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Federação da Agricultura tenta barrar implementação de cortinas verdes no Paraná

Cortinas verdes plantadas nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) para reduzir os efeitos dos gases emitidos pelo processo de tratamento. O mesmo processo é usado para impedir a deriva dos agrotóxicos. Foto: Sanepar Cascavel/Divulgação.

A Escola Municipal Zumbi dos Palmares fica dentro do assentamento Valmir Mota de Oliveira, do MST, no interior do município de Cascavel, no Paraná. Do outro lado da estrada, a menos de vinte metros, há uma fazenda onde se produz soja e milho. Em 2014, alunos e professores começaram a sofrer de enjoos, irritação nos olhos e na pele e dores de cabeça. O mal-estar coincidia com as aplicações de agrotóxicos na lavoura vizinha. Algumas vezes, a escola foi obrigada a cancelar as aulas.

Na época, a comunidade entrou em contato com o vereador Paulo Porto (PCdoB), que começou a discutir maneiras de reduzir o impacto dos produtos químicos na comunidade escolar. Após seis meses de discussões, nasceu a primeira lei de cortinas verdes do Paraná. As cortinas (ou barreiras) verdes são linhas de plantas arbóreas e arbustivas de diferentes alturas. O objetivo é impedir a deriva dos agrotóxicos, que é quando o produto é levado para fora da área da lavoura, normalmente pela ação do vento.

A partir de então, a legislação de Cascavel multiplicou por seis ‒ de 50 metros para 300 metros ‒ a distância permitida para aplicação de agrotóxicos em relação às áreas urbanas. No entanto, se o produtor implementar as cortinas verdes, a distância volta a ser de 50 metros. A cortina deve incluir duas linhas próximas, uma composta por plantas arbóreas e outra por plantas arbustivas, posicionadas em todo o perímetro da propriedade. “Entendemos que é uma lei flexível, pois dá a opção para o agricultor não perder um centímetro de área agricultável, é só fazer a barreira verde”, explica o vereador Paulo Porto.

 

O Paraná é segundo maior produtor de soja e o terceiro maior consumidor de agrotóxicos do Brasil, segundo dados disponibilizados pela Secretaria Estadual da Saúde. Cento e trinta e dois municípios paranaenses (33%) tem um consumo ainda maior que o da média do Estado, sendo que Cascavel é o campeão no uso de agrotóxicos: uma média de 3.665 toneladas por ano.

O projeto das cortinas verdes voltou à tona em 2016, quando o Ministério Público Estadual recebeu um abaixo-assinado de 150 moradores de Luiziana, cidade da Bacia do Alto Ivaí. Eram moradores do perímetro periurbano — como é chamado a divisa da área urbana e rural –, que reclamavam do impacto dos agrotóxicos na saúde. Desde então, o Ministério Público vem realizando uma série de reuniões e debates para estimular os municípios a aprovarem leis como aquela de Cascavel. Das 45 cidades da região, 14 já aprovaram projetos de lei condicionando a manutenção da atual distância de aplicação de agrotóxicos à implementação das cortinas verdes.

A Promotora de Justiça de Campo Mourão, Rosana Araújo Ribeiro, explica que em Luiziane, assim como em muitas outras cidades, é mínima a distância entre as casas e o local de aplicação dos agrotóxicos: “Existe a casa, no término da área urbana, e existe ao lado da residência a aplicação de agrotóxicos. Isso causa efeitos imediatos às pessoas, a ponto, às vezes, de terem de se ausentar das casas durante as aplicações. Elas sofrem de dor de cabeça, enjoo, mal-estar, além dos efeitos crônicos que a gente sabe que são inúmeros. Inclusive nesse município já tem alguns índices de crianças com autismo e outras situações, provavelmente em decorrência dessa aplicação”.

Ofício da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP). Imagem: Divulgação.

A reação da Federação da Agricultura

A ação do Ministério Público, no entanto, desagradou a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP). No dia 28 de abril, o presidente da FAEP, Ágide Meneguette, assinou um Ofício Circular em que afirma que “alguns promotores públicos estão pressionando os municípios para que sejam implementadas leis municipais instaurando cortinas verdes”. O documento, destinado a um sindicato rural, pede que a entidade verifique junto à Prefeitura e à Câmara de Vereadores a existência de projetos de lei neste sentido, para que “o sindicato possa impedir a sua aprovação”. A circular afirma ainda que as cortinas verdes não têm eficácia comprovada, e que a estrutura “estigmatiza o produtor rural como o causador da contaminação”. A reportagem do ((o))eco entrou em contato com a FAEP e solicitou entrevista, mas a assessoria de imprensa disse que a fonte não estava disponível.

Já o Ministério Público reagiu à atuação da Federação junto aos sindicatos. Para a promotora Rosana Araújo Ribeiro, a posição da FAEP vai contra o interesse público, e dá o exemplo da cidade de Campo Mourão: “De um lado você tem 95 mil habitantes na área urbana. Do outro você tem 75 proprietários de áreas que estão neste perímetro periurbano. Então vocês têm 75 pessoas com áreas de plantio e aplicação de agrotóxicos contaminando toda uma população de 95 mil pessoas”.

Para a promotora, a postura da Federação não atende sequer aos interesses dos produtores, que gastam altas somas de dinheiro na compra de agrotóxicos: “Só no município de Luiziana em 2016 foram gastos R$ 12 milhões de reais com aplicação de agrotóxicos, que deixaram de ficar com os agricultores, gerando riqueza local, e foram para as multinacionais que vendem agrotóxicos. Do outro lado você tem o impacto na saúde pública, as pessoas ficando doentes”.

O deputado estadual Rasca Rodrigues (Podemos), presidente da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais da Assembleia Legislativa do Paraná também destaca a atuação das cooperativas agrícolas: “Essas cooperativas têm um poder muito grande, com milhares de associados. Elas têm um sistema de vendas casadas, em que o agricultor já compra os agrotóxicos para safra toda”.

O deputado é autor de um projeto de lei para implementar as cortinas verdes em todo o estado paranaense, e convocou uma audiência pública no final de fevereiro para debater o assunto. O parlamentar também critica a atuação de técnicos agrícolas que assinam receitas agronômicas sem o menor critério: “2500 técnicos atuam diretamente na venda de agrotóxicos no Estado do Paraná. Tem técnicos emitindo mais de dez mil receitas em uma safra. A receita tem que ser entregue na mão do aplicador, não no balcão de uma loja. Estamos diante de um problema muito grave, e não tenho dúvidas de que se não fizermos alguma coisa em breve o campo estará judicializado”.

Embrapa atesta efetividade das cortinas verdes

Ao contrário do que diz a nota da Federação da Agricultura do Estado do Paraná, a Embrapa atesta a efetividade das cortinas verdes no controle da deriva dos agrotóxicos. Adalberto Miura, biólogo e pesquisador da Embrapa Clima Temperado, aconselha o uso de três fileiras de plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas, de diferentes alturas (uma fileira a mais do que o exigido nas leis municipais paranaenses).

Apesar de efetiva, Adalberto considera a medida paliativa. Para ele, é preciso rever o modelo de produção agrícola no Brasil, substituindo os pesticidas por técnicas de Manejo Integrado de Pragas: “Essa história da revolução verde advinda do uso de agrotóxicos já está superada. A gente já tem tecnologia para produzir esses alimentos em quantidade e qualidade suficiente sem o uso desses agroquímicos”.

Mas se a tecnologia está disponível e segundo o pesquisador é inclusive mais barata, por que a insistência nos agrotóxicos? No caso das hortaliças, Miura afirma que o principal entrave à redução no uso de substâncias químicas é o tempo que leva para que o alimento saia da propriedade e chegue nos supermercados. Nestes casos, os agrotóxicos garantem o aumento da vida útil desses produtos. Por isso, a solução é ter uma produção local para o mercado local.

Já no caso das grandes monoculturas, a resistência às técnicas mais modernas de controle de pragas se deve aos interesses de quem vende os agrotóxicos, e que muitas vezes não corresponde aos interesses dos próprios produtores: “É um pacote tecnológico, eu te vendo um modelo de plantação. No modo que temos feito no país temos nos preocupado com a produtividade a qualquer custo. Então se produz bastante mas também se gasta bastante, e essa conta pode não fechar”.

Segundo Adalberto Miura, a produtividade da plantação orgânica é menor, mas essa queda é compensada pela redução dos gastos com insumos. O próprio Paraná é um exemplo de que é possível produzir com qualidade sem o uso de agrotóxicos. O estado é um dos maiores produtores de soja orgânica, graças às técnicas de manejo integrado de pragas: “Esses métodos existem há bastante tempo e tem gente que está faturando alto porque está colocando no mercado um produto diferenciado, sem agrotóxico”, afirma Miura.

Mas mesmo os produtores orgânicos sofrem com a aplicação dos agrotóxicos pelos vizinhos, que dificulta a certificação internacional do produto: “Produtores que têm vizinhos que aplicam agrotóxicos têm dificuldade de certificar essa produção por causa das derivas dos agrotóxicos, que muitas vezes acabam atingindo a própria produção. E aí entram as cortinas vegetais como uma das maneiras de evitar essa contaminação. Tanto que as agências certificadoras têm como um dos requisitos a existência dessas barreiras vegetais”.

Agrotóxico é problema de saúde pública

Entre 2012 e 2016, o Paraná registrou 4190 notificações de intoxicação por agrotóxicos, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinam), uma média de duas pessoas intoxicada por dia que procurou atendimento médico. Não entra no cálculo as pessoas que passaram mal, mas não procuraram ajuda médica. A subnotificação em caso de intoxicação é grande, dizem os especialistas. Não é à toa que o tema é tratado como um problema de saúde pública pelas autoridades paranaenses, que no ano passado lançaram o Plano de Vigilância e Atenção à Saúde de Populações Expostas aos Agrotóxicos do Estado do Paraná.

Segundo Engenheiro Agrônomo da Vigilância Sanitária em Alimentos da Secretaria Estadual da Saúde, Marcos Andersen, uma das medidas é o acompanhamento especial daquelas pessoas que trabalham com agrotóxicos pelas equipes de saúde: “Pessoas com câncer muitas vezes continuam utilizando agrotóxicos, e nós vamos verificar até onde esse câncer foi causado por esta exposição. Essa pessoa não pode mais mexer com agrotóxico”.

Mulheres grávidas também recebem atenção diferenciada: “O plano pressupõe que nos três últimos meses ela se afaste dessa exposição aos agrotóxicos e que depois do nascimento ela tenha um acompanhamento diferenciado pelas equipes de saúde. Porque se verifica que mesmo que não haja malformação congênita, as crianças nascidas de mães expostas são prematuras e têm baixo peso”, explica Andersen. Um estudo publicado em 2014 na revista Environmental Health Perspectives​, por pesquisadores da Universidade da Califórnia, concluiu que grávidas expostas a maiores níveis de pesticida correm maior risco de ter filhos autistas.

Fonte – Fernanda Wenzel, O Eco de 03 de junho de 2018

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