Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Um tema radioativo
Parte da queda na oferta de energia nuclear tem sido compensada pelo aumento das fontes fósseis, em lugar das renováveis
N ão estamos vivendo uma revolução de energia limpa: estamos vivendo uma crise de energia limpa”, alerta Michael Shellenberger, especialista em políticas climáticas do Breakthrough Institute, em sua palestra no TED.
À primeira vista, a afirmação parece não fazer o menor sentido: o crescimento da geração de energia por fontes renováveis tem sido exponencial nos últimos anos; na Alemanha, solar e eólica chegam a suprir mais da metade do consumo de eletricidade em determinados dias (e, por um breve momento, chegou a 100% em maio deste ano); a China, hoje líder solar, aumentou em 50% sua capacidade instalada em 2015 (adicionando o equivalente a quase duas Belo Monte). Por que, então, Shellenberger fala em crise?
Ele e seus colegas quiseram estudar de perto essa revolução no setor elétrico, mas o que descobriram foi desanimador: desde 1995, a participação de fontes não fósseis vem caindo, e não aumentando — pouca coisa em termos relativos, mas no sentido oposto da tendência ideal. A explicação mais óbvia é o crescimento das fósseis em intensidade ainda maior.
Mas também há outro fenômeno em curso, e a explicação tem a ver com um tema até hoje polêmico: a energia nuclear. A nuclear é a única fonte que vem caindo tanto em termos relativos quanto absolutos. Entre 2006 e 2014,diminuiu 7 pontos percentuais em relação à geração total, com usinas sendo fechadas em vários países anos antes do fim de sua vida útil.
Enquanto isso, apesar do rápido crescimento das renováveis, sua participação na geração global de eletricidade subiu apenas 3,8 pontos percentuais no mesmo período. Isso significa dizer que parte da queda da geração nuclear está sendo compensada por combustíveis fósseis.
Por serem fontes intermitentes, as renováveis garantem apenas uma parte da demanda total por energia. Quando tal demanda sobe, a oferta adicional vem das geradoras “de ponta” (peakers), de alta disponibilidade e acionamento rápido, mas, em geral, muito mais ineficientes e poluentes. Por essa razão, mesmo regiões que vivenciaram um impressionante crescimento das renováveis, como a Alemanha e o estado da Califórnia, vêm assistindo a uma estagnação ou até aumento das emissões do setor elétrico, respectivamente.
A energia nuclear possui vários poréns (preço, lixo nuclear, risco de acidentes etc.), mas também sofre de um sério problema de percepção, relacionado à dificuldade humana em avaliar corretamente riscos.
O acidente de Chernobyl completou 30 anos este ano (ótimo texto de Bruno Toledo sobre o assunto) e, junto com o acidente em Three Mile Island anos antes, a tragédia reduziu as ambições nucleares nas décadas seguintes. O renascimento no começo do milênio, incentivado pela alta do petróleo, foi novamente comprometido pelo desastre na usina de Fukushima. A Alemanha anunciou planos de fechar todas as suas usinas até 2022, e 94% dos italianos optaram pela moratória nuclear em referendo (outros países, como China, Suíça e Israel, anunciaram planos nesse sentido).
Fez sentido termos trocado (e continuarmos trocando) a geração nuclear por fósseis, enquanto aguardamos a revolução das renováveis? Do ponto de vista financeiro, somente se desconsiderarmos as externalidades negativas das fósseis, cujo custo está cada vez mais tangível para os governos do mundo todo.
Em relação à saúde, é preciso colocar os riscos da nuclear em perspectiva. Quatro anos após o acidente em Fukushima, ainda não houve nenhuma morte decorrente da exposição à radiação. Em comparação, a dose efetiva de radiação recebida pela população através da queima do carvão é cem vezes maior do que a da operação de usinas nucleares (sem contar os milhões de mortes prematuras decorrentes da poluição e aquelas associadas aos efeitos da mudança climática).
Embora estudos estimem em algumas centenas o número de mortes por câncer nas próximas décadas relacionadas a exposição à radiação em Fukushima, número equivalente deve morrer somente nos Estados Unidos em decorrência de queda do telhado durante a instalação de painéis solares nas residências.
Como mostra o físico Derek Muller do canal do YouTube Veritasium, passageiros de voos transatlânticos, pacientes que fazem exames de tomografia e, principalmente, fumantes estão expostos a um grau muito maior de radiação (fumantes recebem, em média, 16 vezes mais radiação por ano por polônio e chumbo presentes no cigarro do que os habitantes próximos a Fukushima receberão em suas vidas devido ao acidente nuclear).
Mas talvez de pouco adiantem estatísticas. As imagens de um acidente nuclear e nosso medo da exposição à radiação serão sempre mais chocantes e persuasivos do que o risco real, maior, mas também mais silencioso advindo da nossa insistência em queimar combustíveis fósseis.
Fonte – Fabio F. Storino – Doutor em Administração Pública e Governo, Página 22 de out/nov 2016
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