Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Queimadas destroem 78% da biodiversidade da Amazônia
Queimada no Pará (Foto: Daniel Beltra/Greenpeace)
Estudo apresentado pela RAS afirma que após 25 anos, a floresta pode se recuperar, mas com uma vegetação diferente da original.
Os motivos que provocam a ocorrência de queimadas na Floresta Amazônica são diversos, mas um estudo divulgado pela Rede Amazônia Sustentável (RAS) aponta um dado preocupante: cerca de 78% das espécies de plantas e animais sofrem redução após uma área ser atingida pelo fogo. Somado a isso há, ainda, a eliminação média de 40% do estoque de carbono da mesma área, o que contribui, significativamente, para o efeito estufa, afirmam os pesquisadores.
A situação é ainda mais alarmante quando se avalia que a floresta afetada pode nunca mais se recuperar, uma vez que há possibilidade de determinada área ser novamente atingida pelo fogo. Se realizado de forma contínua, esse processo pode levar à extinção de árvores, pássaros e outras espécies nativas da região amazônica. Segundo o levantamento, há uma redução média de 94% das espécies de plantas, 54% de aves e 86% de besouros.
O pesquisador britânico Jos Barlow, da Universidade de Lancaster ( Reino Unido), é membro da RAS. Ele explica que a biodiversidade das florestas intactas é insubstituível.
“Em um panorama de 25 anos percebemos que a floresta recuperou sua paisagem, mas com uma vegetação diferente da original. Não temos dados de quanto tempo uma área atingida pelo fogo demoraria para recuperar a sua biodiversidade e nem se ela pode mesmo voltar a se recuperar”, pontua Barlow.
Jos Barlow é pesquisador da biodiversidade do ecossistema tropical (Foto: Adam Renan/ECOFOR)
Barlow disse que espécies raras, ameaçadas globalmente, só são encontradas na Amazônia no que eles denominaram “floresta primária intacta”. Esses exemplares sofrem tanto com o corte seletivo quanto com as queimadas. “A paisagem, a floresta, muda muito com a ação do homem. Por exemplo, manter a cobertura florestal de 80% em uma floresta primária não significa proteção para o mesmo valor da sua biodiversidade. Às vezes isso detém, apenas, 50% de conservação para pássaros e besouros”, explica. Pensar que há espécies que não conseguem viver desassociadas das florestas pode fazer surgir um estado de alerta sobre o desmatamento.
As taxas do desmatamento
Queima de pastagem em área desmatada na Amazônia (Foto: Rodrigo Baleia/Greenpeace)
Dados do Programa de Monitoramento de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que houve redução de mais de 25 mil km² da Floresta Amazônica, em 2004, para cerca de 6.200 mil km², em 2015.
Embora os números sejam positivos, os focos de incêndios somaram 87 mil no mesmo ano e foram intensificados pelo fenômeno climático El Niño.
Esse número foi 48% maior do que em 2014 e 23% quando comparado com 2010, quando houve uma estiagem de menor intensidade. Barlow diz que estava mais otimista, uma vez que essa redução foi acompanhada por aperfeiçoamento no monitoramento e em avanços na cobertura do Cadastro Ambiental Rural (CAR). “O problema é que os dados de 2015 e as previsões para 2016 de mais de 8 mil km² são realmente assustadores”, afirma.
O CAR é um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais para o controle, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas do Brasil.
São muitos os fatores que contribuem para as queimadas: extração madeireira ilegal, mudança climática (que resulta em estiagens mais longas), florestas degradadas, caça predatória, abertura de clareiras, manejo do solo por meio do processo de corte e queima. Segundo a pesquisa da RAS, as queimadas praticadas na Amazônia – inclusive aquelas que acontecem no interior da floresta – são resultado da ação do homem. A falta de responsabilização das pessoas envolvidas pelos crimes ambientais, de políticas públicas agravam o processo de destruição.
O fogo em Santarém
Incêndio florestal em Santarém, no oeste do Pará (Foto: Adam Ronan/ECOFOR)
Nos últimos cinco anos, 43% dos 576 produtores entrevistados sofreram alguma perda financeira devido às queimadas. Mas dentre tantos casos, o de Santarém, município localizado no oeste do Pará, foi o que mais chamou a atenção: foram mais de 74 mil km² de florestas destruídas, área maior do que a desmatada em toda a Amazônia Legal em 2015.
Nesse período foram destruídas as florestas, as plantações, as pastagens e até casas. Como não se imputa responsabilidade a alguém, até hoje os trabalhadores que tiveram bens econômicos tomados pelo fogo não receberam qualquer tipo de indenização. Manoel Edivaldo Santos Matos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, conta que o fogo cercava as plantações e casas por todos os lados. “Quando achávamos que o fogo estava controlado, encontrávamos outro foco. Foi muito triste”, relembra.
O caso foi tão devastador em Santarém que até a Floresta Nacional do Tapajós foi atingida. As populações tradicionais perderam plantações inteiras de café, pimenta-do-reino, cupuaçu, laranja, graviola e outros cultivos. Entre as perdas, Matos recorda de duas que o marcaram: a de um agricultor que viu a moradia da família ser destruída pelo fogo e a de uma plantação de seis mil pés de pimenta-do-reino em que só conseguiram se salvar 300.
“O que todas essas pessoas perderam ficou por isso mesmo, porque não recebemos nenhuma ajuda. É preciso que todos tenham atenção especial com a região. Nós precisamos proteger as florestas, porque a Amazônia é muito importante para o mundo”, defende Matos.
O agricultor precisa do fogo?
Queimada em área agrícola em Santarém (Foto: Adam Ronan/ECOFOR)
A pesquisadora brasilera Érika Berenguer, também pesquisadora da Universidade de Lancaster (Foto: Jos Barlow/2015)
Os prejuízos das queimadas são incontestáveis, mas ao olhar para a realidade do pequeno produtor é preciso questionar se ele tem condições de substituir o processo de corte e queima como meio de arar a terra. Segundo pesquisa da RAS, na qual foram entrevistados 576 pequenos produtores, 56% afirmaram não ter condições financeiras e técnicas para praticar uma agricultura livre do fogo.
Érika Berenguer, também pesquisadora da Universidade de Lancaster, diz que os donos de propriedades com mais de 500 hectares optam cada vez mais por uma agricultura livre de queimadas, via mecanização. Os agricultores com menos de 100 hectares informaram não ter condições de abandonar esta prática. “O processo de mecanização não é acessível para todos os pequenos produtores. Por isso, muitos ainda dependem do processo [do fogo], mas este acaba, por vezes, prejudicando o próprio agricultor”, diz.
A questão é que, para alguns agricultores, o fogo ainda é uma alternativa “barata” de preparar a terra para o pasto ou roçado. Ao utilizar a técnica, mesmo com o uso de aceiros (barreiras que demarcam e limitam a área a ser queimada), o fogo pode sair do controle, sobretudo em épocas de seca extrema. O incêndio fora de controle pode atingir propriedades vizinhas e as florestas, onde o combate fica ainda mais difícil.
Berenguer contesta o uso da expressão “barato”, dizendo que “o fogo é um dano sem benefício”. Dos entrevistados, metade assumiu que já sofreu alguma perda financeira para o fogo. Em 86% dos casos, os incêndios vêm de fora da propriedade – ou seja, não são causados pelo agricultor. “Isso gera grande insegurança entre os produtores, que investem menos em medidas de controle das queimadas e em usos do solo mais rentáveis, como a fruticultura, com medo de perdê-las”, destaca.
Outro número que mostra o comportamento do pequeno agricultor diante do fogo diz que 91% deles constroem aceiros para que as chamas não se alastrem; 70% das queimadas são feitas contra o vento; mas somente 7% dos trabalhadores evitam o período mais quente do dia para iniciar o processo. Para Berenguer, as medidas de prevenção terão maior efetividade quando realizadas junto às comunidades e não direcionadas somente para a propriedade. Outra alternativa seria o apoio no emprego de maquinário, seguido de insumos agrícolas.
“O maquinário ajudaria a evitar as queimadas, mas talvez trouxesse outros problemas que ainda não podemos mensurar”, afirma a pesquisadora carioca Érika Berenguer.
O estudo foi realizado nos municípios de Paragominas, Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, todos no Pará. Nele foi constatado que somente 6% dos pequenos produtores possuem maquinário; mesmo assim, aqueles que fazem o uso dos equipamentos alugam de outros proprietários. Desse número, 10% possuem acesso às máquinas por meio de programas governamentais.
O efeito estufa
Queimada na floresta em Santarém, oeste do Pará (Foto: Jos Barlow/2015)
Em 2010, os incêndios na Amazônia brasileira levaram a uma emissão de 15 milhões de toneladas de carbono, o que equivale a quase metade das emissões do setor energético do país no mesmo ano, segundo estudo da Global Biogeochem Cycles, divulgado em 2015.
Berenguer explica que áreas devastadas são mais fáceis de serem atingidas pelo incêndio. “Essas florestas são mais abertas e, portanto, mais secas, facilitando a ocorrência das queimadas”, detalha. O Brasil precisa controlar o desmatamento e as queimadas na Amazônia para cumprir com as metas de redução dos gases de efeito estufa, dizem os pesquisadores.
Na pesquisa foram apresentados dados sobre a que teve mais impacto sobre as escolhas dos produtores. “Nós percebemos uma grande lacuna com relação à legislação sobre o uso do fogo, o que pode ser resolvido por meio de programas educacionais”, explica Érika Berenguer.
Os cientistas pontuam que, apesar do estudo, as iniciativas devem ser realizadas pelo poder público. “Em nossos estudos cabe apresentar os dados e as preocupações, mas as soluções devem ser feitas a nível dos atores sociais responsáveis”, aponta Berenguer.
O pequeno produtor
O termo “pequeno produtor” ainda é alvo de críticas quando se quer apresentar dados de queimadas diferentes do desmatamento cometido pelos donos das grandes propriedades. O pequeno agricultor pode se configurar em agricultor familiar, camponês, os quilombolas, os indígenas, os ribeirinhos, por exemplo.
Eliane Moreira, procuradora licenciada do Ministério Público do Pará e doutoranda da Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisa territórios coletivos e atenta para a necessidade de se questionar a expressão.
“Muito se faz em prol do grande proprietário de terra, mas não há estudos que acompanhem a trajetória rural das comunidades tradicionais. Elas, sem dúvida, estão à margem das políticas de incentivo. Um exemplo disso são os esforços que abrangem o Cadastro Ambiental Rural”, defende Moreira.
Segundo a procuradora, há uma demanda real de incentivos para essas comunidades, tanto de acesso à terra quanto de assentamento e crédito rural. E quando se fala do uso do fogo não há uma uniformidade. “Eles têm uma compreensão de que essa talvez não seja a melhor técnica, mas ainda não estão empoderados o suficiente para abandonar essa tecnologia ultrapassada e não têm acesso a novas formas de arar a terra”, afirma.
O que diz a Semas?
Segundo a Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema), são realizadas reuniões periódicas, comumente no início do ano, entre a Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e instituições parceiras, em que são discutidas as condições atuais e os prognósticos para os próximos anos e, assim, desenvolver ações de combate às queimadas no estado.
De acordo com os dados da secretaria, em 2016 os municípios em que mais foram detectados focos de queimadas são Altamira, São Félix do Xingu e Novo Progresso. Com relação a 2015, houve redução dos focos de incêndio: 80% em Altamira, 200% em São Félix do Xingu e 35% em Novo Progresso.
Caminhões carregados de madeira aguardam a travessia do rio Curuá-Una, próximo a Santarém, no oeste do Pará (Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace)
Fonte – Catarina Barbosa, Amazônia Real de 21 de dezembro de 2016
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