Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Estudo mostra que crianças criadas em fazendas são mais saudáveis
Os cientistas há muito tempo especulam que, quanto mais “sujo” for o ambiente em que crescemos — com vários germes de diferentes pessoas e até animais —, melhores serão o nosso sistema imunológico e nossa saúde física. Um novo estudo publicado na segunda-feira (30) na revista Proceedings, da Academia Nacional de Ciências dos EUA, fornece evidências iniciais de que um mundo sujo pode ser melhor até para a nossa saúde mental.
A hipótese da higiene, como é chamada, diz que nosso sistema imunológico precisa lutar contra germes relativamente inofensivos e substâncias estranhas (incluindo alimentos como o amendoim) em seus primeiros anos para que possa se calibrar. Sem esse treinamento, ele pode se tornar muito sensível e reagir exageradamente a coisas que não deveria, como poeira doméstica e pólen, levando a alergias e asma. Várias pesquisas mostraram que crescer em um ambiente rural, ou com animais de estimação, está associado a taxas mais baixas de doenças autoimunes, enquanto as taxas de alergias e distúrbios autoimunes têm subido constantemente nas áreas urbanas.
Vários dos autores do novo estudo, em particular Christopher Lowry, professor de fisiologia integrativa da Universidade do Colorado em Boulder, teorizaram, há uma década, que um mundo excessivamente higiênico também poderia influenciar nosso risco de certas doenças psiquiátricas, como depressão e estresse pós-traumático. Se for verdade, isso ajudaria a explicar por que as taxas de doenças psiquiátricas são mais comuns entre as pessoas que vivem em áreas urbanas.
Mas os cientistas só foram testar essa teoria diretamente quando Lowry colaborou com pesquisadores da Universidade de Ulm, na Alemanha.
Neste último estudo, os pesquisadores recrutaram 40 homens jovens e saudáveis da Alemanha para participarem do experimento. Metade dos homens disse que havia sido criada (até os 15 anos) em uma fazenda com muitos animais, enquanto a outra metade foi criada em uma cidade sem animais de estimação. Ambos os grupos tiveram seu sangue e saliva coletados antes e em vários pontos durante o experimento.
Foi pedido aos voluntários que completassem uma série de tarefas destinadas a estressá-los: primeiro, eles fizeram um discurso na frente de pessoas de jalecos sobre por que mereciam seu emprego dos sonhos. Então, eles tiveram que contar de trás para frente, de 17 em 17, a partir de 3.079.
Depois dos testes, os homens que haviam sido criados nas cidades, em média, apresentaram níveis mais elevados de certas células sanguíneas e proteínas no sangue. Esses componentes específicos do sistema imune, conhecidos como células mononucleares do sangue periférico (PBMCs, na sigla em inglês) e interleucina 6, indicam uma forte resposta imune inflamatória. Os homens da cidade também apresentaram níveis elevados desses marcadores por mais tempo — pelo menos até duas horas, quando pararam de ter seu sangue coletado.
Embora a inflamação seja uma parte crucial de um sistema imunológico saudável, pesquisas anteriores sugeriram que pessoas com níveis baixos e crônicos de inflamação têm maior risco de desenvolver transtornos mentais, como a depressão aguda. As descobertas do estudo sugerem que as pessoas criadas na cidade podem ser mais propensas a se encaixar nesse grupo, embora mais pesquisas sejam necessárias para estabelecer definitivamente essa conexão.
“Em nosso campo de pesquisa, esse teste de estresse social é a maneira mais eficaz de induzir uma resposta ao estresse neuroendócrino. E também sabemos que ele induz uma resposta pró-inflamatória em humanos que é exagerada em pessoas que têm transtorno depressivo agudo, por exemplo”, disse Lowry ao Gizmodo.
No entanto, o estudo também teve alguns resultados contraintuitivos. Homens criados em fazendas, em média, relataram que se sentiram mais estressados pelas tarefas do que os homens da cidade. E eles realmente apresentaram níveis maiores de cortisol, um hormônio indicativo de estresse, em sua saliva. Essa descoberta aparentemente contrária poderia ser explicada pelo fato de que nossas reações ao estresse podem se manifestar por meio de sistemas corporais interconectados que funcionam de forma independente uns dos outros. O cortisol é um componente-chave do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, uma via que percorre nosso cérebro e nossas glândulas hormonais e que regula tudo, desde a digestão até a reação de fuga e luta. A presença de PBMCs e interleucinas causada por uma resposta imune hiperativa ao estresse pode não afetar os níveis de cortisol e vice-versa.
Existem limitações importantes ao estudo, como o tamanho pequeno da amostra e a falta de mulheres, que são mais propensas do que os homens a relatar doenças mentais. A conexão entre o local onde crescemos e a saúde mental posterior pode também ter mais a ver com os benefícios psicológicos bem documentados de viver perto da natureza do que seu efeito direto sobre nosso sistema imunológico, disse Lowry.
Lowry e sua equipe se apressam para advertir que seu trabalho não confirmou qualquer ligação entre higiene e saúde mental, pelo menos não ainda. Porém, considerando que mais e mais famílias estão se mudando para as cidades, eles acreditam que suas pesquisas podem ter implicações enormes.
“É potencialmente alarmante, por várias razões”, disse Lowry. “Há um enorme aumento na urbanização em todo o mundo, e, em 2050, espera-se que dois terços da população mundial vivam nas cidades. Então, estamos gradualmente mudando para uma existência que cria um descompasso entre nosso passado evolucionário e o relacionamento coevoluído com coisas como microrganismos.”
“Uma coisa que podemos antecipar é que, de alguma forma, teremos que compensar essa falta de exposição, especialmente durante o desenvolvimento, a esses microrganismos”, acrescentou Lowry. “E a estratégia para fazer isso não está bem clara… Esperamos poder resolver isso com o tempo.”
A seguir, os autores planejam estudar grupos maiores de pessoas, incluindo mulheres, que vivem em diferentes áreas do mundo. E eles esperam destacar se é a exposição a animais (que incluem animais de estimação, não apenas animais de fazenda) ou outros aspectos da vida rural que explicam o vínculo.
Fontes – Proceedings of the National Academy of Science / Ed Cara, Gizmodo de 01 de maio de 2018
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