Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Brasil, paraíso dos agrotóxicos
O País concentra 20% do mercado mundial, um cenário que poderia ser revisto se houvesse vontade
A colheita brasileira na safra 2015/16 sofreu várias traulitadas climáticas. Diversas regiões e culturas tiveram queda de produção em longos períodos de seca durante a vegetação, altos índices pluviométricos na colheita, e recentes episódios de geadas em zonas cafeeiras.
Com isso, a produção de grãos, prevista em meados do ano passado para registrar novo recorde (210 milhões de toneladas), segundo a última estimativa da Conab, deverá cair 10%, não passando dos 190 milhões, sendo as maiores quedas em feijão (22%), milho (17%) e soja (7%).
A cultura do café, no sul de Minas Gerais, sofreu geadas nos últimos meses, de menor impacto na colheita em fase final, mas capaz de prejudicar as duas próximas safras.
Em conversa com agricultores do sudoeste paulista, revelo que em 2015 a indústria de agrotóxicos, “mas pode-me-chamar-de-produtos-para-defesa-vegetal”, vendeu no Brasil US$ 9,6 bilhões, entre herbicidas, fungicidas e inseticidas. Segundo seu sindicato, queda de 21,5% em relação a 2014. Justificam o fato pelo câmbio, contrabando e atrasos nos recursos do crédito rural.
Acreditem somente no primeiro fator. Os demais foram mínimos. Tomando-se os períodos do ano mais expressivos na compra de agroquímicos, em 2015 o dólar registrou uma apreciação de 45% sobre o real em relação a 2014. O dobro da queda ocorrida no faturamento da indústria. Vale dizer, em reais, a moeda que sai do bolso dos agricultores, a indústria faturou 28 bilhões em 2014 e 34 bilhões no ano passado. Cresceu.
Continua-se, pois, aplicando monstruosidades de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, o que perdurará enquanto predominarem o brutal poder de divulgação da indústria e os temores e comodismo de nossos agricultores.
O mercado mundial de pesticidas é estimado em US$ 45 bilhões. Mesmo com a queda, o Brasil ainda representa fatia de mais de 20%. Perto de um bilhão de litros é usado em nossas lavouras, 1/3 deles para a soja.
Tenho insistido que não precisaria ser assim, conceito que levo em todas andanças. Mais uma vez: é possível manter e mesmo fazer crescer a produção, diminuindo a dependência de agrotóxicos através de técnicas agrícolas milenares.
Nem toco aqui nos comprovados malefícios aos ecossistemas e saúde humana, sobretudo em países emergentes e pobres, onde vige sangrento vale-tudo. Deixo-os a julgamento em códigos criminais.
Refiro-me aos sensíveis bolsos plantadores, que poderiam ser poupados conhecessem a infinidade de tecnologias produzidas a partir de matérias orgânicas e manejos redutores do uso excessivo de agrotóxicos e fertilizantes químicos.
Mas empaca. Sim, razões e conceitos empacam nos hábitos e costumes dos agricultores, massificados pelo assédio do exército de agrônomos dos fabricantes, que os fazem temer perdas na lavoura.
Mais ou menos como o caboclo que depois de matar a cobra pisou tanto em sua cabeça, furou a sola do sapato, e absorveu o veneno.
O professor Jules Pretty, da Universidade de Essex, no Reino Unido, é uma boa referência para o assunto. Ele e equipe realizaram trabalho de pesquisa em 24 países da África e da Ásia comprovando manutenção dos níveis de produtividade com redução no uso de agrotóxicos, através de Manejo Integrado de Pragas e Doenças (IPM, na sigla em inglês), rotação de culturas, armadilhas biológicas.
Daí ter-me impressionado a importância que o pesquisador, em seus livros e artigos, dá à educação e ao efeito demonstração obtido no que ele chama de “Farmer Field Schools”, pulverização de campos experimentais para que agricultores possam comprovar, fora de suas lavouras, a efetividade desses produtos e técnicas poupadores.
Tivesse o Brasil governo legítimo voltado ao desenvolvimento social e iniciativa privada menos rentista, quantos assentamentos e núcleos de agricultura familiar poderiam se transformar em “Campos de Ensino de Agricultores”?
Nem pensar. Basta ver que o silábico governador de São Paulo propõe vender as poucas fazendas experimentais pertencentes a tradicionais instituições de pesquisas.
Fora todos! E fica proibido silabar e usar mesóclise.
Fonte – Rui Daher, CartaCapital de 16 de agosto de 2016
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