Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Contaminação Da Biodiversidade Por Transgênicos, Parte 4/6
NODARI et. al. (2010) manifesta que uma das grandes preocupações existentes em âmbito mundial como no Brasil se refere ao desafio de assegurar ao ser humano uma alimentação adequada e saudável, sem comprometer a sustentabilidade do planeta.
Segundo o ex-Ministro do Meio Ambiente do Peru, o Dr. Antonio Brack, a humanidade dispõe hoje de uma mesa bem servida de alimentos variados graças a milhares de anos de processos de domesticação e seleção realizados pelas comunidades agrárias tradicionais.
Os processos de domesticação, seleção, adaptação e acumulação de conhecimentos têm permitido uma enorme diversidade de espécies domesticadas, que constituem verdadeiras reservas genéticas em diversas partes do mundo.
Particularmente no Brasil também houve a domesticação de centenas de espécies, notadamente na região amazônica. São estas espécies de plantas e animais domesticados que asseguram a produção de alimentos variados e em quantidade para a segurança alimentar da humanidade.
Esta agrobiodiversidade é uma das mais destacadas riquezas de que dispõem os países. O Dr. Antonio Brack, ex-Ministro do Meio Ambiente do Peru, considera a perda da agrobiodiversidade uma tragédia para a humanidade, pois reduziria a segurança alimentar a umas poucas espécies e estabeleceria um novo marco empobrecido para os recursos genéticos.
Bancos de Germoplasma foram estabelecidos para coletar e manter a agrobiodiversidade. No entanto, é impossível coletar e preservar todas as associações alélicas bem como manter os processos evolutivos nos ambientes de cultivo ou naturais.
Assim, para manter esta agrobiodiversidade é imprescindível a participação de agricultores familiares, das populações tradicionais e povos indígenas, já que são estas comunidades que a mantém.
Particularmente no Brasil, a situação da conservação da diversidade de espécies nativas que fazem parte da agrobiodiversidade é muito preocupante. Embora sendo um país megadiverso (MITTERMEIER et al., 1997), possuindo de 15 a 20% das espécies do planeta, o Brasil apresenta uma enorme dependência de recursos genéticos externos, pois as principais espécies cultivadas no país são exóticas.
Dentre as razões da pouca utilização e da precária conservação das espécies nativas na alimentação encontra-se a forte cultura europeia trazida pelos imigrantes, que se sobrepôs sem intercâmbio à cultura dos povos indígenas que aqui viviam e o pouco conhecimento sobre o cultivo e as propriedades destas espécies autóctones.
Cabe destacar que 70% da diversidade genética de plantas cultivadas e extrativas de valor socioeconômico sejam conservadas e o conhecimento indígena e local associado mantido, 60% da diversidade genética dos parentes silvestres brasileiros de plantas cultivadas de 10 gêneros prioritários conservados “in situ” ou “ex situ” e o aumento das ações de apoio à conservação “on farm”.
É a agrobiodiversidade que garante a manutenção dos modos de vida sustentáveis, e a segurança alimentar e saúde, para comunidades locais e povos indígenas.
O Brasil está aquém das metas assumidas. Ou as metas foram muito ambiciosas, como zerar o desmatamento da Mata Atlântica e diminuir em 75% o desmatamento na Amazônia, ou o país não se comprometeu de fato em alcançar as referidas metas.
O pior é que não há condições favoráveis no país para atingir as metas. Ao contrário, o debate sobre as possíveis mudanças no código florestal ilustra que é provável que além de não cumprir as metas estabelecidas o país pode degradar ainda mais os componentes da biodiversidade.
Dentre as principais ameaças à biodiversidade está o cultivo em larga escala de variedades transgênicas.
NODARI et. al. (2010) assevera que embora não existam estatísticas oficiais, apenas dados de uma instituição ligada aos proponentes da tecnologia, estima-se que em 2009 foram cultivados cerca de 134 milhões de hectares com variedades transgênicas, majoritariamente de soja, algodão, milho e canola.
Aproximadamente 99% dos cultivos estão nos Estados Unidos, Brasil, Argentina, Índia, Canadá, China, Paraguai e África do Sul (ISAAA, 2010).
No Brasil, até outubro de 2010, havia sido liberadas cinco variedades de soja, sete de algodão e 11 de milho. Essas variedades transgênicas contém transgenes de resistência a herbicidas ou que codificam toxinas que têm como alvo controlar alguns insetos. Das 23 variedades, seis expressam este dois tipos de transgenes.
A primeira variedade transgênica no Brasil foi de soja, resistente ao herbicida a base de glifosato. Embora aprovada pela CNTBio, processos judiciais culminaram com a proibição de seu cultivo, o que foi finalmente aprovado pelo Congresso Nacional, por meio da Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005.
Outras três variedades de soja aprovadas pela CTNBio entre 2009 e 2010 igualmente apresentam transgenes que conferem resistência a herbicidas do tipo glifosato, glufosinato de amônio ou imidazolinonas.
Uma delas além do transgene para glifosato contém um transgene que produz toxina destinada a combater uma praga. Das 11 variedades transgênicas de milho aprovadas entre 2008 e 2010, quatro apresentam simultaneamente transgenes para resistência a um tipo de herbicida e um tipo de toxina, esta destinada a promover resistência a uma ou outra praga.
Das demais, três apresentam transgenes específicos para resistência a herbicidas, visando o uso destes agrotóxicos sem prejuízo para as plantas transgênicas. Quatro variedades contém transgenes para produzir toxinas, destinadas a combater um ou poucos insetos.
No algodoeiro, são encontrados transgenes para resistência a herbicidas em três variedades transgênicas e transgenes para toxinas em cinco variedades transgênicas, sendo que um delas contem ambos os transgenes.
Além dos transgenes específicos, muitas variedades carregam outros genes que estão no mesmo ou em transgenes separados. Exemplo disso são os genes de resistência a antibióticos nptll, aad e bla, (que funcionam como marcador de seleção de plantas transformadas) e que codificam para as proteínas NPTII (neomicina fosfotransferase tipo II), AAD -O-aminoglicosídeo adeniltransferase) e beta-lactamase (resistência a ampicilina), respectivamente.
Atualmente, as duas únicas restrições legais que existem são os transgênicos que contenham tecnologias genéticas de restrição de uso, também denominadas de GURTs, e células germinais humanas.
Alguns tipos de GURTs são conhecidos como “Terminator” pelo fato que as plantas que os contém produzem os grãos com o embrião defeituoso. Isto impede a sua germinação e, assim, o agricultor é obrigado a comprar sementes, que são patenteadas, todos os anos.
Após anos do cultivo com plantas transgênicas o quadro que caracteriza a transgenia é a absoluta falta de controle. Em primeiro lugar, as técnicas de modificação transgênica são adequadas para a introdução de rearranjamentos porque o DNA transgênico exógeno transferido para as plantas suscitam uma resposta, a qual ativa nucleases e enzimas de reparação de DNA (ver revisão por TRAVIK e HEINEMANN, 2007).
Praticamente, em todas as plantas transgênicas em cultivo, o transgene inserido é diferente daquele contido no vetor de transformação. Às vezes o transgene inserido é menor, outras vezes há inserção de mais de uma cópia ou pedaços do transgene, e assim por diante.
Um exemplo emblemático e marcante é o rearranjamento que ocorreu no milho transgênico GA21. Neste, ocorreu a inserção de seis cópias do transgene, duas cópias idênticas ao transgene contido no vetor de transformação (cópias 3 e 4), cópia do transgene com mutação Citosina no lugar de Guanina (cópia 2), cópia do transgene com mutação Citosina no lugar de Guanina, além de uma deleção de 696 pb no promotor na região 5 (cópia 1), cópia incompleta, contendo as primeiras 288 (ou 291) pb ou faltando 1050 (ou 1047) pb do gene mepsps, além de não possuir a terminação NOS (cópia 5) e cópia contendo o promotor e o primeiro exon truncado da actina do arroz (cópia 6).
Toda esta abordagem muito técnica objetiva demonstrar que as ações impactantes nos ecossistemas locais podem ser muito relevantes e irreversíveis. Antecipadamente se pede escusas por alguma incorreção que é involuntária. Com base bibliográfica se tenta não sofrer desqualificação por ausência de técnica pois se usa tecnologicismo como apanágio de bandalheira, infelizmente está é a atual autopoiese de equilíbrio sistêmico da sociedade criada pela civilização humana. Numa interpretação em acepção livre da semântica empregada por Niklas Luhmann e os sistemistas.
Anos após a adoção de transgênicos por muitos governos, um estudo feito por pesquisadores independentes com Cry1Ab transgene, que está presente no milho transgênico Yielgard ou Guardian (MON 810), revelou que este transgene causou alterações na expressão de 43 proteínas, a expressão de sete novas proteínas e 14 apresentaram redução de expressão sendo que 13 tiveram aumento da expressão e nove foram completamente suprimidas (ZOLLA et al., 2008).
Segundo os autores, “curiosamente, um novo local de expressão (SSP 6711) correspondente a 50 kDa gama zein, uma proteína alergênica conhecida foi detectada”.
Além disso, como uma grande preocupação, uma série de proteínas das sementes de armazenamento (por exemplo, globulinas e proteínas de armazenamento de embriões similares a vicilina) apresentou formas truncadas, com pesos moleculares significativamente menores do que os nativos. O que estas proteínas podem causar aos componentes da biodiversidade? Não se sabe.
É sempre bom lembrar que estas realidades não passaram nem perto de solucionar o problema da fome, que depende da distribuição de riqueza.
Isto significa que estamos longe de entender adequadamente os transgenes em toda sua cadeia produtiva.
Esta descrição é o reconhecimento que transgênicos contaminam o meio ambiente, interferem na biodiversidade e alteram os ecossistemas.
E as contaminações podem ser responsáveis pela padronização e empobrecimento da biodiversidade ou por efeitos deletérios e inimagináveis a longo prazo. Ou podem não produzir efeito algum. Não se sabe. É incrível esta capacidade que a civilização humana exibe de produzir avanços rumo ao desconhecido.
Lembra ocorrência de ser mordido por cão desconhecido, que não se sabe ser raivoso ou não. Se não forem adotadas normas e protocolos de precaução, depois de identificada contaminação, só resta alternativa mórbida.
Assim se reconhece que os malefícios da transgenia podem não ocorrer. Mas se ocorrerem, pode não haver nada a fazer depois de sua instalação. Como a filmografia ficcional de “Hollywood” vive mostrando.
Não faz sentido exercer qualquer condenação prévia e apriorística da biotecnologia ou de qualquer substância química, com apropriação dogmática. Qualquer inovação tecnológica teve como estimulação, os benefícios que podem ser gerados, embora possa ter trajetória tão diferenciada quanto são as intenções e predisposições de toda humanidade.
Assim, todos os procedimentos merecem isenção e avaliações em cada caso, e não condenações gerais de qualquer natureza, que respondam a anseios dogmáticos ou políticos.
Conforme já se referiu, mesmo que não se apregoe qualquer restrição às evoluções científicas que inegavelmente são representadas por incrementos na transgenia, não custa nada admoestar a todas as partes interessadas que é preciso ter um pouco de humildade.
Mecanismos de proteção que podem até interferir na seleção natural, e produzem complexas reações bioquímicas, são temerários, sem compreender todas as relações implícitas ou explícitas, e não lineares ou cartesianas da homeostase dos ecossistemas.
Logo, parece um pouco pretensioso na atual fase de conhecimentos da civilização humana, implementar estes incrementos sem considerar os princípios de precaução e sem mobilizar tentativas mais sistêmicas e holísticas de se apropriar da realidade.
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Roberto Naime, Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte – EcoDebate de 30 de agosto de 2016
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