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Querem fazer com a Amazônia o que fizeram na floresta com Araucária

Sobrou muito pouco da Floresta com Araucária. Foto: Mauroguanandi/Flickr.Sobrou muito pouco da Floresta com Araucária. Foto: Mauroguanandi/Flickr.

A história da floresta com Araucária é um relato de destruição. Em um século, 99% de sua cobertura desapareceu, em meio a indiferença do público quanto a real dimensão do que se perdeu. É por causa dessa mata que o empresário Giem Guimarães se tornou ambientalista e fundou, há pouco mais de dois anos, o Observatório de Justiça & Conservação.

Um dos fundadores do Instituto Positivo, que atua na área de educação, Guimarães também acumula a função de conselheiro da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) há mais de quinze anos. É conselheiro e fundador do Instituto Life, que lida com certificação da biodiversidade, e foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do Programa de Desmatamento Evitado do grupo Positivo, que mantêm a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Mata do Uru, na Lapa (PR), uma área de 128,67 hectares que abriga remanescentes da Floresta com Araucárias e Campos Naturais.

((o))eco: Como nasceu o Observatório de Justiça & Conservação e o que ele defende?

O Observatório nasceu da minha indignação. Os paranaenses assistiram à destruição da Floresta com Araucária em menos de cem anos. Restam menos de um 1% de área com esse ecossistema em bom estado de conservação no estado. Estamos falando de 99% de destruição. E o poder público local, ao invés de reconhecer a importância do que sobrou, tem tido uma atitude no sentido oposto.

No Paraná, a bancada ruralista domina o poder Legislativo e Executivo estadual e não é de hoje. Há gerações a bancada se fortalece através de famílias tradicionais que enriqueceram com a destruição dessa floresta. Então, é muito difícil a retirada desse status quo, dessa classe dominante e os órgãos ambientais estão totalmente aparelhados. Há anos, a Federação de Agricultura do Estado do Paraná (FAEP-PR), que também é uma ONG [Organização Não Governamental], por mais irônico que possa parecer, tem tremendo poder de influência sobre o governo do estado.

Então, baseado nesse histórico de inação e desserviço prestado pelos gestores públicos locais para com meio ambiente, nasceu a proposta do Observatório, pensado inicialmente para apoiar iniciativas de conservação do que sobrou de Floresta com Araucária e Campos Naturais, outro ecossistema associado à Mata Atlântica extremamente ameaçado de extinção.

E por que unir Justiça com Conservação?

Justiça porque entendemos que apenas com ações jurídicas poderemos restabelecer o mínimo em termos de política de conservação no estado do Paraná, que é um verdadeiro caso de polícia.

Um exemplo, é o órgão ambiental paranaense que se chama IAP (Instituto Ambiental do Paraná). O IAP possui aproximadamente 20 regionais. Nós fizemos uma pesquisa rápida e identificamos que, aproximadamente, 50% dos gerentes dessas regionais têm alguma passagem pela polícia ou respondem a processos judiciais relacionados a alguma espécie de improbidade. São cargos comissionados indicados por deputados, prefeitos, enfim, por pessoas influentes do governo, seja do Legislativo ou Executivo. Salvo honrosas exceções, esses cargos comissionados são preenchidos por pessoas que não possuem qualquer formação técnica ligada ao meio ambiente. É assim que se estrutura no interior do estado do Paraná a fiscalização ambiental.

A atuação do Observatório também está muito ligada à comunicação. Quando eu falo de comunicação, refiro-me ao jornalismo investigativo e também à educação. Há uma enorme carência de informações nessa área, por isso, entendemos que é fundamental levar esses conteúdos ao público em geral, até para que possam melhor exercer sua cidadania.

A ideia do documentário está dentro dessa estratégia de comunicação?

Sim. Totalmente. Na verdade, o documentário “Os Últimos Campos Gerais” foi fruto de uma ideia maior: de um filme que trata da destruição da Floresta com Araucária no Brasil (RS, SC, PR, SP, MG e RJ) que, por enquanto, tem o título provisório “A floresta esquecida”. E por que esquecida? Porque muito pouco se fala do que foi feito aqui no Sul do Brasil, seja no âmbito público ou nas escolas. É um assunto pouco abordado e quando isso é feito é de maneira absolutamente superficial. Episódios como a Guerra do Contestado (1912 – 1916), as políticas desenvolvimentistas equivocadas do início do período republicano e outros fatos cruciais que marcaram a história brasileira, não recebem a atenção merecida.

É uma história que precisa ser relembrada?

Sim. Precisa ser não apenas recontada, mas entendida num contexto maior. Sobre de que maneira ela forjou nossa identidade, quais foram seus grandes erros e o que podemos aprender para que isso não se repita. Hoje, dramas idênticos estão ocorrendo na Amazônia. O que nós fazemos na Amazônia não é novidade. É repetição do que houve no Sul, onde uma floresta milenar, riquíssima, foi devastada no intervalo de um século. É até difícil de explicar para um leigo a extensão da riqueza que se perdeu aqui em virtude de décadas de abuso irresponsável, leniência e total conluio oficial na falta de fiscalização e cumprimento na Lei.

E por que essa ideia foi abortada?

“O governo do Paraná resolveu apoiar um projeto de lei [o 527/2016] cuja proposta é reduzir quase 70% da maior Área de Proteção Ambiental (APA) do sul do Brasil, que é a APA da Escarpa Devoniana, localizada na região dos Campos Gerais. O que é um absurdo e afeta, justamente, parte significativa do pouco que restou de floresta com Araucária no estado.”

No meio do caminho, o governo do Paraná resolveu apoiar um projeto de lei [o 527/2016] cuja proposta é reduzir quase 70% da maior Área de Proteção Ambiental (APA) do sul do Brasil, que é a APA da Escarpa Devoniana, localizada na região dos Campos Gerais. O que é um absurdo e afeta, justamente, parte significativa do pouco que restou de Floresta com Araucária e Campos Gerais no estado. É surreal. Algo estapafúrdio e impensável, mas o governo do Paraná resolveu apoiar esse projeto. Foi quando demos uma pausa na proposta de contar a história de floresta esquecida e, com a mesma produtora, e aproveitando insights do roteiro inicial que desenhamos para abordar a história maior, criamos um curta-metragem explicando o que está por trás dessa intenção. Apesar da intensa mobilização popular acerca do tema – 80 mil e-mails já foram enviados pela sociedade aos deputados pedindo a rejeição do projeto de lei – eles serão obrigados a reconhecer que a população não apoia o projeto. Várias ilegalidades foram cometidas nesse processo e elas estão vindo à tona.

Então, esse documentário maior que está sendo realizado para ser um longa, ele ainda está sendo produzido?

Ele está em fase inicial, até porque tivemos que alterar o foco, mas ele está sendo produzido e, se der tudo certo, até o final do ano que vem deve estar pronto.

Como está sendo a recepção do minidocumentário “Os Últimos Campos Gerais”?

A repercussão tem sido enorme, surpreendente. O documentário está servindo para levantar uma série de questões com relações profundas com a própria identidade regional. A mobilização alcançou milhares de pessoas, inclusive uma parcela de artistas talentosíssimos. Artistas mobilizaram-se na confecção de uma música de arrepiar. E um clipe, que acabamos produzindo junto com eles. A música, que acompanha o documentário “Os Últimos Campos Gerais”, chama-se: “Pare, Preste Atenção!” e já virou hino em defesa da conservação da biodiversidade no Paraná. O clipe, assim como o filme, convida o espectador a entender mais sobre o assunto e a enviar e-mails aos deputados. É claramente uma espécie de convite ao exercício da cidadania, o que tem gerado uma grande repercussão. O clipe e o filme podem ser vistos no hotsite www.osultimoscamposgerais.com.br, na página do Observatório de Justiça e Conservação no Facebook e em nosso canal no YouTube.

Fonte – Daniele Bragança, O Eco de 04 de dezembro de 2017

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