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Nordeste brasileiro vive quinto ano de seca e se não chover nos próximos dias, não há plano B

O setentrional nordestino, que há cinco anos vem enfrentando situações de seca, está em “estado de emergência” e muitos dos municípios da região, como o de Campina Grande, na Paraíba, que tem aproximadamente 355 mil habitantes, e Caruaru, em Pernambuco, com quase 300 mil habitantes, enfrentam problemas de abastecimento de água para o consumo, informa João Suassuna à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.

Na avaliação do pesquisador, “o maior problema da seca é que não há gestão dos recursos hídricos”, e em muitos municípios, frisa, se não chover o percentual esperado para este mês, “não há um plano B”. “Para se ter uma ideia, represas de porte, como é o caso da Represa de Boqueirão, na Paraíba, que abastece uma cidade como Campina Grande, que tem 450 mil habitantes, está atuando com 6% da sua capacidade. Represas enormes no interior da Paraíba, como Coremas e Mãe D’Água, que juntas acumulam um bilhão e 300 milhões de metros cúbicos de água, hoje atuam, respectivamente, com 2% e 10% de sua capacidade. Uma delas já está em colapso, e a tendência é que até o final do ano essas represas venham a secar”, diz. A represa de Sobradinho, na Bahia, que tem capacidade de armazenar 34,1 bilhões de metros cúbicos de água, e que há quatro meses atuava com 25% da sua capacidade, hoje atua com 7% e “já há uma previsão dos hidrólogos de que a represa entrará em volume morto no final de dezembro”, pontua.

Segundo Suassuna, o abastecimento de água na região está sendo feito pelos caminhões-pipa, mas não se sabe qual é a origem da água que tem sido utilizada para o consumo humano. “Temos que nos perguntar de onde essas águas estão sendo retiradas, já que o Nordeste inteiro está tendo um problema sério de volume métrico em suas represas. Temos que questionar a origem dessa água que está sendo trazida pelos caminhões. Essas águas são realmente imprestáveis para o consumo, mas são as únicas de que dispomos. Certamente teremos problemas sérios de saúde pública, porque populações inteiras estão bebendo essa água. Provavelmente elas serão acometidas por hepatites, esquistossomoses, schistosomose [barriga d’água], isto é, doenças veiculadas pela água”, adverte.

João Suassuna é engenheiro agrônomo, pesquisador da fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e especialista em convivência com o semiárido.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a situação da seca neste momento no semiárido? Qual é o nível dos principais reservatórios de água da região neste momento?

João Suassuna – A seca no Nordeste se dá de forma lenta e gradual, mas a seca atual agravou-se porque houve secas consecutivas nos últimos anos. Desde 2012 as chuvas estão ocorrendo abaixo da média, e quando isso acontece os açudes secam e a agricultura sofre um impacto muito grande: colheitas de milho e feijão são perdidas e a pecuária também sofre um impacto. A seca de 2013, por exemplo, diminuiu em 70% a pecuária da Paraíba.

Atualmente o maior problema da seca é que não há gestão dos recursos hídricos no Nordeste. Para se ter uma ideia, represas de porte, como é o caso da Represa de Boqueirão, na Paraíba, que abastece uma cidade como Campina Grande, que tem 355 mil habitantes, está atuando com 6% da sua capacidade. Represas enormes no interior da Paraíba, como Coremas e Mãe D’Água, que juntas acumulam um bilhão e 300 milhões de metros cúbicos de água, hoje atuam, respectivamente, com 2% e 10% de sua capacidade. Uma delas já está em colapso, e a tendência é que, até o final do ano, essas represas venham a secar.

Represas como a de Jucazinho, que abastece a cidade de Caruaru, em Pernambuco, que tem 300 mil habitantes, entraram em exaustão. Mas por que isso acontece? Por falta de gestão dos recursos hídricos. Quando uma represa é construída, ela pereniza o rio numa determinada vazão, que chamamos de vazão de regularização, e essa vazão não pode ser utilizada em volume maior do que o que se retira da represa. Se isso for feito, as represas secam, como já secaram essas represas que mencionei, e como já secaram os açudes de Itans e Gargalheiras, no RN, por falta de gestão. O problema é que os volumes de regularização das represas estão sendo superutilizados na irrigação e no próprio abastecimento de água.

IHU On-Line – Em julho deste ano, o senhor mencionou que a represa de Sobradinho estava funcionando com apenas 25% da sua capacidade. Qual é a situação da represa neste momento?

Estamos vivendo um momento crítico em que estamos dependendo da providência divina para resolver essa situação

João Suassuna – Hoje a represa de Sobradinho está atuando com 7% da sua capacidade, e já há uma previsão dos hidrólogos de que a represa entrará em volume morto no final de dezembro. A Companhia Hidrelétrica do São FranciscoChesf e a Companhia Energética de Minas GeraisCemig, que gerenciam os volumes de regularização do São Francisco na região de Sobradinho, estão fazendo de tudo para que a represa não entre em volume morto. Estão liberando um volume expressivo de água da hidrelétrica de Três Marias, prejudicando a capacidade de armazenamento da própria hidrelétrica, para salvar a represa de Sobradinho. Os técnicos estão com muita esperança de que, adotando essa manobra arriscada, na entrada da nova quadra chuvosa, as chuvas irão salvar não só a hidrelétrica de Três Marias, mas também a represa de Sobradinho. Então, estamos vivendo um momento crítico em que estamos dependendo da providência divina para resolver essa situação.

O Rio São Francisco tem aquíferos importantes, sendo o mais importante deles o Urucuia, localizado no Oeste da Bahia. Esses aquíferos desempenham uma importância enorme no regime volumétrico do São Francisco, porque eles têm uma geologia sedimentária, têm solos porosos, e quando chove há uma grande infiltração de água, que forma os lençóis freáticos no subsolo desses aquíferos. Com isso, há também um fluxo de bases, que são fluxos de água que saem dos subsolos dos aquíferos em direção à calha dos rios. O aquífero Urucuia é responsável por mais da metade da vazão regularizada em Sobradinho. No entanto, a água do aquífero está sendo utilizada para produzir soja e milho irrigados através de equipamentos de irrigação, os chamados pivôs centrais, que consomem uma quantidade enorme de água do aquífero. Só na região Oeste da Bahia existem mais de cem pivôs centrais, que chegam a retirar do subsolo 2600 metros cúbicos de água por hora. Multiplique isso por 100, que é a quantidade de pivôs que existem na região, e veremos que quantidade de água é destinada para esse tipo de plantio.

Quando Sobradinho foi construída, em 1979, a represa e regularizou o rio São Francisco numa vazão média de 2060 m3/s. Se for feita uma mensuração na foz do Rio São Francisco, veremos que essas vazões são de 1850. E essa vazão vai diminuir mais ainda por conta do uso descontrolado da água devido a essas irrigações. É isso que está matando o São Francisco, porque não se está obedecendo à gestão dos recursos hídricos, o que é fundamental em regiões onde ocorrem secas.

Tabela: Angência Nacional das Águas 

Hoje, praticamente todos os municípios do Miolão da Seca estão em estado de emergência

IHU On-Line – Quais são os estados e municípios do Nordeste mais atingidos pela seca deste ano?

João Suassuna – No Nordeste existem áreas em que a seca ocorre com menor intensidade, mas existe uma área, que chamamos de Miolão da Seca, em que as situações de seca são mais constantes: 80% das secas do Nordeste ocorrem nessa área do setentrional nordestino, onde foi planejada a transposição do Rio São Francisco. Hoje, praticamente todos os municípios do Miolão da Seca estão em estado de emergência, por conta dos últimos cinco anos de seca consecutivos na região. O pior é que nessas cidades que enfrentam problema de abastecimento, como Campina Grande e Caruaru, não existe um plano B. O abastecimento de água está sendo feito com frotas de caminhões-pipa. Mas como é possível abastecer cidades com mais de 300 mil habitantes, como Campina Grande e Caruaru, com frotas de caminhões-pipa? O povo deixou de pensar, porque isso tem uma implicação imediata no trânsito da cidade. Já imaginou uma frota de cinco mil caminhões abastecendo um município.

Além disso, temos que nos perguntar de onde essas águas estão sendo retiradas, já que o Nordeste inteiro está tendo um problema sério de volume métrico em suas represas. Temos que questionar a origem dessa água que está sendo trazida pelos caminhões. Essas águas são realmente imprestáveis para o consumo, mas são as únicas de que dispomos. Certamente teremos problemas sérios de saúde pública, porque populações inteiras estão bebendo essa água. Provavelmente elas serão acometidas por hepatites, esquistossomoses [barriga d’água], isto é, doenças veiculadas pela água.

IHU On-Line – Quais alternativas seriam necessárias para garantir o abastecimento de água, visto que esse é um problema constante no Nordeste?

João Suassuna – A saída mais honrosa seria iniciar um programa de gestão adequada da água. Mas estamos em uma situação em que não existe um volume de águasuficiente para começar a produzir e promover uma gestão adequada. Com isso não vejo outra saída a não ser esperar a quadra chuvosa que terá início no mês de novembro – já está começando a chover no alto e no médio São Francisco. Temos que apostar que essas chuvas vão ocorrer com intensidade tal que irá resolver a situação.

Agora, se essas chuvas vierem abaixo da média esperada, teremos um desastre muito grande no Nordeste, porque não temos outra alternativa para fornecer água para o povo, já que as represas estão em estado crítico. Também não existe água de subsolo, porque temos uma geologia cristalina, ou seja, a rocha que dá origem ao solo está praticamente aflorando em alguns pontos da superfície e isso dificulta a existência de água no subsolo. Normalmente essas fontes de água têm baixa vazão e, se não bastasse isso, as águas são extremamente salinizadas, tanto que às vezes nem o gado consegue tomar essa água.

IHU On-Line – Nesses cinco anos em que a seca se intensificou, alguma outra medida poderia ter sido adotada?

João Suassuna – Eu tenho apostado em um trabalho que a Articulação Semiárido Brasileiro, a ASA Brasil, está fazendo no Nordeste. A ASA Brasil é uma instituição não governamental, que trabalha congregando as ações de 600 outras ONGs no Nordeste que trabalham voltadas para a convivência no Semiárido. A ASA trabalha com cerca de 40 tecnologias hídricas, como cisternas rurais, barragens subterrâneas, mandalas. Agora, para que essas tecnologias funcionem, é preciso usar água de forma racional.

A ASA Brasil trabalha com cisternas rurais de placa com capacidade de 16 mil litros. Essa cisterna capta água do telhado da casa para fornecer uma água de boa qualidade para uma família de cinco pessoas, durante os oito meses que ficamos sem chuvas na região. Essa é uma tecnologia extremamente viável. Em outros momentos de seca, era muito comum, no Nordeste, ter saques em supermercados e feiras livres, porque o povo não tinha o que comer e o que beber. Mas hoje em dia esse cenário mudou e acho que isso tem a ver com o uso e a implementação dessas tecnologias que estão dando certo no Sertão.

Se nós tivermos um sexto ano de seca no Nordeste, não sei em que situação vamos parar

Antigamente se produziam 50 toneladas de palma-forrageira por hectare; hoje, na forma adensada, que é uma tecnologia que veio do México e dos Estados Unidos, estão sendo produzidas 400 toneladas por hectare dessa espécie de palma. Ou seja, está se conseguindo plantar 10 vezes mais. A palma é um excelente alimento para os animais e ajuda a manter a atividade de pecuária em uma região seca como é o Nordeste. A nossa saída é juntar tudo isso que está dando certo e começar a trabalhar de forma planejada. O planejamento é a saída. Agora, temos que rezar – esse é o termo certo – para que essa quadra chuvosa, que está iniciando agora, venha com um volume satisfatório de chuva para, a partir daí, começarmos a usar essa água de forma racional. Insisto, mais uma vez: se nós tivermos um sexto ano de seca no Nordeste, não sei em que situação vamos parar.

IHU On-Line – Houve algum avanço nas negociações em torno do programa de revitalização do Rio São Francisco, chamado de Novo Chico?

João Suassuna – O programa está parado. Tenho a impressão de que primeiro o governo Temer está arrumando a casa para, a partir daí, ajustar os recursos e alocá-los. Então, houve aquela pretensão inicial de se começar um trabalho de revitalização do São Francisco, mas ficou somente nas pretensões; não vi nada evoluir desde o anúncio da intenção do governo de revitalizar o São Francisco. Então, a informação que tenho é a mesma que recebemos no início do governo Temer: que o governo está negociando 10 milhões de reais para investir em um trabalho de revitalização.

Fonte – Patricia Fachin, IHU de 08 de novembro de 2016

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