Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Governo do Paraná abre precedente para rios sadios virarem esgoto
Bacia Hidrográfica do Rio Tibagi. Águas do Paraná que hoje são enquadradas na classe 2 podem virar classe 4, a pior em termos de qualidade (Foto: Secretaria Estadual do Paraná).
Resolução aprovada pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos rebaixa meta de enquadramento das águas para classe 4, a pior em termos de qualidade, até 2040
O Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Paraná (CERH) aprovou nesta quarta-feira (19), em Curitiba, uma resolução que rebaixa a meta atual de classificação dos rios paranaenses de classe 2 para classe 4 até o ano de 2040. Esta é a pior classificação dentre as estabelecidas pela Resolução No 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), em um estado em que a classificação mais baixa até o momento era a classe 2. A aprovação coloca o Paraná na contramão do restante do país, uma vez que a Política Nacional de Recursos Hídricos pressupõe a melhoria da gestão das águas, para que seja assegurado o uso múltiplo das mesmas, o que a classe 4 de antemão não permite.
Segundo especialistas, a classe 4, na prática, sujeita um curso d’água a tornar-se um esgoto a céu aberto, sem qualquer controle do poder público. A clasificação coloca as águas como impróprias para consumo e diversos outros usos, exceto navegação e tratamento paisagístico. A diferença entre os critérios técnicos utilizados em cada uma das classes reflete a condução da preservação e fiscalização de cada uma delas por parte do órgão responsável.
“O esforço que deveria estar sendo feito era para manter os rios paranaenses na condição atual de classe 2, mas o setor de saneamento estadual não consegue realizar o serviço adequadamente e prefere o rebaixamento para não ser autuado. A classe 4 não espelha a condição do rio hoje. Não se pode colocar uma meta de um rio poluído para um rio que é limpo. Aplicaram a legislação ao contrário, em desfavor da comunidade para atender à ineficiência do setor. Rebaixar para a classe 4 é dar permissão de poluição a longo prazo”, declarou Maria Luisa Ribeiro, especialista da área de Recursos Hídricos da SOS Mata Atlântica.
Segundo ela, a medida não só dá margem para ações de inconstitucionalidade, com relação à preservação de um recurso natural de interesse público, como abre precedente para que se mantenham os rios na classe 4, o que fere direitos humanos e ecossistêmicos, uma vez que esse enquadramento não estabelece limites para padrão de lançamento de poluentes. “Foram os interesses de apenas um setor que condenaram o rio. A população não participou ativamente desse processo. É flagrante a omissão do poder público e a falência do setor de tratamento”, completou Maria Luisa.
Para o Deputado Estadual Rasca Rodrigues a resolução é um retrocesso. “Aprovar uma meta pior do que o próprio estado atual do rio é o pior posicionamento possível. O propósito de garantir a classe 2 para a maioria dos rios paranaenses e não ter nenhum enquadramento na classe 4 era assegurar a qualidade das águas superficiais do estado. Agora, rios limpos passarão direto para a classe 4 sem nenhuma supervisão do órgão. Os comitês são colegiados responsáveis por conservar as águas e não promover a sua deterioração”, defendeu.
A reunião foi questionada por ambientalistas, que entraram com um pedido de suspensão da mesma. “É obrigação de toda a sociedade mobilizar-se pela preservação de um meio ambiente equilibrado, por isso passamos a defender a necessidade de suspensão da reunião do CERH, bem como a proibição da aprovação dos planos que, na prática, autorizam a poluição de rios saudáveis, com flagrantes reflexos em áreas de interesse estadual, federal e transfronteiriças”, diz trecho da denúncia feita junto ao Ministério Público Estadual e Federal.
A aprovação do marco regulatório para o enquadramento dos rios paranaenses foi vencida por apenas um voto. O resultado foi comemorado pelo Instituto das Águas do Paraná (ÁguasParaná), e pela Secretaria de Meio Ambiente do Paraná, que afirmou que “é preciso perseguir objetivos possíveis”. O Estado do Paraná possui 16 bacias hidrográficas, com vertentes para a sub-bacia do Paranapanema, do Rio Paraná e do Atlântico, possuindo uma riqueza incomum em matéria de recursos hídricos.
“A prioridade dos conselhos e comitês de bacias deve ser preservar e reverter a poluição das águas, mas ao invés disso essa resolução legaliza a morte dos rios paraenses. Em época de insegurança hídrica e às vésperas de o Brasil sediar o 8o Fórum Mundial da Água, em 2018, isso demonstra o atraso e o pior exemplo que o Paraná poderia dar ao restante do país em matéria de gestão das águas”, afirmou Mauri Pereira, ex-diretor e secretário-executivo da Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas (Rebob), e professor do curso de pós-graduação em Sustentabilidade de Recursos Hídricos da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Para o Professor de Ecologia Microbiana e ex-presidente do Comitê de Bacia do Rio Tibagi, Galdino Andrade, o tratamento ineficiente dos cursos d’água no Estado é um fato. “A tecnologia utilizada pela Sanepar [Companhia de Saneamento do Paraná] é ruim a ponto de obrigar a diluição de quase 50% da carga orgânica, poluindo os rios. Todas as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) devem ser adequadas com tratamento tercerário”, afirmou.
De acordo com a advogada da Fundação Internacional Arayara, Suhellen Prestes, o reenquadramento para pior refere-se à previsão de contaminação por esgotos domésticos, comerciais e poluição urbana difusa. “A previsão de reenquadramento transforma a maioria dos trechos em enquadramento 3 e 4. Mas existe tecnologia eficaz e acessível para controle e prevenção da degradação das águas. Não se pode admitir que se autorize a poluição, para que depois se reduza o dano de trechos que atualmente são classe 1 ou 2”, defendeu ela.
Outro trecho da ação civil pública, encampada pela Arayara e pela organização Vigilantes da Gestão Pública, criminaliza a decisão do CERH: “Não é muito dizer que o lançamento de efluentes é crime ambiental e deve ser assim perseguido pelas autoridades e não ser prevista meta para poluição, na maioria, registre-se por lançamento de esgotos domésticos, plenamente passíveis de tratamento adequado pelo ente responsável, que aliás, é prestador de serviço público, com dever ainda mais acentuado de preservação de recursos naturais e inesgotáveis.
A decisão do conselho não só vai contra a lei de recursos hídricos nacional e estadual, como também não segue a recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU), para que todo cidadão tenha acesso a água e esgoto tratado até 2030.
Nota de COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida e 350.org Brasil e América Latina
Fonte – EcoDebate de 25 de julho de 2017
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