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Ao deixar CTNBio, especialista expõe esquemas na liberação de transgênicos

nao queremos mais transgênicos.jpgAtivistas protestam contra liberação de novos transgênicos em uma das reuniões da CTNBio realizadas em 2015

Entre as críticas do ex-integrante ao órgão nacional de biossegurança, estão desrespeito às leis e ao interesse público e defesa intransigente das demandas da indústria de transgênicos e agrotóxicos

Desrespeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos, à  Constituição Federal, aos direitos dos consumidores, a tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e até mesmo a normas internas durante processos de liberação de transgênicos no Brasil, além de conflitos de interesses. Essas são as principais críticas à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) feitas pelo especialista em agricultura familiar Antônio Andrioli.

Na tarde de do dia cinco de outubro, quando chegou ao final o seu terceiro mandato consecutivo como representante titular do setor, ele leu uma carta de quatro páginas em que faz uma série de reflexões sobre o modelo de atuação do órgão criado para assessorar o governo federal na decisão de questões relacionadas ao um tema tão complexo – os organismos geneticamente modificados (OGM) – e que acabou se tornando um “balcão de negócios”.

O especialista destacou que a liberação de transgênicos no país é uma realidade distante da imaginação da sociedade, e que não há avaliação responsável sobre os riscos relacionados a esses eventos.

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Ele também critica o que chama de “irresponsabilidade organizada” de cientistas “acríticos”, que desprezam a opinião da ampla maioria da sociedade, que, diante das dúvidas que têm, geralmente se posiciona contra essas biotecnologias.

Ilegitimidade

Andrioli chama a atenção para a falta de legitimidade dos integrantes da CTNBio para tomar decisões graves, como liberar transgênicos na ausência de pesquisas conclusivas sobre a segurança à saúde e ao meio ambiente.

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Conflito de interesses

Em entrevista à RBA, Andrioli afirmou que durante os seis anos em que foi integrantes da CTNBio constatou a falta de ambiente para discussão científica. “No âmbito da comissão não há espaço para a divergência e as críticas, que não são bem vindas”. De acordo com ele, o “resultado das votações” é pré-definido com a escolha cuidadosa e tendenciosa dos membros com perfil favorável às liberações de transgênicos no meio ambiente.

Além disso, segundo ele, há uma “pressa desnecessária” em encaminhar os processos para votação, reduzindo assim o tempo para os debates sobre impactos e riscos. “Apesar de eventuais, essas discussões não influenciam e nem alteram o resultado das votações.”

“Em seis anos de participação nessa comissão, nunca fui designado relator de processo de liberação comercial. Mas supondo que prevalecesse a lógica do sorteio, não seria provável tanta falta de sorte da minha parte”, disse.

Ele destacou ter relatado processos de liberação comercial somente quando recorreu a um recurso regimental – o pedido de vistas – e assim conseguiu participar do debate. Porém, havia pouco tempo para a leitura dos pareceres e faltava disposição dos demais membros para os argumentos divergentes.

Doutor em Ciências Econômicas e Sociais pela Universidade de Osnabrück, na Alemanha, e pós-doutorado pela Universidade Johannes Kepler, de Linz, na Áustria, Antônio Andrioli é professor do mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Laranjeiras do Sul (PR), na qual é vice-reitor. Nomeado para o primeiro mandato em 3 de novembro de 2011, ele conta que sempre se sentiu rejeitado na CTNBio. Conforme acredita, uma das razões seria o fato de estar entre os organizadores do livro Transgênicos: as sementes do mal.

“Um dos membros chegou a dizer que eu estaria sendo financiado pelo Greenpeace e pelo príncipe Charles, por ter atuado durante sete anos na Europa antes de ingressar na CTNBio”, lembra.

Em 2009, ele denunciou o governo brasileiro à Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, por causa do assassinato de um sem-terra no parque Nacional do Iguaçu. Andrioli também ficou conhecido por ter participado do  documentário alemão Verdade Comprada: a transgenia no campo magnético do dinheiro. Dirigido pelo cineasta alemão Bertram Verhaag, a obra conta a história da perseguição a cientistas que pesquisam transgênicos.

Ameaças

“Fui ameaçado, agredido, tive meu currículo vasculhado várias vezes e cheguei a receber correspondência oficial do CNPq exigindo que eu provasse a existência dos mais de 50 artigos que publiquei em alemão, conforme meu currículo Lattes. Consegui atender ao prazo apertado por meio de contatos contatos com revistas e instituições na Alemanha e na Áustria e à disponibilidade eletrônica da maioria dos artigos.”

Voto contrário à liberação de biotecnologias justamente pela falta de pesquisas que demonstrem a segurança à saúde e meio ambiente, como os mosquitos transgênicos da Oxitec, entre outros, Andrioli relata também manobras dentro da comissão para impedi-lo de participar das votações. Em 2013, no início do segundo mandato, estavam em análise plantas tolerantes ao herbicida 2,4-D da Dow Agroscience. O grupo contrário a essas possíveis liberações, do qual ele fazia parte, levou o caso ao Ministério Público Federal (MPF).

Em represália, ele teve seu nome colocado fora da pauta de votação da soja resistente ao herbicida 2,4-D e ao herbicida glufosinato de amônio, que fazia parte do pacote. Andrioli era o único que podia pedir vistas do processo, uma vez que outros integrantes, José Maria Ferraz e Leonardo Melgarejo, eram relatores. “Atrasaram minha nomeação para facilitar o andamento do processo. Isso causou o maior alvoroço, porque não aceitei a condição de ser apenas convidado e passei a usar a palavra que me foi retirada”, conta.

Indicado pelo então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Andrioli só conseguiu viajar a Brasília porque o gabinete da pasta providenciou as passagens aéreas – o que foi negado pela secretaria executiva da CTNBio, que alegava que o mandato havia expirado. “A estratégia não deu certo. Saí da reunião e fui direto procurar o ministro do MDA, que colocou como condição para restabelecimento do entendimento com o então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) a retirada daquela matéria da pauta. Com isso, foi possível obter mais tempo para o debate sobre o processo de liberação, que só aconteceu anos mais tarde”, disse.

Presidida pelo agrônomo Edivaldo Domingues Velini, a CTNBio vem sendo questionada por procuradores da Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF), que querem mais objetividade, transparência e conduta ética da comissão, para que interesses públicos e particulares dos integrantes não tragam prejuízo à sociedade brasileira. Na reunião desta quinta-feira, foram anunciadas mudanças nas regras relativas à aprovação de transgênicos. O direito de abstenção foi abolido, ficando os integrantes obrigados a manifestar seus votos favoráveis ou contrários.

Em resposta ao pedido de entrevista para esclarecer esses e outros pontos com o presidente do órgão, a assessoria de imprensa da CTNBio foi lacônica: se limitou a informar que Andrioli teve seu mandato encerrado, procedimento que ocorreu de forma democrática, inclusive com tempo necessário para pronunciamento deste no âmbito da comissão. E que as mudanças no seu regimento interno devem ser propostas pela própria comissão e aprovadas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações.

“O processo de revisão do regimento encontra-se em andamento há dois anos, com o atendimento de todos os requisitos legais e garantia de participação democrática dos membros. Ele será encerrado quando for possível construir consenso sobre várias questões. Como trata-se de uma norma  extensa e complexa, que deve atender aos regramentos legais vigentes no país, a revisão está sendo feita com o devido cuidado e ampla transparência”.

Fonte – Cida de Oliveira, RBA  de 06 de outubro de 2017

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