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Por um mundo livre de agentes nocivos

Colocadas sobre a mesma placa, amostras de fungos e bactérias se desenvolvem com diferentes padrões de compatibilidade

As mudanças ambientais provocadas pela civilização moderna preocupam cientistas e podem colocar em risco a própria sobrevivência da espécie humana. Dentro desse quadro, a necessidade de mudanças no setor produtivo em direção a uma matriz sustentável se torna cada vez mais premente. Na agricultura, o principal desafio é a substituição de fertilizantes minerais convencionais, bastante poluentes e apontados como uma das causas do aquecimento global do planeta, por outras formas de fertilização, mais naturais. O uso massivo desses fertilizantes minerais, principalmente os nitrogenados, é responsável pelo consumo de nada menos que 94% da energia empregada da produção de todos os outros tipos de fertilizantes que existem no mercado, de acordo com a Associação Internacional de Fertilizantes (IFA). Em seu processo produtivo, são empregados o gás natural (73%) e o carvão mineral (27%), cujas emissões de dióxido de carbono contribuem para o processo de desequilíbrio ambiental da atmosfera pelo efeito estufa. Outro aspecto nada favorável é que, ao entrar em contato com o solo, o fertilizante nitrogenado provoca uma reação química na qual bactérias liberam óxido nitroso, gás com potencial de causar danos ao meio ambiente 300 vezes superiores ao do dióxido de carbono.

Em centros de pesquisa e universidades dentro e fora do País, cientistas buscam maneiras de reduzir os danos provocados ao meio ambiente pelos fertilizantes convencionais. Em Campos dos Goytacazes, o engenheiro agrônomo Fábio Lopes Olivares, professor associado do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e um dos criadores no Núcleo de Desenvolvimento de Insumos Biológicos para a Agricultura (Nudiba), está criando uma nova geração de insumos biológicos, na forma de inoculantes microbianos, que combinam bactérias e fungos promotores do crescimento vegetal e que poderão substituir, em parte, o uso de fertilizantes convencionais.

“A participação de biofertilizantes contendo bactérias fixadoras de nitrogênio reduz os custos de produção, o impacto ambiental no solo e na água, e aumenta a segurança alimentar para a prática agrícola no País”, explica Olivares. “Mas não há, por ora, como substituir integralmente os fertilizantes minerais concentrados pelos biofertilizantes e manter os mesmos patamares de produtividade agrícola, porque essa ainda é uma tecnologia em desenvolvimento.”

Para a realização do estudo, o pesquisador e sua equipe vêm testando novas formas de potencializar os efeitos positivos das bactérias que promovem o crescimento vegetal, a partir da fusão com fungos compatíveis, na tentativa de encontrar combinações microbianas mais eficientes em promover o crescimento das plantas. “Dentre os processos que podem ser estimulados por consórcios microbianos, destacamos a fixação biológica de nitrogênio. Neste caso, as bactérias, que naturalmente convertem o nitrogênio atmosférico (N2) em fontes assimiláveis de nitrogênio para a nutrição da planta (amônia), na presença de fungos selecionados em laboratório, podem aumentar seu potencial de fixação biológica do nitrogênio, ampliando seus benefícios para as plantas”, diz o professor, que é Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. De acordo com Olivares, o fungo entra na parceria como um “hotel de luxo”, fornecendo um nicho mais adequado para a bactéria. “O solo é um meio muito complexo e heterogêneo, e a presença do fungo para a bactéria potencializa suas ações.”

O grupo combinou a já conhecida bactéria fixadora de nitrogênio Herbaspirillum seropedicae com fungos do solo do gênero Trichoderma e Penicillium, aplicando a mistura em substrato para o crescimento em plantações de milho e de cana-de-açúcar. O resultado foi um ganho em produtividade de cerca de 30% na hora da colheita em comparação com plantas que não receberam o biofertilizante. “Sua utilização permitiu uma redução de até 50% nas doses dos fertilizantes nitrogenados convencionais, o que se traduziria em ganhos significativos para a agricultura do País se considerarmos os milhões de hectares de cultivo agrícola no Brasil”, analisa.

A pesquisa utiliza um microscópio eletrônico de transmissão JEOL 1400Plus (120 Kv), instalado em agosto de 2015 no Laboratório de Biologia Celular e Tecidual (LBCT) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da Uenf, com recursos do edital Apoio à Aquisição de Equipamentos de Grande Porte para Instituições de Ensino Superior e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio de Janeiro. Esse equipamento atende a um amplo espectro de análises ultraestruturais de espécimes biológicos e de materiais, como polímeros, cristais, ligas metálicas, nanopartículas e, com ele, pode-se não apenas fazer a reconstrução de um elemento biológico em 3D, mas também captar e quantificar elementos químicos em uma amostra. Com o uso do equipamento, Olivares pode analisar a compatibilidade estrutural da combinação bactéria-fungo e detectar a enzima nitrogenase (responsável pela fixação biológica de nitrogênio), reconhecendo padrões, estruturas e funcionalidades das combinações propostas antes de propor os bioinoculantes a serem testados no campo.

O trabalho de reconhecimento e prospecção de novos espécimes para compor insumos agrícolas mais potentes ainda está no início. “Primeiro, isolamos fungos e bactérias fixadoras de nitrogênio a partir de diferentes fontes da natureza, como solo, rizosfera das plantas, materiais compostados e vermicompostados, e serapilheiras em biomas de florestas. A partir desse ponto, separamos alguns fungos e bactérias e avaliamos diferentes combinações quanto à capacidade de realizar processos de interesse biotecnológico em condições controladas. Finalmente, depois de prontas as combinações, levamos os insumos em teste para avaliar seu efeito e suas interações ecológicas com algumas plantações. O esperado é que no prazo de mais alguns meses tenhamos novos insumos, mais potentes, para que os ganhos com a substituição dos fertilizantes nitrogenados sejam ainda maiores”, finaliza. A pesquisa contou com a colaboração dos professores Luciano P. Canellas e Silvaldo Felipe da Silveira, e do doutor em Produção Vegetal Vicente Mussi Dias.

Fonte – Danielle Kiffer, FAPERJ de 01 de dezembro de 2016

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