Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Entre a inércia dos governos e o aumento da temperatura do planeta
Na hora de votar, vote em quem pensa no planeta, na proteção do meio ambiente. A mãe terra não tem voz. Use seu voto para dar voz à mãe terra. Use seu voto para proteger o planeta e a humanidade. Bom voto!
Entra ano, termina ano e as discussões necessárias sobre o planeta são sempre procrastinadas. No Brasil, a cada eleição, promete-se de tudo, menos o que é mais urgente e importante – a ecologização do modus operandi da/na política para a grande transformação socioambiental que tanto precisamos.
No país, há décadas, a grande mídia tradicional contribuiu para a bestialização das consciências e, principalmente, para a formação, construção e constituição de a-cidadãos, analfabetos sócio-político-ambientais que não conseguem conceber na política o instrumento central e principal para a mudança de rumo em nossa forma de produção e de relação com o planeta.
Os analfabetos aos quais me referi podem ser tanto os iletrados como, também, e em grande número, pessoas com nível superior, de graduados a doutores, implicando, dessa forma, em dizer que o analfabetismo político atinge ampla parcela da população brasileira e mundial, alcançando todos os níveis sociais.
Em se tratando de Brasil, sociedade da qual faço parte e que, por isso mesmo, posso discorrer com mais propriedade, e é justamente sobre essa que refletirei aqui, em minha empiria social tive e tenho contato com “letrados” analfabetos que conseguem desenvolver uma tese, hipóteses, refutá-las, de forma lógica no âmbito acadêmico, mas que são incapazes de juízos políticos cônscios, pois não possuem formação ou leitura histórico-social-política ampla e libertária; pior que isso, muitos nem são analfabetos políticos, mas maldosos intelectuais a serviço das máquinas de opressão para que outros cidadãos não consigam mudar de vida. Muitos desses desonestos cognitivos são vizinhos de rua, de bairro, de cidade, de estado, de região e do país, mas que, por regras éticas e, também, por levar em consideração que esse não é o objetivo dessa reflexão, não trabalharei na explicitação nominal desses atores sociais a serviço da maldade, deixando esse texto apenas como espaço discursivo para divagações e revisões de práxis acerca das formas de pensar a política brasileira, para que daqui em diante, ao pensarmos em analfabetos políticos, não visualizemos somente os iletrados, mas, também, e, com mais ênfase, aqueles que frequentaram as “melhores” escolas do país e que sempre estiveram do lado das estruturas e das cristalizações do poder, pois estes são muito mais perigosos, estão nos setores de comando e de decisões há anos e tendem a ficar nessas posições por muito tempo ainda, talvez, por décadas e, quiçá, por séculos.
Diante de uma nação que, em sua maioria, só se informa pela mass media conservadora, ou seja, pelos conglomerados de comunicação e de informação a serviço dos grupos elitistas, ao longo de anos, foram criadas tipologias preocupantes de eleitores.
O voto direto, com a democratização da política, surgiu como espaço para mudança, para que, enquanto cidadãos políticos nós pudéssemos ser capazes de pensar, de escolher, e essas escolhas deveriam sempre visar à melhoria da qualidade de vida do povo, mas, infelizmente, ao longo dos anos, temos errado em muitas de nossas escolhas, pois, pensando que pensávamos e pensamos, fomos escolhendo os nossos políticos por convicção, por anseios particulares e nos esquecemos dos sonhos e dos problemas do coletivo.
Esse imaginário acerca de que achamos que pensamos faz-me rememorar um dos conceitos do psicólogo e filósofo estadunidense William James, quando ele, em um de seus trabalhos, disse o seguinte: muitas pessoas acreditam que estão pensando, quando estão simplesmente reorganizando seus preconceitos.
A política tem sido um espaço para o surgimento de bancadas conservadoras e retrógradas que alimentam e retroalimentam os grupos sociais imersos em processos de dogmas e que, por isso, não conseguem enxergar na ecologia a riqueza da vida em todos os sentidos. Os espaços políticos brasileiros se converteram em terrenos para mentes não ecológicas e imposições de modelos de fé, dos interesses do agronegócio e das fórmulas pétreas da bala, tanto que a famigerada bancada BBB, do boi, da bíblia e da bala, emperrou a vida das minorias com regências fora dos limites aceitos em uma política que deveria ser laica, mas que, infelizmente, tem sido umbilical e reacionária.
Dentre os tipos de eleitores nessa política brasileira mais reacionária que libertário-progressista, quase nunca aparecem os que pensam de forma complexa, capazes da percepção da dimensão do saber em rede, ou seja, que conseguem pensar a política como espaço de interlocução para repensar os fatores político-econômico-culturais geradores/desencadeadores das crises ambientais que assolam o Brasil e o mundo e que, em breve, impossibilitarão até o futuro, mas, ao contrário, aos montes, aos milhares, em carradas, aos milhões, há aqueles que só enxergam o mundo por meio de perspectivas superficiais e, por isso, só conseguem projetar as esperanças em candidatos que possam contribuir para avanços na economia, melhoria do poder de compra e de consumo, como se no financeiro estivessem todas as respostas para um Brasil justo ambiental e socialmente, como, também, há aqueles que nem nisso pensam quando vão às urnas, pois o fazem ancorados em práticas obsoletas de trocas de favores, não pensando nem na economia do país, assim como há outros tipos dos quais prefiro nem falar.
Por que para falar do aumento da temperatura terrestre construí longos parágrafos iniciais sobre a política? Simples, porque, como mencionei, é na política que deve começar a grande transformação em nosso país e, por que não dizer, no mundo!
Mas, enfim, partamos para o cerne do artigo, que é o aquecimento global.
É o seguinte, ao terminar de ler a matéria “La Tierra va camino a aumentar 2°C de temperatura hacia 2050, afirman científicos”, no Cubadebate, (jornal com o qual me identifico, haja vista que ele possui uma visão imparcial e complexa sobre as informações, apresentando fatos, em vez de notícias opinativas, cultura oposta ao jornalismo tradicional brasileiro que sempre serviu como comunicação política para a imposição dos governos de interesse dos grupos oligárquicos, bem como para a deposição dos governos que não coadunam com as esferas de poder dos senhores da casa grande brasileira) fui levado, obrigatoriamente, a cotejar o que disse quem assinou a matéria do referido periódico consoante ao papel dos governos na adoção de políticas mitigadoras para o aquecimento da terra com o quanto o planeta ainda sofrerá, pois se depender da política brasileira, […] partindo-se do pressuposto de que o Brasil está mergulhado em dogmas e preconceitos, verdades ultrapassadas da Colônia, a questão ambiental ficará sempre em último plano, pois explora e expropria os recursos naturais, concebendo a terra como objeto para serventia do homem, sem se importar com a sustentabilidade e, consequentemente, com as futuras gerações.
Segundo a matéria citada, uma nova análise feita por importantes cientistas especialistas do clima aponta que a temperatura média da Terra está a caminho de aumentar até dois graus Celsius ou 3,6 graus Fahrenheit – em meados do século. Que isso, talvez, seria diferente se, pelo menos, os governos adotassem medidas gigantes para limitar as emissões de gases de efeito estufa, mas sabemos que isso é quase impossível diante da equivocada cultura de que o crescimento do PIB não pode parar em todo o mundo.
A partir da informação apresentada, tem-se que o jornal e os cientistas se referiam aos governos de todo o planeta e isso é mais que triste, pois sabemos que a consciência política planetária diverge de país para país e que, mesmo com as convenções e organizações mundiais para discussões sobre questões pertinentes ao meio ambiente, todavia, não há e está longe de haver consensos.
Na verdade, os países têm se enveredado pelo sonho desesperado por crescimento a qualquer custo e, no máximo, muitos desenvolveram o discurso do marketing verde, uma falácia sem fim, pois, ao fim e ao cabo, não são sustentáveis, nem querem sê-lo. A questão dos créditos do carbono, no qual um país pode, já que não possui um alto nível de industrialização e, portanto, não polui muito, vender as cotas para os mais industrializados que poluem bastante e que, por isso mesmo, esgotam os limites do acordo no que tange aos níveis de lançamento de CO2 e outros gases poluidores, fator que beira a hipocrisia e a falência de nosso design de produção e relação com a terra.
Essa questão dos créditos de carbono, independente do que afirmam muitos cientistas, muitos deles comprometidos com o capital que fomentam suas pesquisas, corrobora que nossa política está podre, fétida, saprófita nas entranhas e que a sustentabilidade do planeta torna-se utopia, algo distante, no máximo, desejado pelos seres mais amorosos pela terra e, por isso, menos envolvidos com a lógica do capital que possibilita a acumulação e a ilusão da felicidade através da pseudo realização pessoal por meio do consumo. O fato é que o discurso em torno do aumento do poder de compra contribui e muito para que governos conservadores sejam eleitos não somente no Brasil, mas em quase todos os Estados do planeta.
Segundo o Cubadebate, o estudo concluiu que os compromissos atuais para combater a mudança climática, no contexto de um acordo da ONU, elaborado em Paris em dezembro do ano passado, estão muito distantes de impedir um aumento da temperatura de 1,5 graus Celsius, um dos objetivos do acordo. Ainda conforme o jornal supracitado, o estudo foi conduzido por Robert Watson, um ex-cientista da ONU especializado em mudança climática, quem afirmou que os governos têm que duplicar ou triplicar seus esforços para alcançar o objetivo de Paris.
A guisa de consideração final, vale lembrar que todos nós somos responsáveis pela proteção do meio ambiente, mas os governos são, do ponto de vista institucional, os maiores encarregados por políticas de mitigação socioambiental, sendo assim, que nas próximas eleições despertemos para o nosso papel na escolha de agentes públicos comprometidos com a justiça socioambiental, pois disso depende a nossa vida.
No tangente a este pleito municipal, […] na hora de votar, coloquemos em ação essa consciência política de que os governos podem mudar nossos lugares de vida tornando-os sustentáveis ou destruindo-os de uma vez por todas.
Enfim, que este texto sirva de reflexão em torno da necessidade de uma política-ambiental urgente no Brasil.
Fonte – Parte do artigo de Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info
Este Post tem 0 Comentários