Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Selva de pedra? Biólogos encontram mil espécies de animais silvestres na cidade de São Paulo
O tucano-toco está entre os animais encontrados na capital paulista | Foto: Anelise Magalhães/SVMA
Nem só de pombas, ratos, urubus e baratas é composta a fauna do munícipio de São Paulo, que abriga a maior cidade da América do Sul, com 11,5 milhões de habitantes. Em suas praças e parques e matas dos arredores da mancha urbana podem ser vistos animais que muita gente acredita que só são encontrados na Amazônia ou no cerrado – até mesmo onças.
Para ficar apenas entre os mamíferos, há ainda antas, porcos-do-mato, veados-catingueiros, preguiças-de-três-dedos, tamanduás-mirins, muriquis-do-sul (o maior primata da América do Sul), lontras, tatus-peba e cachorros-do-mato. No total, existem 1.113 espécies silvestres registradas no Inventário da Biodiversidade do Município de São Paulo – 2016, da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA).
A descoberta é resultado de um trabalho que começou em 1993, na Divisão de Fauna do Departamento de Parques e Áreas Verdes (Depave) da secretaria. Na linha de frente do trabalho estava – e está até hoje – a bióloga Anelise Magalhães, formada um ano antes e contratada por concurso logo em seguida.
“Naquele ano, realizamos o trabalho em apenas três parques, Ibirapuera, do Carmo e Alfredo Volpi”, lembra. “Para a lista atual, fizemos os registros em 138 localidades do município de São Paulo.” Também entraram no inventário os animais feridos ou capturados pela população entregues ao departamento.
Araponga e macaco da espécie Callithrix fazem parte da lista | Foto: Marcos Kawall e Daniel Perrella/SVMA
Na lista estão animais pertencentes a seis grupos de invertebrados e cinco de vertebrados.
Dentre os primeiros são moluscos, crustáceos decápodes (caranguejos e camarões), quilópodes (lacraias), aracnídeos (carrapatos, aranhas e escorpiões) e insetos (borboletas, besouros, baratas, mosquitos, abelhas, percevejos, formigas, vespas, cupins, grilos e pulgas). A relação dos segundos contém peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos.
Onça-parda fotografada em 2010 pela equipe da secretaria | Foto: SVMA
Os levantamentos não pararam de ser ampliados e geraram sete listas até agora, que foram divulgadas em 1998, 1999, 2000, 2006, 2008 e 2010 e 2016, cada uma com um número de espécies maior do que a anterior. A de 2010, por exemplo, continha apenas 700.
Surpresas
Além disso, cada inventário apresentou surpresas, animais que não se supunha que vivessem em São Paulo. “Nós nos surpreendemos com a biodiversidade que existe na maior cidade da América do Sul”, diz Magalhães. “Não era esperado, porque o processo de urbanização acaba com o ambiente natural e afeta muito a fauna e a flora.”
As pombas de asa-branca estão entre as espécies que se proliferaram na zona urbana da capital | Foto: SVMA
A novidade do inventário de 2010, ela diz, foi o registro do muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides), também conhecido como mono-carvoeiro, uma espécie endêmica da Mata Atlântica. Com quase 1,60 m de comprimento, do nariz à ponta da cauda, e pesando até 15 kg, é o maior primata não humano das Américas.
Sua descoberta em São Paulo é importante para sua preservação, pois ele é considerado uma espécie em perigo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), principalmente por causa da destruição e fragmentação de seu habitat natural e pela caça ilegal.
No levantamento de 2016, por sua vez, a grande surpresa foi o registro de uma onça-pintada (Panthera onca), cuja imagem foi captada, em janeiro, por uma armadilha fotográfica instalada no chamado Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar, no extremo sul da capital paulista. A câmara havia sido colocada no local pelo Instituto Pró-Carnívoros, um parceiro do projeto.
Em anos anteriores, já havia sido detectada na mesma região a presença da onça parda ou puma (Puma concolor capricornensis). A presença desses grandes mamíferos e outros animais exigentes ecologicamente na área indica que ela está mais preservada do que se imaginava.
População de avoantes cresceu na capital nos últimos 20 anos | Foto: Anelise Magalhães/SVMA
Além do cinturão verde
Mas não é só nas matas fechadas e áreas protegidas no chamado cinturão verde nos extremos da capital paulista que se encontram animais silvestres. As áreas verdes localizadas na mancha urbana também servem de refúgio e habitat para muitas espécies, principalmente de aves.
Pássaros típicos de vegetação mais densa, como a araponga (Procnias nudicollis) e o pavó (Pyroderus scutatus), parentes próximos, já foram registrados em parques como Aclimação, Buenos Aires, Burle Marx, Ibirapuera, da Independência e Villa-Lobos.
Em alguns desses locais também foi observado o tucano-toco (Ramphastos toco), conhecido como tucano-grande ou tucanuçu, que é característico do cerrado.
Por ser um trabalho de longo prazo, o levantamento do Denave possibilitou descobertas que de outra forma não ocorreriam. Uma delas é a chegada à cidade e proliferação de algumas espécies, antes raras, e a diminuição da presença de outras.
No primeiro caso, estão as pombas asa-branca (Patagioenas picazuro) e avoante (Zenaida auriculata), comuns no cerrado e na caatinga, mas que se adaptaram muito bem na zona urbana da capital paulista.
No início dos levantamentos, em 1993, elas quase não eram vistas na cidades e hoje são comuns. “Em contrapartida, temos a impressão de que a população de rolinhas (Columbina talpacoti) está diminuindo”, acrescenta Magalhães.
Aves como o pavó foram vistas nos parques da Aclimação, Buenos Aires, Ibirapuera e Villa-Lobos | Foto: Marcos Kawall/SVMA
Importância das praças
Além da descoberta de um grande número de animais silvestres vivendo em São Paulo, o trabalho coordenado pela bióloga serviu também para mostrar a importância que áreas verdes, como os parques e praças, têm para manter essa grande biodiversidade, principalmente das aves, boas indicadoras da saúde ecológica de um ambiente.
Formados por uma vegetação heterogênea, que reúne árvores nativas e exóticas, eles servem como viveiros naturais para espécies que necessitam de sombreamento e ponto de parada para alimentação e descanso durante os deslocamentos.
“Também servem como trampolins para as aves alcançarem áreas verdes maiores, mais afastadas da cidade”, diz ela. “A malha de parques e praças urbana tem maior relevância ecológica do que se pensava.”
O inventário não é apenas uma relação curiosa dos animais selvagens que habitam São Paulo. Ele fornece subsídios para que sejam criadas estratégias de conservação da biodiversidade na metrópole. Serve ainda de embasamento científico para políticas públicas de monitoramento e conservação ambiental.
“Com esses levantamentos, começamos a conhecer a fauna de São Paulo e saber onde ela se encontra”, ressalta. “Essas listas servem para escolher áreas prioritárias para preservação e ajudam a mostrar as que têm importância. Esperamos também que os dados sejam utilizados em programas de educação ambiental e em pesquisas sobre ecologia urbana, por exemplo.”
Fonte –
17 de outubro 2017
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