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De olho em 211 votos do agronegócio, Temer avança na agenda ambiental

Temer busca apoio da bancada ruralista – Givaldo Barbosa / Agência O Globo

Encurralado por denúncias de um lado e pedidos de impeachment de outro, o presidente Michel Temer intensificou a barganha entre governo e base aliada para garantir a própria blindagem no Congresso. No cenário de busca voto a voto, a agenda ambiental entrou para o centro das negociações como moeda de troca importante na conquista do apoio da bancada ruralista, que soma 211 deputados na Câmara. Ou nada menos que 41% do total de parlamentares da Casa que decidirá se a acusação de corrupção contra Temer deve ou não seguir para o Supremo Tribunal Federal (STF).

A ofensiva do presidente, que nunca escondeu simpatia pela pauta do agronegócio, já começou. Nos últimos dez dias, ele enviou projeto ao Congresso para diminuir o tamanho da Reserva do Jamanxim, no Pará, e aprovou parecer determinando que somente terras ocupadas por indígenas até outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, podem ser demarcadas. A adoção da chamada tese do marco temporal foi comemorada por ruralistas que miram outros itens de interesse do grupo no Congresso Nacional.

No balcão atual de negociações com o governo, estão propostas tão ou mais impactantes para a preservação da natureza, segundo especialistas, como a flexibilização de regras para licenciamento ambiental, liberação de agrotóxicos e venda de terras para estrangeiros. O governo prepara uma medida provisória sobre dívidas bilionárias de produtores ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) sob a pressão de parlamentares ligados ao agronegócio, que pleiteiam anistia de multas, descontos e maior prazo para pagar.

Ambientalistas fazem coro ao apontar que o atual momento, de fragilidade do presidente, em busca incessante de apoio parlamentar, é um dos mais críticos para a agenda ambiental na história recente do país. Há um temor de que o jogo político resulte em perdas irreparáveis para a legislação do setor, aponta Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace. Ele assinala “sequelas graves” para além da degradação da natureza.

— É um toma lá dá cá que desmata florestas e mata pessoas, pois onde existe desmatamento existe disputa por terra, ameaça de morte, violência. Em um ano, Temer conseguiu ser o pior presidente desde a redemocratização, tirando o lugar de Dilma Rousseff, para a área ambiental — aponta Astrini.

Lei geral do licenciamento

Uma das propostas mais criticadas que poderá ser aprovada com o apoio do governo na Câmara, onde tramita em regime de urgência, é a que cria uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Entre outros pontos, dispensa licenciamento para atividades agrícola, de pecuária extensiva e de silvicultura.

O projeto também remete aos estados a prerrogativa de definir algumas regras no procedimento de liberação ambiental. O dispositivo, na avaliação de especialistas em preservação, levaria a uma “guerra ambiental” entre as unidades da Federação, a exemplo da disputa fiscal, na corrida por atrair investimentos.

Outro tema que deve avançar a passos largos é o projeto de lei que afrouxa regras de registro e uso de agrotóxicos no país. A ideia é permitir a utilização de defensivos hoje proibidos por serem considerados nocivos à saúde. É discutida também a retirada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no processo de autorização de substâncias, para deixá-lo apenas com a pasta da Agricultura, reduto dos grandes produtores.

 

‘Crítica ideológica’

Há também na pauta de interesse da bancada ruralista um conjunto de propostas que liberam a venda de terras para estrangeiros, pronto para ser votado no plenário. A ideia é derrubar as regras atuais que limitam o acesso de áreas a pessoas físicas e jurídicas estrangeiras.

Em algumas das matérias consideradas de prioridade máxima para os ruralistas, como venda de terras para estrangeiros e liberação de agrotóxicos, o governo chegou a admitir nos últimos meses que trabalhava na elaboração de um texto sobre novas regras ou melhorias da redação que está no Congresso. Há pressão para que o Executivo edite medida provisória para acelerar a tramitação.

Integrante da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) critica a estratégia, adotada por Temer, de pautar os temas por medidas provisórias, que já nascem produzindo efeitos e têm tramitação relâmpago:

— Como o presidente tem pressa em obter o apoio para barrar a denúncia de corrupção, não há dúvidas de que vai interferir como pode para agradar os ruralistas.

O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, que representa a bancada ruralista, diz que o governo continua aberto às demandas do setor como sempre esteve. Ele nega uma intensificação nas barganhas com o Planalto e afirma que as críticas aos projetos de lei prioritários na pauta do agronegócio têm cunho ideológico.

Leitão defende o projeto com novas regras de licenciamento, afirmando ser abusivo exigir do produtor autorização ambiental para usar a parcela do terreno que está fora da reserva legal, ou seja, apta ao cultivo. Ele também contesta as críticas em relação à proposta sobre agrotóxicos. Segundo o deputado, o projeto visa modernizar e agilizar procedimentos para igualar o Brasil ao resto do mundo:

— É absurdo achar que o Ministério da Agricultura trataria isso (liberação de agrotóxicos) de forma a prejudicar a saúde humana — afirma, defendendo também as novas regras de licenciamento em discussão. — O Brasil não pode continuar com uma legislação antiquada de licenciamento para cultivo. Tem que ser dura, mas não burocrática.

Procuradas para falar sobre as negociações em torno da agenda ambiental no momento de crise política, a Presidência da República e a Casa Civil não quiseram se manifestar. “A Casa Civil não comentará”, informou o órgão. O Ministério do Meio Ambiente respondeu em nota que “negociações são necessárias e importantes”. E acrescentou: “Confiamos na responsabilidade do nosso Presidente da República e dos parlamentares brasileiros”.

Poucos avanços

Com pouco mais de um ano, a gestão Temer na área ambiental é de avanços tímidos à base de muita pressão e sérios retrocessos, segundo especialistas. Como ponto positivo, é apontado o aumento de três unidades de conservação em junho deste ano, entre elas o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), que saiu de 64 mil para 240 mil hectares. E, mais recentemente, o veto à medida provisória que reduzia a Floresta de Jamanxim, feito às vésperas da viagem para Noruega, onde o país seria cobrado em relação às políticas de meio ambiente.

Mas o anúncio foi “para Gisele Bundchen ver”, segundo os ambientalistas, já que Temer marcou a modelo, ativista de causas ligadas ao meio ambiente, nas redes sociais para comunicar o veto. Menos de um mês depois, o presidente enviou projeto de lei exatamente com o mesmo propósito vetado: diminuir Jamanxim.

As críticas mais sonoras dos especialistas, porém, miram a Medida Provisória 759, que flexibiliza a regularização fundiária de terras na Amazônia Legal, sancionada em julho por Temer. É apontada como instrumento que premia a grilagem, ao estender a possibilidade de regularizar áreas invadidas até 2011 — antes o marco temporal era 2007 — e ampliar o tamanho máximo dos imóveis contemplados para 2.500 hectares, contra 1.500 hectares na regra anterior.

— Nada se compara ao estrago dessa MP (medida provisória), que sinaliza claramente que vale a pena fazer o ilícito, vale a pena grilar, pois depois o governo flexibiliza as regras e fica fácil obter a terra — diz Michel Santos, coordenador de políticas públicas da WWF-Brasil, entidade ligada a causas ambientais.

Ambientalistas ainda criticam a suspensão dos processos de titulação de áreas quilombolas, por decisão da Casa Civil.

Fonte – Renata Mariz, O Globo de 23 de julho de 2017

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