importando que tecnologia será utilizada. Mesmo nos Estados Unidos, hoje existem entre 20 e 30 milhões de pessoas mal alimentadas!
A verdade simples é que a maioria das inovações relativas a alimentos biotecnológicos tem sido orientada pelo lucro, não pela necessidade. Por exemplo, grãos de soja sofreram intervenção da engenharia para resistir especificamente ao herbicida glifosato, produzido pelas própria empresas de sementes.
Tecnologias como estas aumentam a dependência dos agricultores sobre produtos que são patenteados e protegidos por “direitos de propriedade intelectual”, o que faz as velhas práticas da agricultura de reprodução, estocagem e divisão de sementes uma prática ilegal.
Há fortes indicações que uso descontrolado de colheitas transgênicas não irá apenas falhar na solução do problema da fome, mas, ao contrário, poderá perpetuá-la e agravá-la.
Se sementes transgênicas continuarem a ser desenvolvidas e manipuladas exclusivamente por corporações privadas, agricultores pobres não poderão adquiri-las. Se a indústria biotécnica continuar a proteger seus produtos através de patentes que impeçam de estocar e comercializar sementes, os pobres se tornarão, no futuro, dependentes e marginalizados. Sem falar no que pode acontecer potencialmente com os ecossistemas.
Os riscos da atual biotecnologia na agricultura são uma conseqüência direta da falta de uma perspectiva ecológica dentro da indústria biotécnica. Modificações genéticas de colheitas são feitas com uma pressa inacreditável e transgênicos são plantados maciçamente sem testes apropriados de curto e longo prazo dos impactos sobre os ecossistemas e sobre a saúde humana.
Estas colheitas de transgênicos, não-testadas e potencialmente perigosas espalham-se por todo planeta criando riscos irreversíveis; infelizmente estes riscos são freqüentemente colocados de lado pelos geneticistas cujo conhecimento e treinamento ecológico é mínimo.
Nas suas tentativas de patentear, explorar e monopolizar todos os aspectos da biotecnologia as grandes corporações agro-químicas tem comprado semente e empresas biotécnicas e tem se re-estilizado como “corporações da ciência da vida”.
As fronteiras tradicionais entre as indústrias farmacêuticas, agro-químicas e biotecnológicas estão desaparecendo rapidamente na medida que se fundem para formar conglomerados gigantescos sob a bandeira da ciência da vida. O que todas estas chamadas “corporações da ciência da vida” tem em comum é o reduzido conhecimento da vida baseado numa crença errada que a natureza pode estar sujeita ao controle humano.
Ignoram a autogeração e a auto-organização dinâmica, que é a essência da vida, e ao invés disso redefinem organismos vivos como máquinas que podem ser manuseadas de fora, patenteadas e vendidas como recursos industriais. Assim, a própria vida tornou-se a última “commodity” (mercadoria).
Em anos recentes, os problemas de saúde causados pela engenharia genética assim como seus problemas sociais, ecológicos e éticos tornaram-se todos muito aparentes, e há agora um movimento global crescente muito rápido que rejeita esta forma de tecnologia.
Fonte – Roberto Naime, Fritjof Capra e os transgênicos, EcoDebate de 24 de maio de 2016
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