Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Catadores movem a cadeia produtiva do lixo reciclável no Paraná – parte 3 de 5
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Organizados em cooperativas ou nas ruas, milhares de trabalhadores enfrentam condições ruins e invisibilidade social para coletar, separar e destinar resíduos reaproveitáveis.
Do lixo o carrinheiro João Carlos de Lima tirou a carne que assou para a janta e os poucos reais que pagaram a conta de luz do mês. A catadora Maria de Oliveira, a Lia, bancou estudo aos seis filhos e montou uma coleção de taças de vidro, na qual ninguém põe a mão. Marli Tereza da Cruz, também catadora, alicerçou sua primeira casa própria — um barracão feito de vigas sujas, pregos baratos e lona, montado dentro do extinto lixão de Paranaguá, no litoral do Paraná.
Os três trabalham hoje com a coleta, a separação e a destinação de materiais recicláveis e, além das suas próprias vidas, movimentam toda a cadeia produtiva do lixo no estado, ao lado de outros milhares. Eles são o elo entre o que jogamos fora e o que é reutilizado por empresas recicladoras.
Catadora trabalha na separação do lixo (Foto: Giuliano Gomes/PR Press)
Nos municípios paranaenses, há em média um catador para cada 1 mil habitantes, estima o Ministério Público (MP-PR). Boa parte deles está na rua, sem condições dignas de trabalho.
“Todos [catadores] são escravos, absolutamente escravos. Puxam um carrinho como se fossem um animal. São estágios de completo abandono, trabalhando individualmente, coletando de manhã para ganhar o almoço. As pessoas não sentem esse problema, não observam o catador. É ele que movimenta todo o processo do lixo reciclável”, diz Saint-Clair Honorato Santos, procurador de Justiça de Direitos Difusos do Ministério Público do Paraná (MP-PR).
Para dar condições a quem trabalha com o lixo, a melhor maneira tem sido uni-los em cooperativas organizadas, para que trabalhem em conjunto com o poder público, afirma o procurador.
“A cooperativa é uma empresa que vai prestar serviço ao município, como se fosse uma terceirizada. É responsabilidade do município viabilizar essas cooperativas e associações, melhorando o meio de trabalho e deixando que os próprios catadores gerenciem o serviço”, opina Saint-Clair.
Cooperativas são a melhor maneira de dar condições dignas de trabalho aos catadores, diz procurador (Foto: Giuliano Gomes/PR Press)
Geralmente, as cooperativas recebem material de empresas parceiras, ruas e casas e fazem a separação. O que é reciclável vai para a prensa, controlada pelos próprios cooperados, e seguem para compradores.
Lia, de 43 anos, trabalha há mais de 30 anos com a separação de lixo. A maior parte do tempo foi nas ruas, arrastando um carrinho e catando o que encontrava nas calçadas. Há dois anos, porém, passou a integrar uma cooperativa organizada, no bairro Boqueirão, em Curitiba, da qual se tornou presidente.
Lia de Oliveira trabalhou pro quase 30 anos na rua e hoje é presidente de uma cooperativa (Foto: Giuliano Gomes/PR Press)
“Me lembro que vendia o papel a um centavo o quilo. Eu não ia para rua pelo material reciclável, mas para ganhar uma cesta básica, alguém me dar uma roupa. Foi o carrinho que matou muitas vezes a minha fome. Quando vim para um cooperativa organizada, eu deixei de me sintir uma lixeira. Eu queria que quem tá lá fora sentisse o mesmo que sinto hoje”, comenta a catadora.
Quem está lá fora é João Carlos Lima, que trabalha arrastando um carrinho em busca de material reaproveitável, todos os dias. “É sofrida a vida do carrinheiro, é sofrida. Sol e chuva, geada… tem que correr, andar atrás. Se não fizer isso aí, morre de fome”, lamenta.
João Carlos de Lima trabalha como carrinheiro nas ruas (Foto: Weliton Martins/Reprodução)
No estado, existem centenas de cooperativas instaladas, mas nem todas têm as condições adequadas de trabalho. Além disso, muitas delas são geridas por “atravessadores” — donos de barracões que exploram a mão de obra dos catadores para ficar com a maior parte da renda do material reciclável.
“Nós que trabalhamos de carrinheiro? Nós não ganhamos nada. Quem ganha são os atravessadores, lá em cima. A gente trabalha, eles que ganham dinheiro. Enquanto eu ganho R$ 20, eles ganham R$ 100”, relata João Carlos.
Para Marli Tereza, que morou por anos dentro do lixão de Paranaguá e lá criou 15 filhos, o trabalho em uma cooperativa do município foi um alento. “Hoje eu sou uma mulher maravilhosa, sabe? Por estar trabalhando na associação, é um grande espaço da minha vida. Tenho maior orgulho do meu serviço, agradeço a Deus todos os dias por ter isso”.
‘Me sinto uma mulher maravilhosa’, diz a catadora Marli Tereza (Foto: Weliton Martins/RPC)
O ideal seria que todos os catadores estivessem realizados como Marli, mas falta volume de material para que isso se torne viável. Segundo o procurador do MP, as prefeituras ainda não olham para os cooperados com a devida importância.
“As cooperativas podem ser contratadas sem licitação, para abreviar o processo. Falta os municípios contratarem catadores e trabalhar com eles gerenciando o serviço. Se houver o apoio a essas organizações, o pagamento por tonelada e inserção social, poderemos chegar um bom resultado nos próximos anos”, diz Saint-Clair.
Fonte – Erick Gimenes, G1 PR de 02 de agosto de 2017
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