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Esse lixo é um luxo

Separar lixo na Alemanha requer conhecimento e habilidade. Quando chegamos aqui, levei uma bronca – atitude normal alemã –  da dona do hotel em que moramos nos primeiros quarenta dias, por ter jogado uma tetrapack no lixo de papel. Depois disso, a agente de recolocação nos forneceu um roteiro com a separação correta do lixo e me senti fazendo um curso de especialização em reciclagem.
Já instalados em nossa casa, compramos uma lixeira com 3 separações para facilitar a seleção do lixo: uma divisão para metais e plásticos, outra para papel e outra para restos domésticos em geral . Em nosso prédio, até dois meses atrás, não tínhamos o contêiner para lixo biológico  não processado- restos de verduras, legumes, frutas, cascas de ovos e plantas, então, não fazíamos essa separação e agora precisamos de mais um recipiente para esse tipo de lixo; as garrafas pet são retornáveis e as de vidro devem ser jogadas em contêineres espalhados pela cidade, prestando atenção na cor das garrafas para fazer a separação correta;  e a coleta de isopor e baterias é feita nos supermercados e lojas que vendem estes tipos de produtos. Com a coleta seletiva, passamos a perceber a quantidade de lixo que produzimos por dia. É um absurdo! Então, tentamos, sempre que possível, escolher produtos pela embalagem, de forma que não produzamos tanto lixo.
Não justificaria tanto trabalho em micro escala se não houvesse uma logística para recolhimento e tratamento pós-coleta deste lixo. E aqui, seja rico ou seja pobre ou seja governo, tem-se que respeitar o processo do principio ao fim (igualzinho no Brasil, buáá ). No começo do ano, recebemos pelo correio um plano de coleta de lixo, que é super importante para residências, pois o morador tem que colocar o respectivo contêiner na rua, no dia da coleta. Já, a maioria dos prédios possuem contêineres enoooormes onde aos poucos depositamos a nossa caca diária. Eles são colocados em áreas de fácil acesso aos caminhões de lixo e são feitos de forma a se encaixarem no caminhão, evitando que os coletores  manuseiem o lixo diretamente.
E o que fazer com as quinquilharias, como roupas, aparelhos eletrônicos e móveis?
Quatro vezes por ano, acontece a coleta do lixo que não é lixo, ou melhor, do que é lixo pra mim mas pode não ser para outrem (want not waste not). É o chamado Sperrmüll (nosso “bota-fora”), que é o lixo que pelo seu tamanho ou tipo não pode ser jogado no lixo comum. Neste dia, pode-se colocar gentilmente na rua, sem atrapalhar o trajeto dos transeuntes nas calçadas, tudo que você não quer mais e não cabe nos lixos citados acima. Pela regra, não poderiam ser jogados roupas ou aparelhos eletrônicos. Mas não é só brasileiro que não segue regra, não. Pela regra também, o lixo só poderia ser colocado na rua a partir das 7 horas da manhã do dia da coleta. Mas todo mundo coloca na noite anterior.
Essa “estratégia” é para que se jogue tudo, inclusive o que não pode, pois dá tempo das pessoas passarem pela rua e escarafunchar o lixo que não é lixo pra ver se encontram algo que interesse. Uma pessoa aqui perto jogou uma coleção de Matchbox com centenas de carrinhos. Crianças e adultos se acotovelaram pra pegar o quanto podiam. A minha amiga brasileira adora olhar o que está em oferta nas calçadas e já chegou a encontrar mais de 3 metros de lã pura. Fez um casacão lindo. Eu mesminha tenho um quadro que ela pegou no lixo e me deu. Tinha uma foto de uma paisagem escocesa e ela pegou só por causa da moldura. Quando abri para limpar, encontrei uma gravura por trás da foto e agora ela está na minha parede. Existem vários casos de gente que encontrou coisas valiosíssimas em Sperrmüll por aqui.  Por conta disso, tem pessoas que tem por hobby caçar  coisas nestes dias. Eu pus uma cadeira de carro da Lara no lixo e tão logo a coloquei, parou uma Mercedes prata linda, desceu uma mulher e carregou a cadeira embora. Será que era pra ela usar? Pode até ser.  Mas ela pode ser uma daquelas pessoas que adoram participar de Flohmarkt , feiras espalhadas pela cidade que são uma febre por aqui e que conhecemos como bazares de segunda mão ou, literalmente, Mercado de Pulgas (este é um assunto para outro post).Outros fregueses deste tipo de lixo são os que moram ou tem parentes na Europa Oriental. Eles normalmente vem de van e carregam tudo que possa servir pra vender na terra deles. E por que será que tem tanta gente que joga tanta coisa que tem conserto fora?
Uma das dicas que o folheto do Sperrmüll dá é  “ao comprar móveis e aparelhos domésticos, preste atenção nas possibilidades de conserto e longevidade dos mesmos. Assim, eles não irão tão rápido para o lixo(“achten Sie beim Kauf von Möbeln und Haushaltsgeräten auf Reparaturfreundlichkeit und Langlebigkeit. Dann werden sie nicht so schnell zu Müll”). Ou seja, devemos evitar comprar produtos de baixa qualidade ou que não precisamos mas compramos porque  tá barato, porque certamente eles irão parar no lixo em pouco tempo. Esse tipo de conselho procede porque o barato sai realmente caro. Serviços e consertos custam os olhos da cara e, na maioria das vezes, o custo é mais alto do que comprar um novo produto. Eu mesminha já tive este tipo de problema com micro-ondas, torradeira, aspirador portátil, secador de cabelos e um notebook (da HP, que não era de baixa qualidade): o preço do conserto era mais alto do que comprar outro. Com exceção do notebook, foi tudo pro Sperrmüll.
Roupas e sapatos não devem ser jogados no “bota-fora”. Eles podem ser depositados em contêineres de instuições beneficentes espalhados pela cidade, ser entregues nas sedes dessas instituições ou ainda vendidos nas garage sales ou Flohmärkte.
A minha mãe, dona Dercy do Baeta, iria se deliciar com o esquema de reciclagem daqui, pois o passatempo preferido dela é mexer no lixo dos outros e catar o que as pessoas não querem mais. E aí ela enche a casa dela de cacareco e móvel velho e as coisas ficam lá até aparecer alguém que queira ou, então, ela faz um bazar para arrecadar dinheiro e comprar comida para os pedintes – é o que eu chamo de “Dercyclagem”, versão baetense do Sperrmüll e do Flohmarkt.
Fonte – blog Tudo de Bonn de 21 de fevereiro de 2010
Está na hora de inspirar nossos gestores ambientais.

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