Por Sérgio Teixeira Jr. - ReSet - 12 de novembro de 2024 - Decisão adotada no…
Indústria do chocolate está a levar à destruição das florestas e áreas protegidas da Costa do Marfim
A indústria do chocolate está a impulsionar a destruição maciça e ilegal das florestas da Costa do Marfim e do Gana, avisa um novo relatório.
A indústria do chocolate está a impulsionar, indiretamente, a destruição maciça e ilegal de florestas na África Ocidental, especialmente na Costa do Marfim e no Gana, os dois maiores produtores de cacau do mundo, revelaram investigações da organização Mighty Earth e do jornal The Guardian.
“As empresas que fornecem cacau à Nestlé, Mars, Mondelez, Ferrero, Lindt, Hershey’s e outras marcas compram os grãos produzidos ilegalmente dentro das áreas protegidas e parques nacionais da Costa do Marfim, país que perdeu 80% da sua cobertura florestal desde 1960.”
Nas cadeias de fornecimento, o cacau ilegal mistura-se com o de origem legal. Isto significa que produtos como os chocolates Ferrero Rocher, Milka, M&M’s, Kitkat, Nutella, Mars, entre outros, podem ser feitos com o cacau produzido à custa da destruição de florestas protegidas.
“Os resultados da nossa investigação comprometem quase todas as grandes marcas de chocolate”, escreveram os investigadores da Mighty Earth (ME), no seu relatório.
Uma seleção de chocolates de algumas das maiores empresas de chocolate do mundo, que a Mighty Earth ligou à desflorestação na Costa do Marfim | Foto: Alex Costa/Mighty Earth
Até 2030, deixará de haver florestas na Costa do Marfim
A Costa do Marfim – responsável por 40% da produção mundial de cacau – está a perder as suas florestas a um ritmo mais elevado do que qualquer outro país africano. De acordo com estatísticas e mapas do governo costa-marfinense, menos de 11% do país continua coberto por florestas e menos de 4% está densamente florestado.
“Se não forem tomadas medidas preventivas, até 2030, o país perderá todas as suas florestas, alerta a ME.”
“Muitas das florestas dos parques nacionais e das áreas protegidas da Costa do Marfim foram totalmente ou quase totalmente desflorestadas e substituídas por operações de cultivo de cacau”, escreve a organização. “Um estudo realizado por investigadores da Universidade de Ohio e diversas instituições académicas costa-marfinenses examinou 23 áreas protegidas do país e descobriu que sete delas tinham sido quase totalmente convertidas em plantações de cacau. Estima-se que mais de 90% do território destas áreas protegidas esteja coberto por cacaueiros.”
No Gana, a situação é semelhante. “Sem que sejam tomadas medidas, o Gana perderá todas as florestas restantes fora dos seus parques nacionais na próxima década.”
Florestas despojadas das suas árvores
Os vestígios desta desflorestação são bem visíveis. Dentro da floresta protegida de Monte Tia, “os cepos de enormes árvores antigas são tudo o que resta da floresta”, contam os jornalistas do The Guardian. “Queimei-a pouco a pouco”, confessa um agricultor, explicando que os seus cacaueiros precisam de sol para crescer e que as árvores fazem sombra.
Nos últimos anos, a taxa anual de desflorestação dentro dos parques duplicou e, tanto na Costa do Marfim como no Gana, é duas vezes superior à desflorestação em áreas não-protegidas.
“O cacau é um monstro que, eventualmente, se devorará a si mesmo, dizem os cientistas.”
O impacto do chocolate na vida selvagem
A conversão de florestas em monoculturas de cacau tem dizimado as populações de elefantes, chimpanzés e outros animais selvagens em ambos os países.
Na Costa do Marfim, restam entre 200 e 400 elefantes de uma população original com centenas de milhares destes animais. O país orgulhava-se, em tempos, de possuir uma das taxas mais elevadas de biodiversidade do continente africano, com milhares de espécies endémicas.
De acordo com o estudo da Universidade de Ohio anteriormente referido, 13 das 23 áreas protegidas costa-marfinenses analisadas tinham perdido as suas populações de primatas e, em cinco áreas protegidas, metade das espécies de primatas tinham desaparecido.
Elefantes-da-floresta (Loxodonta cyclotis) | Foto: Thomas Breuer
Como noutros países, a caça furtiva é uma grande ameaça à sobrevivência dos elefantes. Devido à desflorestação provocada pela produção de cacau, estes animais foram empurrados para pequenos corredores de floresta, o que os deixa ainda mais vulneráveis aos caçadores furtivos.
Outros animais ameaçados pela rápida perda de habitat são os hipopótamos-pigmeus, esquilos-voadores, pangolins, leopardos e crocodilos.
“A toda a volta, costumava haver árvores, mas os agricultores queimaram-nas para plantar cacau”, conta um dos habitantes locais ao The Guardian. Quando ele era mais novo, costumava ver chimpanzés e elefantes a vaguear pelo parque nacional de Marahoué; hoje, não são estes os habitantes dos parques nacionais.
Vilas construídas dentro de parques nacionais protegidos
Os investigadores da ME depararam-se com um fenómeno que já é comum na Costa do Marfim. Trata-se do surgimento de vilas e aldeias, designadas “acampamentos”, dentro dos parques nacionais e florestas protegidas do país. Alguns destes acampamentos têm milhares de habitantes, escolas públicas, igrejas, mesquitas, lojas, centros de saúde – tudo isto perfeitamente à vista das autoridades governamentais.
Segundo algumas estimativas, existirão 50 aldeias ilegais só no parque nacional de Marahoué. “Os guardas-florestais têm a missão de garantir que nenhuma árvore é cortada, que nenhum animal selvagem é caçado e, certamente, que nenhuma aldeia é construída no parque”, escreve Ruth Maclean para o The Guardian. “Estranhamente, parecem não reparar na chegada de tijolos e cimento para a igreja e para a mesquita, nem nos camiões carregados de grãos de cacau.”
A desflorestação “invade” as áreas protegidas da Costa do Marfim (Mighty Earth)
Um mundo de subornos
Ocasionalmente, no entanto, os guardas vão “à caça”: dirigem-se a uma plantação, capturam alguns agricultores todas as semanas e prendem-nos até que a comunidade pague pela sua libertação – 100 mil francos CFA ocidentais (150€) por pessoa ou 150 mil francos se forem apanhados com uma mota.
“Eles vêm às aldeias, recolhem o dinheiro – alguns milhões de francos de cada vez – e depois vão-se outra vez embora”, conta um dos habitantes locais.
Os subornos são a forma de estas pessoas permanecerem nas áreas protegidas. Segundo contaram ao jornal britânico, em maio, entregaram mais de 14 mil euros, o maior suborno até agora, ao chefe do OIPR (Office Ivorien des Parcs et Réserves).
Muitas das pessoas entrevistadas pela ME dizem que a Sodefor, a agência de proteção das reservas florestais, também está a lucrar com a desflorestação ilegal. “A Sodefor vem e pede-nos dinheiro e, se lho damos, não há problema”, conta um agricultor na área protegida de Goin Débé. “A Sodefor só nos diz para cultivarmos o cacau a alguns metros de distância da estrada para que a mesma pareça ter árvores.”
Em troca destes subornos, os agricultores podem ficar e produzir cacau, que vendem a compradores nas cidades vizinhas, os quais, por sua vez, o vendem a cooperativas. “No total, identificámos sete cooperativas que compraram o cacau [produzido] nas áreas protegidas que visitámos e que confirmaram que o vendem aos grandes comerciantes internacionais, Cargill, Olam e Barry Callebaut”, contam os investigadores da ME. Juntas, estas três empresas controlam cerca de metade do comércio global de cacau.
“Nem sequer perguntamos aos produtores de onde vem [o cacau]. As grandes empresas também nunca perguntam a sua origem”, diz um comprador de cacau.
O diretor da Sodefor estima que 40% do cacau da Costa do Marfim seja produzido em áreas protegidas. Em 2015, segundo estimativas da Universidade de Ohio, foram produzidas cerca de 177 400 toneladas de cacau nas 23 áreas protegidas analisadas. Uma vez que existem 244 áreas protegidas no país, o volume real deverá ser muito mais elevado.
O custo humano do chocolate
Nas plantações de cacau são comuns as violações dos direitos humanos. Estima-se que 2,1 milhões de crianças da África Ocidental trabalhem na colheita de cacau. Segundo o Departamento do Trabalho dos EUA, mais de 100 000 destas crianças passam pelas “piores formas de trabalho infantil” e cerca de 10 000 são vítimas de tráfico humano ou de escravatura.
“Há mais 21% de crianças a trabalhar ilegalmente nas explorações agrícolas de cacau no Gana e na Costa do Marfim do que havia há cinco anos”, disse o departamento.
Foto: Daniel Rosenthal
“Muitos [dos produtores de cacau] vivem em pobreza, sendo frequentemente explorados e mal pagos pelas suas colheitas”, conta o The Guardian. “A maioria nem tem dinheiro para comprar um luxo básico no ocidente: uma barra de chocolate.”
Nos anos 80, os produtores recebiam, em média, 16% do valor de uma barra de chocolate. Hoje em dia, esse valor desceu para 6,6%. “São os ocidentais que comem chocolate, nós não”, afirmou um dos produtores.
Recentemente, o governo costa-marfinense intentou uma ação judicial contra a desflorestação causada pela produção de cacau, expulsando os produtores do Parque Nacional de Monte Péko. A organização Human Rights Watch declarou que os despejos tinham sido mal planeados e executados em violação das normas internacionais de direitos humanos. Hoje em dia, o parque voltou a ser ocupado por agricultores que explicam que só precisaram de pagar subornos mais elevados para poderem voltar a cultivar as suas terras no parque.
Os ativistas também têm sido avisados para não interferirem no negócio do cacau. Em 2004, o jornalista franco-canadiano Guy-André Kieffer, que trabalhava numa reportagem sobre o cacau e a corrupção, desapareceu. Acredita-se que tenha sido morto.
O que dizem as empresas?
A Mighty Earth contactou 70 empresas do sector do chocolate relativamente às descobertas da sua investigação. “Nas suas respostas, nenhuma das empresas negou adquirir cacau de áreas protegidas ou contestou qualquer dos factos apresentados”, conta a organização. Algumas empresas reconheceram a necessidade de se agir, mas poucas revelaram medidas concretas.
No princípio deste ano, 34 das principais empresas do sector do chocolate juntaram-se ao Príncipe Charles de Gales e comprometeram-se a anunciar um plano, em novembro de 2017, para acabar com a desflorestação na indústria. “Poderá ser demasiado cedo para se ficar otimista, visto que as iniciativas anteriores para a sustentabilidade do cacau foram demasiado fracas para produzir resultados significativos em todo o sector”, defende a ME.
Alguns dos produtores de cacau já vivem nas áreas protegidas há décadas e um dos grandes problemas que a indústria e o governo precisam de abordar em novembro é a melhor forma de os reinstalar e de lhes encontrar novas ocupações.
O compromisso dos governos para proteger as florestas nacionais também é essencial. “As empresas por si só não podem resolver esta situação e o governo por si só não pode resolvê-la”, disse Richard Scobey do grupo World Cocoa Foundation.
Fonte – The UniPlanet de 15 de setembro de 2017
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