Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Alimentos in natura, processados e ultraprocessados: conheça-os e entenda as diferenças
O milho in natura, o enlatado e o salgadinho são exemplos de um mesmo alimento em distintas fases de processamento
A história do processamento de alimentos tem início a partir da necessidade (datada de muito tempo atrás) que a humanidade tinha de conservar os alimentos pelo maior tempo possível, de modo a garantir a sobrevivência em períodos de escassez, como em invernos ou secas rigorosas.
Os primeiros elementos utilizados para conservar alimentos foram o calor do sol, o fogo e o gelo (em regiões em que as temperaturas eram mais baixas). Porém, a data específica de quando o homem iniciou os processos de conservação se perde na historia. Estudos arqueológicos em cavernas da China supõem que o homem de Pequim, entre 250 mil e 500 mil anos atrás, já utilizava o fogo para se aquecer e esquentar ou cozinhar carnes e vegetais crus. Com o passar do tempo, novas técnicas foram sendo desenvolvidas para conservar os alimentos, como a pasteurização, a liofilização, adição de conservantes naturais (sal, açúcar, azeite, entre outros). Atualmente, chegamos a um patamar em que as tecnologias utilizadas pela indústria de alimentos vão muito além da conservação dos alimentos – hoje temos alimentos disponíveis que agregam praticidade e satisfação, mas não necessariamente a função de suprir as necessidades nutricionais do homem.
A grande maioria dos alimentos que consumimos atualmente passa por algum tipo de processamento – a definição de processamento é dada pelo conjunto de métodos que tornem os alimentos comestíveis, garantam a segurança alimentar e conservem os alimentos por um determinado período. Muitas vezes o processamento de um determinado alimento é indispensável para a garantia de que não haverá intoxicação alimentar ao consumi-lo. Um exemplo é o processamento do palmito, que precisa ser conservado em salmoura acidificada (pH abaixo de 4,5), com adição de conservantes e passar por tratamento térmico (esterilização, temperatura de 121ºC), para eliminar os esporos da bactéria Clostridium botulinum. A bactéria é produtora de uma neurotoxina que, se não tratada rapidamente, pode ser letal.
Com o advento da industrialização, o processamento de alimentos cresceu rapidamente e houve uma grande transformação, graças à ciência dos alimentos e a novas tecnologias. Diante dessas mudanças, surge a necessidade de um exame rigoroso dos impactos que todas as formas de processamento têm sobre os hábitos e padrões de alimentação, e sobre a nutrição, a saúde e o bem estar. Resultado de uma parceria entre o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens FSP-USP) e o Ministério da Saúde, o Guia Alimentar para a População Brasileira foi lançado em novembro de 2014, e propõe uma nova classificação dos alimentos, baseados no grau de processamento, substituindo a classificação da pirâmide alimentar que foi abolida desde o ano de 2010. O guia é reconhecido internacionalmente, e foi apontado como “as melhores diretrizes nutricionais do mundo”. Os alimentos foram divididos em quatro grupos e serão apresentados a seguir.
Fonte: Guia Alimentar Para a População Brasileira. Infografia: Gazeta do Povo.
Grupo 1 – Alimentos não processados (in natura) ou minimamente processados
Os alimentos in natura são obtidos diretamente de plantas ou animais e não sofrem qualquer alteração após deixarem a natureza. Alimentos minimamente processados correspondem a alimentos in natura que foram submetidos a processos de limpeza, remoção de partes não comestíveis ou indesejáveis, fracionamento, moagem, secagem, fermentação, pasteurização, refrigeração, congelamento e processos similares que não envolvam agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias ao alimento original. O objetivo do processamento minimo é tornar os alimentos mais disponíveis e acessíveis, e muitas vezes mais seguros e mais palatáveis. Os alimentos que fazem parte desse grupo são: carne fresca, leite, grãos, nozes, legumes, frutas e hortaliças, raízes e tubérculos, chás, café, infusão de ervas, águas de torneira e engarrafada – veja outros exemplos.
Grupo 2 – Ingredientes culinários e industriais
O segundo grupo inclui substâncias extraídas e purificadas pela industria a partir de alimentos in natura ou obtidos direto da natureza, a fim de produzir ingredientes culinários para a indústria de alimentos ou para o consumidor final. Os processos utilizados são: pressão, moagem, refino, hidrogenação e hidrólise, utilização de enzimas e aditivos. Estes processos são diferentes daqueles utilizados na obtenção de alimentos minimamente processados, porque mudam radicalmente a natureza do alimento original. Normalmente, os produtos alimentares do Grupo 2 não são consumidos sozinhos, e têm maior densidade de energia e menor densidade de nutrientes em comparação com os alimentos integrais a partir dos quais eles foram extraídos. Eles são utilizados nas casas, em restaurantes, na preparação de alimentos frescos ou minimamente processados para criar preparações culinárias variadas e saborosas, incluindo caldos e sopas, saladas, tortas, pães, bolos, doces e conservas, e também na indústria para a produção de alimentos ultraprocessados. O Grupo 2 é composto pelos seguintes alimentos: amidos e farinhas, óleos e gorduras, sais, adoçantes, ingredientes industriais, tais como frutose, xarope de milho, lactose e proteína de soja.
Grupo 3 – Alimentos processados
Alimentos processados são fabricados pela indústria com a adição de sal, de açúcar ou de outra substância de uso culinário a alimentos in natura para torná-los duráveis e mais agradáveis ao paladar. São produtos derivados diretamente de alimentos e são reconhecidos como versões dos alimentos originais. São usualmente consumidos como parte ou acompanhamento de preparações culinárias feitas com base em alimentos minimamente processados. Alguns exemplos de alimentos processados são: cenoura, pepino, ervilhas, palmito, cebola e couve-flor preservados em salmoura ou em solução de sal e vinagre; extratos ou concentrados de tomate (com sal e ou açúcar); frutas em calda e frutas cristalizadas; carne seca e toucinho; sardinha e atum enlatados; queijos; e pães feitos de farinha de trigo, leveduras, água e sal.
Grupo 4 – Alimentos ultraprocessados
Alimentos ultraprocessados, produtos que estão prontos para consumo, necessitando de aquecimento ou não, são formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivados de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão (corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários tipos de aditivos usados para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes). Técnicas de manufatura incluem extrusão, moldagem, e pré-processamento por fritura ou cozimento. O objetivo do ultraprocessamento é tornar o alimento atraente, acessível, palatável, apresentar longa vida de prateleira e praticidade. O Grupo 4 pode ser subdividido em duas categorias:
Lanches e sobremesas:
Pães, barras de cereais, biscoito, batatas fritas, bolos, doces, sorvetes e refrigerantes.
Produtos que necessitam de pré-preparo (aquecimento):
Pratos prontos (congelados), massas, linguiças, nuggets, sticks de peixe, sopas desidratadas, fórmulas infantis e alimentos para bebês.
O ultimo relatório apresentado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) “Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: tendências, impacto sobre a obesidade e implicações para as políticas públicas”, realizado entre 2000 e 2013 em 13 países latino-americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela) constatou que houve um aumento na venda per capita de produtos ultraprocessados, acompanhado do aumento do peso corporal médio das populações desses países. Trata-se de um indicador de que estes produtos são um dos principais fatores das taxas aumentadas de sobrepeso e obesidade na região. Entretanto, nos países da América do Norte, observou-se um declínio de 9,8% nas vendas dos alimentos ultraprocessados.
Atualmente, existe um consenso entre a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Fundo Mundial para Pesquisa em Câncer de que os principais fatores que promovem o aumento de peso e obesidade e o desenvolvimento de doenças não transmissíveis (DNTs) são: a elevada ingestão de alimentos com poucos nutrientes e alto valor energético (alimentos ultraprocessados), consumo rotineiro de bebidas açucaradas e atividade física insuficiente. Diante da elevação do consumo de alimentos ultrapocessados e seus possíveis impactos na saúde humana, é necessária a criação de politicas públicas que diminuam o acesso a esse tipo de alimento. Um exemplo a ser citado foi a aplicação de taxas em todas as bebidas adoçadas e todos os snacks com alto teor de açúcar e gordura, pelo governo do México.
Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, os alimentos ultrapocessados oferecem outros impactos negativos, que vão muito além da saúde e da nutrição humana, e que, por isso, o consumo desses alimentos deve ser evitado.
Impacto na cultura
Marcas, embalagens, rótulos e conteúdo de alimentos ultraprocessados tendem a ser idênticos em todo o mundo. As marcas mais conhecidas são promovidas por campanhas publicitárias milionárias e muito agressivas, incluindo o lançamento, todos os anos, de centenas de produtos que sugerem falso sentido de diversidade. Diante dessas campanhas, culturas alimentares genuínas passam a ser vistas como desinteressantes, especialmente pelos jovens. A consequência é a promoção do desejo de consumir mais e mais para que as pessoas tenham a sensação de pertencer a uma cultura moderna e superior.
Impacto na vida social
Alimentos ultraprocessados são formulados e embalados para serem consumidos sem necessidade de qualquer preparação, a qualquer hora e em qualquer lugar. O seu uso torna a preparação de alimentos, a mesa de refeições e o compartilhamento da comida menos importantes. Seu consumo ocorre com frequência sem hora fixa, muitas vezes quando a pessoa vê televisão ou trabalha no computador, quando ela caminha na rua, dirige um veículo ou fala no telefone, e em outras ocasiões de relativo isolamento. A “interação social” usualmente mostrada na propaganda desses produtos esconde o que realmente ocorre.
Impacto no ambiente
A manufatura, a distribuição e a comercialização de alimentos ultraprocessados são potencialmente danosas para o ambiente e, conforme a escala da sua produção, ameaçam a sustentabilidade do planeta. Isso fica simbolicamente demonstrado nas pilhas de embalagens desses produtos descartadas no ambiente, muitas não são biodegradáveis, desfiguram a paisagem e requerem o uso crescente de novos espaços e de novas e dispendiosas tecnologias de gestão de resíduos. A demanda por açúcar, óleos vegetais e outras matérias-primas comuns na fabricação de alimentos ultraprocessados estimula monoculturas dependentes de agrotóxicos e uso intenso de fertilizantes químicos e de água, em detrimento da diversificação da agricultura. A sequência de processos envolvidos com a manufatura, a distribuição e a comercialização desses produtos envolve longos percursos de transporte e, portanto, grande gasto de energia e emissão de poluentes. A quantidade de água utilizada nas várias etapas da sua produção é imensa. A consequência comum é a degradação e a poluição do ambiente, a redução da biodiversidade e o comprometimento de reservas de água, de energia e de muitos outros recursos naturais.
Por fim, o Guia Alimentar para a População Brasileira sugere quatro recomendações e uma regra de oura para uma alimentação saudável e equilibrada.
- Faça dos alimentos in natura e minimamente processados a base de sua alimentação.
- Utilize óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias.
- Limite o uso de alimentos processados, consumindo-os em pequenas quantidades, como ingredientes de preparações culinárias ou como parte de refeições baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados.
- Evite alimentos ultraprocessados.
- A regra de ouro. Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados.
Também é bem importante que os alimentos in natura ou minimamente processados que fazem parte do seu consumo sejam orgânicos – saiba mais sobre isso.
Referências
Plano de ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes
Uma nova classificação de alimentos baseada na extensão e propósito do seu processamento
Alimentos ultraprocessados são ruins para as pessoas e para o meio ambiente.Guia de Alimentação para a População Brasileira.
Fonte – eCycle
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