Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Vigilância Aos Agrotóxicos, Parte 3/3
PIGNATI et. al. (2014), registra que esta estratégia de se analisar a produção agropecuária, o uso de agrotóxicos e seus efeitos na saúde-ambiente, contribuirá para a produção de informações que subsidiarão estratégicas de precaução de impactos e de prevenção nas ações de vigilância em saúde.
Tanto em saúde do trabalhador, como ambiental, sanitária e epidemiológica e colaborarão na reflexão do modelo de desenvolvimento executado no Brasil pelos Governos e empreendedores agrários, a qual impacta os trabalhadores e o ambiente.
Como por exemplo, as previsões de contaminação ambiental e intoxicações humanas poderão ser inferidas conforme o tipo de lavoura predominante no município (soja, milho, cana e algodão), os tipos de agrotóxicos utilizados e suas toxidades agudas e crônicas, servindo de alerta aos agentes da vigilância em saúde.
Estes dados, em conjunto com a estimativa de periodicidade de uso, são importantes também para a identificação dos meses de maior emprego nas comunidades com maior probabilidade de exposição.
Também estabelecerão prioridades para as atuações conjuntas de prevenção e monitoramento dos órgãos públicos (Saúde, Agricultura e Ambiente), sociedade civil e populações expostas. E vão colaborar na previsão de “eventos sentinelas”, em toda a rede assistencial (hospitais, PS, PSF e ambulatórios).
Com os dados de prováveis de intoxicações agudas e crônicas e contaminação ambiental e alimentar, os municípios, complementando com suas informações socioeconômicas locais, poderão construir um mapa dos possíveis impactos gerados pelo uso dos agrotóxicos com localização das comunidades rurais e urbanas mais ou menos vulneráveis.
E com participação da representação dos trabalhadores e população, se poderá implementar processos de conhecimento, discussão da situação sanitária e organização da sociedade para executar uma vigilância a saúde efetiva como relatado por PIGNATI et al. (2011), AUGUSTO et al. (2012) e RIGOTTO et al. (2012) ou como proposto por PORTO e SOARES (2012) ou por MACHADO (2011).
Na produção de “informação para a ação” e para aumentar as evidências científicas dos impactos dos agrotóxicos na saúde, pode-se conformar uma matriz de produção agrícola, uso de agrotóxicos e incidência de agravos de uma série histórica dos últimos dez anos, de cada unidade federada, como apresentado em PIGNATI e MACHADO (2011) e PIGNATI et al. (2011).
Esses autores verificaram os dados de morbi-mortalidade numa matriz de produção e agravos, em série histórica de 10 anos (2001 a 2012), mostrando a correlação da produção (hectares por habitante), a exposição aos agrotóxicos (litros por habitante) e as incidências de agravos correlacionados.
Também foi evidenciado por FÁVERO (2.011), a correlação do uso de agrotóxicos nas lavouras e o aumento das incidências de doenças pulmonares agudas em crianças menores de 5 anos atendidas nas Unidades de Saúde nos períodos de safra da soja, milho e algodão.
Vários agrotóxicos são alergênicos e irritantes pulmonares. Além disso, este estudo também demonstra que quanto mais perto das lavouras se situavam as residências das crianças, maior era o nível endêmico das patologias do trato respiratório.
Esta problematização de riscos, também servirá para prever a contaminação do leite materno das mães (trabalhadoras rurais e urbanas) que amamentam num determinado município, conforme PALMA (2011).
Ou a contaminação do sangue e urina de professores das escolas rurais rodeadas de lavouras ou na periferia da cidade, os quais se expõem aos agrotóxicos via ar, água potável e chuva descritos em MOREIRA et al. (2012) e BELO et al. (2012).
Nas observações dos estudos acima, se verificou que as pulverizações daqueles 140,8 milhões de litros de agrotóxicos por avião e trator eram realizadas a menos de 10 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências.
Essas distâncias desrespeitavam o antigo Decreto de Mato Grosso n.2283/09 que proibia a pulverização por trator a 300 metros ou o atual Decreto de Mato Grosso n 1.651/13 que cancelou o anterior, mas que proíbe pulverização por trator a 90 metros daqueles locais.
Também desrespeitavam a Instrução Normativa do MAPA nº 02/2008 que proíbe pulverização aérea a 500 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências.
Portanto, além de não se respeitar as legislações e as normas de pulverização de agrotóxicos, o Governo pouco fiscaliza e ainda amplia os riscos, diminuindo a margem operacional de pulverização proibida, por trator, de 300 para 90 metros.
As informações produzidas são importantes também para os processos de educação em saúde junto às populações expostas, trabalhadores e entidades componentes do controle social visando o fortalecimento das ações de vigilância.
Da mesma forma, poderão subsidiar ações integradas dos órgãos de fiscalização da agricultura, meio ambiente, trabalho, saúde, entre outros, que são fundamentais para o avanço da vigilância dos impactos dos agrotóxicos.
Tanto em níveis locais quanto regionais e na busca da diminuição progressiva de seu uso, caminhando na direção da transição de outro modelo agropecuário que poderá ser o agroecológico, como propõe a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Neste sentido, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida desenvolve no Brasil e na América Latina, ações de vigilância em saúde popular e participativa que propõe o cumprimento da legislação.
Além de proibir as pulverizações por avião, proibir o uso no Brasil dos agrotóxicos proibidos na União Europeia, fim dos subsídios públicos a esses venenos, implantação nos municípios de Vigilâncias à Saúde dos trabalhadores, do ambiente e dos expostos aos agrotóxicos, transição para a agroecologia e busca do desenvolvimento sustentável.
Tornar efetivas as ações de vigilância à saúde no Brasil envolve processos e práticas interinstitucionais e participativas que incorporem informações de impactos sociais, ambientais e de saúde relacionados ao processo produtivo agropecuário e à exposição ocupacional, alimentar, ambiental e populacional aos agrotóxicos.
Essa estratégia corrobora com um modelo de vigilância em que devem ser fortalecidas as ações de promoção de saúde aliadas às estratégias de transição agroecológica ao se estabelecer ações sistemáticas e integradas de substituição dos agrotóxicos e fertilizantes químicos por outras práticas de aumento da produção de alimentos e controle de doenças agropecuárias, segundo PIGNATI et. al. (2014).
Referências
ANVISA. Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). 2013. [acessado 2013 dez 28]. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br
ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 10, de 22 de fevereiro de 2008. Dispõe sobre reavaliação toxicológica de ingredientes ativos. Diário Oficial da União 2008; 25 fev.
AUGUSTO, L. G., CARNEIRO F., PIGNATI W. e RIGOTTO R. M., Dossiê II: Agrotóxicos e ambiente. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2012. 2ª Parte
BAHIA. Secretaria Estadual de Saúde. Manual de orientações técnicas para ações de vigilância de ambientes e processos de trabalho agrícola. [acessado 2014 maio 30]. Disponível em: www.suvisa.ba.gov.br/saude_trabalhador/publicacoes/manuais
BELO, M. S. S., PIGNATI, W., DORES, E. G. C., MOREIRA, J. C. e PERES, F., Uso de agrotóxicos na produção de soja do estado de Mato Grosso: um estudo preliminar de riscos ocupacionais e ambientais. Rev. bras. saúde ocup. 2012; 37(125):78-88.
BOMBARDI, L. M., Agrotóxico e agronegócio: arcaico e moderno se fundem no campo brasileiro. Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos 2012. p.75-87. [acessado 2014 set 19]. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/documentos/DH_relatorio_2012.pdf#page=75
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes do Plano Integrado de Vigilância a Saúde das Populações Expostas aos Agrotóxicos. 2012. 133p. [acessado 2014 maio 30]. Disponível em: http://www.renastonline.org/sites/default/files/arquivos/recursos/Documento%20orientador%20Vig%20Pop%20Agrotox_Vigipeq_completo2013.pdf
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Diário Oficial da União 2012; 24 ago.
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.866, de 02 de dezembro de 2011. Institui a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Diário Oficial da União 2011; 3 dez.
BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Sistema Nacional de Notificação de Agravos – SINAN. Bancos de dados eletrônicos. [acessado 2014 set 19]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida. Boletim Informativo da Campanha. [acessado 2014 maio 30]. Disponível em: http://www.contraos agrotoxicos.org
CARNEIRO, F. F., PIGNATI, W., RIGOTTO, R. M., AUGUSTO, L. G. S., RIZOLLO, A., MULLER, N. M., ALEXANDRE, V. P., FRIEDRICH K. e MELLO, M. S. C., Dossiê I: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos nos alimentos e na saúe. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2012. 1ª Parte
CHAIM A. Tecnologia de aplicação de agrotóxicos: fatores que afetam a eficiência e o impacto ambiental. In: Silva CMMS, Fay EF, organizadores. Agrotóxicos & Ambiente. Brasília: Embrapa; 2004. p. 289-317.
COCCO P., On the rumors about the silente spring: review of the scientific evidence linking ocupacional and environmental pesticide exposure to endocrine disruption health effects. Cad Saúde Pública 2002; 18(2):379-402.
CORREIA, F. V. e MOREIRA, J. C., Effects of glyfhosate and 2.4-D on earthworms (Eisenia foetida) in laboratory tests. Bull Environ Contam Toxicol 2010; 85(3):264-268.
CURVO, H. R. M., PIGNATI, W. A. e PIGNATTI, M. G., Morbi mortalidade por câncer infantojuvenil associada ao uso agrícola de agrotóxicos no Estado de MT- Brasil. Cad. Saúde Coletiva 2013; 21(1):10-17.
DOS SANTOS, L. G., LOURENCETTI, C., PINTO, A., PIGNATI, W. A. e DORES, E. F. G. C., Validation and application of an analytical method for determining pesticides in the gas phase of ambient air. J Environ Sci Health B 2011; 46(2):150-162.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA, ASSISTÊNCIA E EXTENSÃO RURAL (EMPAER). Calendário Agrícola de 2012. [acessado 2013 mar 21]. Disponível em: http://www.empaer.mt.gov.br/arquivos/arquivos.asp?cod=4
FARIA, E. T., FARIA, N. M. X., ROSA, J. A. R. e FACCINI, L. A., Intoxicações por agrotóxicos entre trabalhadores rurais de fruticultura, Bento Goncalves, RS. Rev Saude Publica 2009; 43(2):335-344.
FÁVERO, K. A. S., Pulverizações de agrotóxicos nas lavouras de Lucas do Rio Verde e os agravos respiratórios em crianças < 05 anos [dissertação]. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2011.
GRISÓLIA, C. K., Agrotóxicos, mutações, câncer & reprodução. Brasília: editora Universidade de Brasília; 2005.
IBGE. Brasil, série histórica de área plantada e produção agrícola; safras 2005 a 2012. [acessado 2013 ago 15]. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br
INSTITUTO DE DEFESA AGROPECUÁRIA DO MATO GROSSO (INDEA-MT). Relatório/Planilha de Dados do Sistema de Informação de Agrotóxicos dos anos de 2005 a 20012. [banco de dados eletrônico]. Cuiabá: INDEA-MT; 2013.
ITHO, S. F., Rotina de atendimento do intoxicado. 3ª ed. Vitória: Toxcen; 2007.
MACHADO J. H. M., Perspectivas e pressupostos da Vigilância em Saúde do Trabalhador no Brasil. In: Gomez CM, Machado JHM, Pena P. Saúde do Trabalhador na sociedade brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. p. 67-86.
MOREIRA, J. C. M. e PERES F., É veneno ou remédio. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005.
MOREIRA, J. C., PERES, P., SIMÕES, A. C., PIGNATI, W. A., DORES, E. F., VIEIRA, S., STRUSSMANN, C. e MOTT T., Contaminação de águas superficiais e de chuva por agrotóxicos em uma região de Mato Grosso. Cien Saúde Colet 2012; 17(6):1557-1568.
PALMA, D. C. A., Agrotóxicos em leite humano de mães residentes em Lucas do Rio Verde – MT [dssertação]. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2011.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Saúde (SES). Protocolo de avaliação das intoxicações crônicas por agrotóxicos. Curitiba: SES-PR; 2013.
PELAEZ V., TERRA, F. H. B. e SILVA, L. R., A regulamentação dos agrotóxicos no Brasil: entre o poder de mercado e a defesa da saúde e do meio ambiente. Revista de Economia 2011; 36(1):27-48.
PIGNATI W., MACHADO J. M. H. e CABRAL, J. F., Acidente rural ampliado: o caso das “chuvas” de agrotóxicos sobre a cidade de Lucas do Rio Verde. Cien Saude Colet 2007; 12(1):105-114.
PIGNATI, W., MACIEL, R. H. M. O. e RIGOTTO, R. M., Saúde do trabalhador. In: Rouquayrol MZ. Epidemiologia & Saúde. 7ª ed. Rio de Janeiro: MedBook; 2013. p. 355-381.
PORTO, M. F. S. e SOARES, W. L., Modelo de desenvolvimento, agrotóxicos e saúde: um panorama da realidade agrícola brasileira e propostas para uma agenda de pesquisa inovadora. Rev. Bras. Saúde Ocup. 2012,37(125):17-50.
RIGOTTO, R. M, AUGUSTO, L. G. S., CARNEIRO F. e PIGNATI W., Dossiê III: Agrotóxicos: construindo a ecologia de saberes. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2012. 3ª Parte
SCHVARTSMAN S., Intoxicações por pesticidas. In: Schvartsman S. Intoxicações agudas. 4ª ed. São Paulo: Sarvier; 2001. p. 250-297.
SINDICATO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS (SINDAG). Dados de produção e consumo de agrotóxicos. [acessado 2013 dez 20]. Disponível em: http://www.sindag.com.br
UNITED STATES. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY (USEPA). Tipos de Pesticidas, Classificação Toxicológica. [acessado 2014 abr 2]. Disponível em: http://www.epa.gov/pesticides/about/types.htm
PIGNATI, Wanderlei, OLIVEIRA , Noemi Pereira e SILVA, Ageo Mário Cândido da, Vigilância aos agrotóxicos: quantificação do uso e previsão de impactos na saúde-trabalho-ambiente para os municípios brasileiros. Ciênc. saúde coletiva vol. 19 no. 12, Rio de Janeiro, Dec. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141912.12762014
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte – EcoDebate de 18 de novembro de 2016
Este Post tem 0 Comentários