Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Sustentabilidade e o princípio da precaução
Os princípios são utilizados como diretrizes fundamentais pelas práticas jurídicas. Fornecem os fundamentos para a criação de leis e são a essência das normatizações no direito. O Direito Ambiental visa a manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do meio antrópico com as dimensões físicas e biológicas do meio natural e possui alicerces próprios, que são decorrentes não apenas de um sistema normativo ambiental, mas também do sistema de direito positivo em vigor.
Dentre os diversos princípios do Direito Ambiental, se destacam os princípios da prevenção e da precaução.
O princípio da prevenção se caracteriza pela prioridade que deve ser dada para as medidas que evitem o estabelecimento de atentados para as condições ambientais que se considera em equilíbrio, de maneira a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar sua qualidade.
Pelo princípio da prevenção, é permitida a instalação de uma determinada atividade ou empreendimento, mas impedindo que esta ação antrópica cause danos futuros, por meio de medidas mitigadoras ou de caráter preventivo que se comprovem eficazes e eficientes através de ações de monitoramento propostas pelo empreendedor e aprovadas pelo órgão licenciador.
Paulo de Bessa Antunes ressalta que existe “um dever jurídico-constitucional de considerar as condições do meio ambiente quando se for implantar qualquer empreendimento econômico”.
Conforme este doutrinador, a Carta Magna obriga todo empreendedor a proteger o meio ambiente ao exercer sua atividade econômica, razão pela qual se conclui que o princípio da prevenção impõe o equilíbrio entre o desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental. Sempre se busca a manutenção o equilíbrio ecossistêmico e da homeostase ambiental como premissas da sustentabilidade obtida com equidade social, eficiência econômica e preservação ambiental.
O princípio da precaução, por outro lado, é um estágio além da prevenção. A precaução argumenta que não se deve permitir a realização do empreendimento, se houver risco de dano irreversível. Objetiva a adoção de medidas de vigilância, por parte do Estado e de particulares, para evitar danos futuros, quando incertos e não-comprovados, cujo resultado não possa imediatamente ser avaliado.
Isto não está caracterizado nas condições de prevenção, onde não se avalia risco e se busca apenas estabelecer uma compatibilização entre a atividade e a preservação ambiental.
Assim, pelo princípio da precaução, quando existe risco ou incerteza científica sobre a ocorrência ou possibilidade de dano ambiental, o empreendimento ou a atividade sequer podem e devem ser licenciadas para implantação. A nebulosidade e a complexidade de muitas situações, que são de difícil apropriação, exigem a aplicação deste princípio como fiador da preservação das condições de sustentabilidade.
O ordenamento jurídico brasileiro é bastante explícito sobre a indissociabilidade dos temas concernentes à saúde e ao meio ambiente. E para tanto emprega em defesa da qualidade ambiental e qualidade de vida do povo, os princípios da prevenção e precaução. Um para viabilizar as condições de preservação ambiental. E outro para evitar ações impactantes quando explicitamente comprovadas.
A utilização adequada destas concepções, cada uma em conformidade com as características da situação, é garantia e condicionante prévia para a evolução dos conceitos de sustentabilidade. Se as premissas não são respeitadas, condições posteriores de desequilíbrio podem determinar arranjos que não são mais passíveis de controle ou compatibilização.
O princípio da precaução é um dos vetores de proteção socioambiental previstos na dimensão jurídica. A aplicação criteriosa do princípio da precaução pressupõe sua adequação à proporcionalidade, e a efetivação da disseminação da informação ambiental para fundamentar o debate democrático amplo acerca dos riscos que devem ser evitados pela incerteza das suas consequências.
A Internet, como nova esfera pública, pode se constituir em instrumento essencial à concretização desta demanda do princípio da precaução.
O princípio da precaução é uma das três diretrizes estruturantes do direito ambiental alemão (KLOEPFER, 2004). A análise de sua origem, desenvolvimento e principais aspectos, mostra analogia de exegese requerida pela hermenêutica, no direito brasileiro (FREITAS, 2006; MACHADO, 2007; LEITE e AYALA, 2004, alemão (KLOEPFER, 2004; REHBINDER, 1994), norte-americano (SUNSTEIN, III JORDAN e O’RIORDAN, 2008) e francês (EWALD, GOLLIER e SADELEER, 2001; KOURILSKY e VINEY, 2000; GODARD, 2000).
Este instituto jurídico foi concebido e evoluído no direito ambiental alemão, no controle de emissão de poluentes, a partir da década de 70 do século passado, a partir da noção de que eram necessárias medidas de proteção e preservação do ambiente em face de riscos plausíveis de dano futuro, mesmo que ainda não cientificamente comprovados e confirmados.
O desenvolvimento do princípio da precaução marcou a adoção de uma política de preservação ambiental eminentemente preventiva, contraposta àquela repressiva (REHBINDER, 1994).
A positivação do princípio ocorreu em vasto número de documentos legais internacionais, sendo seu principal marco jurídico internacional a expressa previsão no Princípio 15 da Declaração das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, de 1992.
No direito brasileiro é explicitamente referido na Lei de Biossegurança, de 2005, e implicitamente positivado na Constituição de 1988.
A aplicação do princípio enfrenta obstáculos, como a abstração do instituto, e que dificulta uma conceituação precisa (MACHADO, 2007); a impossibilidade de definição dos riscos que devem ser evitados e de como deve se dar esse combate (EWALD, GOLLIER e SADELEER, 2001); o perigo real do uso de versão desproporcional do princípio (SUNSTEIN, 2008); e a necessidade de respeito à proporcionalidade (SILVA, 2002; CANOTILHO, 2003; ÁVILA, 2004; SARLET, 2005).
Os mecanismos de informação e democratização podem calibrar a proteção adequada, na aplicação do princípio da precaução para viabilizar posteriormente condições satisfatórias de evolução das condições de desenvolvimento sustentável.
A informação é um meio de disseminação dos conhecimentos acerca dos riscos, alertando e conscientizando a população em geral e contribuindo para determinações de sínteses dialéticas fundamentadas, utilizando e agregando conhecimentos formais, culturas tradicionais e toda forma de contribuição (KOURILSKY e VINEY, 2000).
A necessidade da devida disseminação da informação ambiental, bem como a imprescindibilidade do debate acerca dos riscos que enfrentam a sociedade e o planeta, implicam em grandes desafios e paradigmas de nosso tempo.
Quando se aborda sustentabilidade dentro de acepções gerais, são consideradas as apropriações ecodesenvolvimentistas do economista Ignacy Sachs. Eficiência econômica, equidade social e preservação ambiental.
Mas no direito foram se desenvolvendo abordagens próprias, chamadas de princípios ou diretrizes, que se fundamentam nas características peculiares e de raciocínio hermenêutico, próprios da natureza jurídica.
Conforme exaustivamente dissecado, na prevenção ocorre que em vez de avaliar os danos e executar sua reparação, é estimulado que se evite sua ocorrência, controlando as respectivas causas. Metodologias de controle devem ser integradas nas atividades, permitindo identificar ações com impactos deletérios na qualidade de vida da comunidade.
No princípio da precaução próprio da sociedade complexa e de risco que se vive, sempre que se verifique a possibilidade de ocorrência de efeitos que gerem desarmonia significativa e irreversível, a ausência de certeza científica não deve ser utilizada para justificar adiamentos de medidas preventivas de degradação ambiental, que no caso são de inibição do empreendimento.
Ao contrário da interpretação primária e primitiva realizada por muitos empreendedores com grande carência escolar, o princípio do poluidor-pagador não constitui passaporte pago para a destruição ambiental. Este é apenas um princípio específico, prevendo a obrigatoriedade do poluidor em corrigir ou recuperar o ambiente já afetado, não sendo permitido continuar a ação poluente.
O princípio da cooperação determina a procura de soluções em clima de consertação social, com outros atores locais, nacionais ou internacionais para os problemas de ambiente e de gestão dos recursos naturais que venham a ser identificados. A cooperação inicial entre todas as partes interessadas no processo de planejamento e implementação de políticas, planos e projetos pode atenuar alguns obstáculos que se identifique.
A diretriz de integridade ecológica evolui a partir dos conceitos dos ecossistemas urbanos, buscando avaliar ambientes construídos artificialmente do mesmo modo que os ecossistemas no mundo natural. Nesta apropriação, sustentabilidade significa que não se pode aumentar as necessidades indefinidamente. Políticas têm que ser formuladas e implantadas de forma participativa, de modo a assegurar uma proteção adequada da biodiversidade e da manutenção dos principais processos ecológicos e dos sistemas que suportam a vida.
Aplicado em normatizações e no aprimoramento de situações de vida, o princípio da melhoria contínua determina a necessidade do desenvolvimento de políticas, planos e projetos dinâmicos, flexíveis e participativos, reconhecendo a necessidade de adaptações e alterações, seguindo uma lógica de progressão contínua rumo à sustentabilidade. A este princípio estão associados os conceitos de avaliação e monitoramento constante de todas as situações.
A diretriz da equidade intra e entre geracional, propugna a necessidade de assegurar a melhoria da qualidade de vida da população em geral, tanto nas gerações atuais, como nas futuras.
O princípio da integração determina a criação dos meios adequados para assegurar a conexão das políticas de crescimentos econômico, bem estar social e de conservação da natureza, tendo como finalidade o desenvolvimento integrado, harmônico e sustentável. É inspirada em Ignacy Sachs.
A diretriz de participação democrática propõe que a sustentabilidade deve ser fomentada por processos participativos, que permitam que a comunidade integralmente tenha o mesmo envolvimento no processo de tomada de decisão e participação satisfatória nas resultantes das intervenções sociais.
O princípio da subsidiariedade implica que as decisões devem ser tomadas ao nível de decisão o mais próximo possível do cidadão. Embora simples, tal proposição representa uma aproximação com demandas sociais de avaliação intangível.
O princípio do envolvimento comunitário e transparência, reconhece que a sustentabilidade não pode ser alcançada, nem pode haver um progresso significativo nesse sentido, sem o suporte e o envolvimento de toda a comunidade. O processo de tomada de decisão deve ser claro, explícito e público.
Por fim, o princípio da responsabilização aponta para que os agentes sejam protagonistas das suas ações, direta ou indiretamente sobre os recursos naturais finitos e sobre as vulnerabilidades das complexas inter-relações ambientais.
Referências
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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte – EcoDebate de 17 de outubro de 2017
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Danielle