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Incêndios na Floresta Amazônica acarretam uma redução de 94% das espécies de árvores

Queimada na Amazônia (Foto: Erika Berenguer / Arquivo Pessoal)

A área de queimada em quatro municípios do ParáSantarém, Belterra, Mojuí dos Campos e Uruará — foi de “7.400 km2, afetando 12% da Floresta Nacional do Tapajós, uma das Unidades de Conservação mais estudadas do país”, informa Erika Berenguer à IHU On-Line. Segundo ela, “só a área queimada nesses quatro municípios é maior do que todo o desmatamento registrado no mesmo período em toda a Amazônia Legal”.

A pesquisadora explica, na entrevista a seguir, concedida por e-mail, que entre os fatores que contribuem para o aumento das queimadas na Amazônia, destacam-se “o uso do fogo no preparo da terra para cultivo”, o fato de as florestas estarem “cada vez mais degradadas” e ainda os efeitos das mudanças climáticas. “Os agricultores, em sua grande maioria, usam as queimadas com cuidado, porém o clima cada vez mais seco e quente na região amazônica devido às mudanças climáticas tem contribuído para as queimadas saírem de controle, virando grandes incêndios acidentais, que queimam áreas de cultivo e benfeitorias, assim como adentram as florestas, queimando-as”, diz.

Erika lembra que anos atrás, quando o fogo entrava na floresta, os efeitos não eram devastadores porque a floresta era bastante úmida, no entanto a “extração de madeira” e os “incêndios” têm causado uma “grande mortalidade da vegetação, o que resulta em muitas folhas e galhos no chão da mata e gera clareiras no meio da floresta. Essas clareiras permitem uma maior entrada de luz solar e de vento, deixando a floresta mais seca. A combinação de uma floresta mais seca e cheia de combustível no chão a torna muito mais vulnerável aos incêndios, gerando então um ciclo vicioso”, explica. Entre os resultados negativos desse processo, a pesquisadora menciona, após ter acompanhado de perto os incêndios durante três meses na região de Santarém, que “as matas que já sofreram tanto com a extração madeireira quanto com os incêndios apresentam uma redução de até 94% das espécies de árvores, 86% das espécies de besouros rola-bosta e 54% das espécies de aves”.

Para reverter esse processo, Erika pontua que é necessário “evitar uma maior degradação das florestas, como, por exemplo, maior fiscalização e punição de extração ilegal de madeira”. Em períodos de secas extremas, frisa, é essencial que “sejam direcionados incentivos financeiros de emergência para os municípios que geralmente têm maior ocorrência de incêndios. Tais incentivos teriam o objetivo duplo de prevenir os incêndios antes do desencadear da seca e de combater os incêndios após o início da seca”.

Erika Berenguer é bióloga graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Ecologia pela Lancaster University, Reino Unido. É pesquisadora nas universidades britânicas Lancaster e Oxford. Há 14 anos trabalha com os impactos antrópicos nas florestas tropicais, focando primeiro na Mata Atlântica e, ao longo dos últimos 8 anos, trabalhando na Amazônia. Está envolvida em projetos que buscam desenvolver um maior entendimento sobre os possíveis impactos da fragmentação, da extração de madeira e dos incêndios acidentais na biodiversidade e nos estoques de carbono das florestas afetadas.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os dados mais atuais em relação às queimadas na Amazônia? O que esses dados demonstram em relação a outros momentos em que as queimadas foram monitoradas?

Erika Berenguer – Os dados mais recentes sobre incêndios na Amazônia nos mostram que estes aumentam em anos de seca extrema, como a do ano passado, que foi causada pelo El Niño. Por exemplo, em 2015 (ano de um El Niño de grande porte) o INPE registrou mais de 87 mil focos de incêndios, um aumento de 48% em relação a 2014 (um ano sem El Niño) e de 23% em relação a 2010 (ano de um El Niño de médio porte). Uma análise recente do Imazon mostrou que a área queimada só na região de Santarém, Belterra, Mojuí dos Campos e Uruará, municípios vizinhos no estado do Pará, foi de 7.400 km2, afetando 12% da Floresta Nacional do Tapajós, uma das Unidades de Conservação mais estudadas do país. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, só a área queimada nesses quatro municípios é maior do que todo o desmatamento registrado no mesmo período em toda a Amazônia Legal!

IHU On-Line – Quais são os fatores que contribuem para que haja queimadas na Amazônia? De que modo é possível reduzi-las?

Erika Berenguer – Atualmente existem uma série de fatores que atuam em conjunto para contribuir com os incêndios acidentais na Amazônia, dentre eles, três se destacam: o uso do fogo no preparo da terra para cultivo, as florestas cada vez mais degradadas e as mudanças climáticas. Tradicionalmente, os agricultores usam as queimadas para limpar a terra que estava em pousio, ou seja, sem ser usada para plantio por alguns anos. Os agricultores, em sua grande maioria, usam as queimadas com cuidado, porém o clima cada vez mais seco e quente na região amazônica devido às mudanças climáticas tem contribuído para as queimadas saírem de controle, virando grandes incêndios acidentais, que queimam áreas de cultivo e benfeitorias, assim como adentram as florestas, queimando-as.

“Apesar de 91% dos agricultores construírem barreiras ao fogo, apenas 7% deles evitam o horário mais quente do dia para iniciar as queimadas”

Antigamente, quando o fogo entrava na floresta, ele não conseguia ir muito longe, afinal as florestas amazônicas são muito úmidas. No entanto, tanto a extração de madeira quanto os incêndios causam uma grande mortalidade da vegetação, o que resulta em muitas folhas e galhos no chão da mata e gera clareiras no meio da floresta. Essas clareiras permitem uma maior entrada de luz solar e de vento, deixando a floresta mais seca. A combinação de uma floresta mais seca e cheia de combustível no chão a torna muito mais vulnerável aos incêndios, gerando então um ciclo vicioso.

Como as previsões científicas mostram que a Amazônia será ainda mais quente e seca no futuro, algumas medidas são necessárias para evitar os grandes incêndios na região, como aqueles vistos no ano passado. Primeiro, é necessária uma ampla campanha educacional entre os agricultores, especialmente nas áreas historicamente mais afetadas por incêndios, para melhores práticas no controle das queimadas. Por exemplo, os resultados das nossas pesquisas mostram que apesar de 91% dos agricultores construírem barreiras ao fogo, apenas 7% deles evitam o horário mais quente do dia para iniciar as queimadas. Outro fator necessário é evitar uma maior degradação das florestas, como, por exemplo, maior fiscalização e punição de extração ilegal de madeira. Finalmente, é essencial que, em anos com previsão de secas extremas, sejam direcionados incentivos financeiros de emergência para os municípios que geralmente têm maior ocorrência de incêndios. Tais incentivos teriam o objetivo duplo de prevenir os incêndios antes do desencadear da seca e de combater os incêndios após o início da seca.

IHU On-Line – Por que os pequenos produtores na Amazônia alegam que é inevitável praticar agricultura sem queimadas? Por que eles argumentam a favor dessa prática?

Erika Berenguer – O uso de queimadas no preparo do solo é uma prática barata e a qual os produtores dominam; abandoná-la é caro e exige assistência técnica: 56% dos pequenos agricultores que entrevistamos não podem arcar com os custos de uma agricultura livre de queimadas. Isso porque os substitutos do fogo são o uso de maquinário e insumos agrícolas no preparo do solo, ambos extremamente caros. Além disso, os produtores não acostumados com essas técnicas de cultivo necessitam de programas governamentais que assistam nessa transição para novas práticas. Sem incentivos financeiros e técnicos, torna-se proibitivo, para a maior parte dos pequenos produtores, a adoção de uma agricultura sem fogo.

IHU On-Line – Que tipo de política pública poderia reverter a atual prática de queimadas?

Erika Berenguer – As políticas públicas voltadas para uma agricultura livre de fogo devem variar de acordo com cada contexto. Infelizmente não existe uma solução mágica que se aplique a toda a complexidade amazônica. Em municípios nos quais a agricultura mecanizada é consolidada, pode-se incentivar a criação de programas de acesso dos pequenos produtores a maquinário e insumos; enquanto em municípios nos quais a agricultura familiar é predominante, incentivo a cultivos que façam uso do fogo com menos frequência, como a fruticultura, pode ser mais relevante, desde que acompanhados de serviços de assistência técnica e de escoamento da produção.

“Quando comparadas com florestas intactas, as matas que já sofreram tanto com a extração madeireira quanto com os incêndios apresentam uma redução de até 94% das espécies de árvores”

IHU On-Line – É possível estimar qual é o percentual de biodiversidade perdido por conta das queimadas na Amazônia?

Erika Berenguer – Os incêndios florestais contribuem para uma enorme perda de biodiversidade, tornando a floresta mais pobre e afetando uma série de serviços ambientais que as florestas fornecem para a humanidade. Nossas pesquisas mostram que, por exemplo, quando comparadas com florestas intactas, as matas que já sofreram tanto com a extração madeireira quanto com os incêndios apresentam uma redução de até 94% das espécies de árvores, 86% das espécies de besouros rola-bosta e 54% das espécies de aves. Muitas das espécies afetadas são as raras ou com distribuição restrita, o que leva a um aumento do seu risco de extinção. No caso das árvores, as espécies de madeira densa e que atingem um grande porte e que, portanto, são as que mais armazenam carbono na floresta, são especialmente afetadas pelo fogo.

IHU On-Line – Quais são os estudos mais relevantes desenvolvidos nos últimos anos em relação à Amazônia?

Erika Berenguer – Nos últimos anos, diversas redes de pesquisa têm desenvolvido pesquisas de extrema relevância na Amazônia. Abaixo eu dou exemplo de algumas:

Rede Amazônia Sustentável (RAS):

* 2016 – Nature: Antropogenic disturbance in tropical forests can double biodiversity loss from deforestation

* 2014 – Global Change Biology: A large-scale field assessment of carbon stocks in human-modified tropical forests

* 2013 – Biological Conservation: Avian biodiversity in multiple-use landscapes of the Brazilian Amazon

RAINFOR:

* 2015 – Nature: Long-term decline of the Amazon carbon sink

*2011 – Science: The 2010 Amazon drought

ATDN:

* 2013 – Science: Hyperdominance in Amazonian tree flora

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Erika Berenguer – Um aspecto muito importante sobre os efeitos nocivos dos incêndios na Amazônia é o da perda de carbono das florestas queimadas e a consequente emissão de gases do efeito estufa. Nossas pesquisas mostram que as florestas que já sofreram tanto com a exploração madeireira quanto com o fogo armazenam em média 40% menos carbono do que as florestas intactas. Isso é uma perda substancial de carbono! Só em 2010, os incêndios na Amazônia brasileira causaram a emissão de 15 milhões de toneladas de carbono, o que equivale a quase metade das emissões de todo o setor energético do país no mesmo ano. Para o Brasil conseguir cumprir suas metas climáticas, são necessárias políticas públicas mais fortes de prevenção e combate aos incêndios acidentais na Amazônia.

Fonte – Patricia Fachin, IHU de 06 de dezembro de 2016

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