Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Glifosato fora de moda
Agora será má altura para relembrar que a Bayer comprou a Monsanto por 60 mil milhões de euros, depois de ter sido levada a cabo uma campanha de alarme em torno do principal activo da Monsanto – o glifosato e as culturas transgénicas tolerantes a esse herbicida -, mas ainda assim, porque só com as peças todas podemos montar o puzzle, aqui vai:
A Monsanto produziu o roundup (glifosato) e ao mesmo tempo vendeu milhões de sementes tolerantes ao químico, dominando assim uma importante parte da agroindústria e da produção de alimentos. A Monsanto detinha a patente das variedades transgénicas tolerantes ao herbicida e ao mesmo tempo a patente do herbicida. As variedades não eram resistentes a pragas, como muitos tentaram fazer-nos crer, mas sim ao roundup. A patente do glifosato expirou em 2001, e isso permitiu que fosse possível produzir e utilizar glifosato com custos muito menores, continuando a usar variedades vegetais resistentes ao herbicida.
Durante os últimos anos a Bayer tem vindo a colocar no mercado um substituto do glifosato, o único substituto eficaz, segundo a marca. O LibertyLink, que suporta os produtos Liberty e Ignite, ambos da Bayer, vem trazer os mesmos resultados que o glifosato, de acordo com a Bayer.
Portanto, e sem me alongar em especulação, eis os factos: o alarme público em torno do glifosato desvalorizou a Monsanto e abriu caminho à proibição de um produto não patenteado, tal como abriu o caminho à sua integral substituição por um outro produto, desta feita patenteado pela Bayer e que pode ser aplicado precisamente às mesmas colheitas e variedades vegetais.
A Bayer tinha um produto caro que visava substituir um produto barato. Agora talvez o consiga fazer com o apoio da legislação feita ao sabor de interesses não anunciados. Se o BE recebeu ordens de alguém para propor em Portugal a proibição do glifosato, não poderemos saber, mas que houve quem lucrasse milhões com propostas desse tipo, lá isso houve. Criado o alarme em torno do glifosato, restou ao BE cavalgar o seu mediatismo e acusar os comunistas de defenderem a Monsanto e a utilização de produtos cancerígenos. Na sua estratégia de isolar constantemente o PCP, o glifosato foi um eficaz produto. A comunicação social encarregou-se de intoxicar a opinião pública com essa “nova propriedade” do glifosato e com o preconceito de que o PCP é um partido tão ortodoxo que defende que devemos todos morrer por exposição a produtos que provocam o cancro.
O caminho do BE estava destinado ao sucesso. Hoje, a Bayer comprou a Monsanto e prepara-se para substituir o glifosato pelo glufosinato de amónia com publicidade de borla e honras de circo parlamentar. Mas hoje, hoje já ninguém quer saber. Porque a mesma comunicação social que elevou o BE a paladino do ambiente e da saúde pública, não vai fazer a ligação entre a aquisição da Monsanto pela Bayer e o súbito alarme público em torno do glifosato.
A questão não está na utilização do glifosato ou do novo LibertyLink, mas na utilização de variedades transgénicas que colocam a produção agrícola mundial nas mãos dos monopólios do agronegócio e que ditam a sobreutilização dos solos e a sua destruição. Proibir o glifosato enquanto se permite a continuação da utilização de sementes modificadas para serem resistentes a produtos químicos não muda nada a não ser o nome dos produtos. No caso presente, mudou também o proprietário das patentes. Onde a Bayer detinha uma parte do mercado, passou a detê-lo todo.
Mais monopólio, menos planeta.
Fonte – Miguel Tiago, Manifesto74 de 14 de setembro de 2016
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