Por Elton Alisson - Agência FAPESP - 19 de abril de 2024 - Cerca de 90% da…
Preservação e conservação da natureza
“É triste pensar que a natureza fala e que a humanidade não a ouve”
Victor Hugo (1802-1885)
Preservar e conservar o meio ambiente são tarefas essenciais, pois a humanidade depende da natureza e não o contrário. As atividades econômicas necessárias para a sobrevivência do ser humano e a expansão do bem-estar das pessoas dependem da saúde dos ecossistemas. Sem ECOlogia não há ECOnomia.
Preservação e conservação são termos diferentes, mas que podem ser equacionados em uma visão holística de sustentabilidade ecocêntrica. Preservação quer dizer proteção integral, ou seja, manter um determinado ecossistema intacto e sem interferência da ação humana (áreas anecúmenas). Conservação significa exploração das riquezas naturais, com avaliação de custos e benefícios, garantindo a sustentabilidade para as atuais e futuras gerações (áreas ecúmenas).
O grande problema do mundo atual não é a diferença entre preservação e conservação, mas sim a predominância generalizada da degradação ambiental. O crescimento das atividades antrópicas aumentou muito desde o início do capitalismo industrial, energizado pelos combustíveis fósseis. Segundo o site Our World in Data, em 1820, cerca de 94% da população mundial vivia abaixo da linha da extrema pobreza, contra menos de 10% atualmente.
Mas o crescimento exponencial ganhou momento depois da “grande aceleração” que aconteceu após a 2ª Guerra Mundial. A população mundial passou de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 para 7,5 bilhões em 2017. Enquanto a população mundial triplicou de tamanho, a economia internacional foi multiplicada por 12 vezes. A renda per capita subiu 4 vezes. Ou seja, em 2016 havia 3 vezes mais gente no mundo, do que em 1950, e cada pessoa ganhava e consumia, em média, 4 vezes mais bens e serviços. Isto significa mais exploração e extração de recursos da natureza e mais poluição e descarte de resíduos tóxicos, sólidos e líquidos.
A humanidade ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. A Global Footprint Network mostra que em 1961 havia superávit ambiental no mundo e as atividades antrópicas ocupavam apenas 73% da biocapacidade da Terra. Mas, com a “grande aceleração” do Antropoceno, a reserva ecológica foi sendo reduzida e, a partir de 1970, o superávit se transformou em déficit ambiental. Em 2013, a pegada ecológica per capita do mundo subiu para 2,87 gha e a biocapacidade caiu para 1,71 gha. As atividades antrópicas passaram a utilizar 168% da biocapacidade, ou seja, o déficit ambiental chegou a 68%, em 2013, e continua crescendo.
Segundo o Stockholm Resilience Centre a humanidade já ultrapassou 4 das nove fronteiras planetárias. Duas delas, a Mudança climática e a Integridade da biosfera, são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o equilíbrio homeostático do Sistema Terra ao colapso.
Assim, o rumo atual da economia internacional é insustentável, pois o progresso humano ocorre às custas do retrocesso ambiental e sem os serviços ecossistêmicos e as contribuições da biodiversidade é impossível manter o alto padrão de vida humana. Portanto, é preciso preservar as áreas anecúmenas e conservar as áreas ecúmenas. Além disto, é preciso ampliar as áreas anecúmenas (aumentar as áreas preservadas e sem a presença humana) e decrescer as áreas ecúmenas (conservando da melhor maneira possível o meio ambiente nas áreas com exploração antrópica sobre o meio ambiente).
Por exemplo, não faz sentido, do ponto de vista da sustentabilidade, liberar a exploração de minério e de petróleo no Ártico, na Antártica e nos parques nacionais. Assim como não faz sentido aumentar a presença humana em territórios selvagens, quando o mundo caminha para a 6ª extinção em massa das espécies.
As correntes que defendem a conservação ambiental são aquelas acreditam ser possível conciliar o desenvolvimento econômico com a sustentabilidade ambiental. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) se encaixam nesta perspectiva. Porém, está cada vez mais difícil conciliar desenvolvimento com sustentabilidade, pois:
– A concentração de CO2 já ultrapassou 400 ppm em 2014 e ultrapassou 410 ppm em abril de 2017. O nível seguro é 350 ppm;
– A temperatura média global do Planeta já ultrapassou 1,1 graus em relação ao período pré-industrial e o mundo caminha para a maior temperatura dos últimos 5 milhões de anos;
– A última vez que a temperatura ultrapassou 2 graus o nível do mar subiu 6 metros. Existem 2 bilhões de pessoas que vivem em áreas até 2 metros do nível do mar;
– O degelo conjunto do Ártico e da Antártica bateu todos os recordes de baixa em março de 2017;
– A acidificação dos oceanos está matando a vida marinha e um exemplo é a Grande Barreira de Corais da Austrália. Há sobrepesca e depleção dos estoques de peixe;
– Os oceanos terão mais plásticos do que peixes em 2050;
– Houve queda de 58% na população de animais selvagens no mundo entre 1970 e 2012. Até 2020, a perda pode alcançar a impressionante cifra de dois terços. Ou seja, 2 em cada 3 animais estarão extintos num período de 50 anos;
– A degradação do permafrost pode liberar metano e CO2 capaz de gerar uma situação apocalíptica.
Diante deste quatro de degradação ambiental fica difícil acreditar na possibilidade de manter o rumo do desenvolvimento com a conservação ambiental. O atual impasse que o mundo passa hoje poderia ter sido evitado se tivesse os autores do século XIX que alertaram para os perigos da racionalidade instrumental que via a natureza apenas como meio de enriquecimento humano, sem se importar com os direitos intrínsecos da natureza. O enriquecimento humano não pode se dar em função do empobrecimento ecológico.
O ser humano não tem uma relação simbiótica com a natureza. As abelhas, por exemplo, sugam a seiva das flores, mas não as destroem. Ao contrário, elas são polinizadoras. Quanto mais abelhas sugarem o néctar das flores, mais flores nascerão do processo de polinização. Mas o ser humano tem uma relação parasitária com a natureza, pois para se multiplicar causa prejuízo a outras espécies e aos ecossistemas hospedeiros. A espécie humana é do gênero ectoparasita. Um ectoparasita que está matando o seu próprio hospedeiro. A humanidade vive do parasitismo ecológico e está provocando um holocausto biológico.
Autores como Alexander von Humboldt (1769-1859), Henry David Thoreau (1817-1862) e John Muir (1838-1914) foram grandes defensores da natureza, da preservação ambiental e de uma relação mais simbiótica entre todos os seres vivos da Terra. Estes autores também foram inspiradores da Ecologia Profunda (Deep Ecology), que é uma corrente preservacionista.
A Ecologia Profunda é um conceito filosófico que considera que todos os elementos vivos da natureza devem ser respeitados, assim como deve ser garantido o equilíbrio da biosfera. O termo surgiu quando, em 1972, foi publicado o artigo “The shallow and the deep, long range ecology movement. A summary”, do filósofo e ambientalista norueguês Arne Naess (1912-2009). Ele distinguiu as correntes ambientais entre movimentos superficiais ou rasos (com tendência antropocêntrica e egocêntrica) e movimentos profundos (não antropocêntricos, mas ecocêntricos). Os movimentos rasos (ou maquiagem verde) limitam-se a tentar minimizar os problemas ambientais e garantir o enriquecimento das sucessivas gerações humanas (a despeito do empobrecimento da natureza), enquanto a Ecologia Profunda vai na raiz dos problemas ambientais e defende os direitos de toda a comunidade biótica.
Na definição do físico, ambientalista e escritor Fritjof Capra (nascido em 1939): “A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de ‘uso’, à natureza. A ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra coisa – do meio ambiente natural. Ela vê o mundo, não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida”.
Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97 por cento. O biólogo da Universidade de Harvard, Edward Osborne Wilson acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a “extinção em massa de espécies”, ele propõe uma estratégia para destinar METADE DO PLANETA exclusivamente para a proteção dos animais. Isto significa preservar metade da área do planeta e conservar a outra metade. É preciso reselvagerizar o mundo.
Desta forma, preservação ambiental não é “mito moderno da natureza intocada”, mas sim uma postura ética de respeito à natureza e a favor da sustentabilidade ecocêntrica. A conservação é importante na perspectiva de diminuição das áreas ecúmenas, por meio do decrescimento demoeconômico.
Preservar a natureza e conter a expansão humana sobre os ecossistemas visa não só evitar o ecocídio, mas também evitar o suicídio, pois a humanidade não pode viver sem a natureza e sem respeitar o equilíbrio homeostático do clima.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.
Fonte – EcoDebate de 20 de dezembro de 2017
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