Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Lixo no mar é problema do governo e da população
Alguns sacos plásticos extraídos do estômago da baleia-piloto que morreu, na sexta-feira (01), na Tailândia. Foto: Departamento de recursos marinhos e costeiros da Tailândia.
A imagem de uma baleia-piloto que morreu no sul da Tailândia após engolir 80 sacolas plásticas estampou muitas páginas de notícias ao longo dessa semana, poucos dias antes do Dia Mundial dos Oceanos. A data, celebrada em 8 de junho, foi criada pelas Nações Unidas justamente para lembrar da importância dessa biodiversidade.
Assim como a baleia morta na Tailândia não tem nacionalidade – pertence à natureza – o lixo que a matou também não tem passaporte: pode ter vindo de qualquer lugar do mundo, levado pelos ventos e pelas correntes marítimas. Por ser um problema global, o Brasil se comprometeu junto à ONU a ser parte da solução. A principal medida é a criação do 1º Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar.
Segundo o biólogo Alexander Turra, o objetivo é identificar e apontar caminhos para reduzir a poluição dos oceanos, levando em consideração iniciativas já em andamento no Brasil, além de experiências de outros países. Ao final do trabalho, cada estado e município vai assumir compromissos de forma voluntária, de acordo com a sua capacidade.
Turra é professor do Instituto Oceanográfico da USP, uma das entidades que compõem a Comissão responsável pela criação do plano. Ele explica que no Brasil a poluição dos oceanos está intimamente relacionada à pobreza e à má distribuição de renda: “Essa é a raiz do problema, que de uma forma ou de outra rebate em áreas invadidas, irregulares, sem tratamento de esgoto ou recolhimento de resíduos. Estes locais são os hotspots da geração do lixo, seja nas capitais ou nas regiões costeiras. Mas isso a gente não resolve em um estalar de dedos, é um processo longo de mudança. Um primeiro passo é a gestão de resíduos para que ela seja a mais eficaz possível”.
Remando lixo acima. Catador de garrafa PET navega em igarapé repleto de lixo, em Manaus. Dos rios, o lixo chega no mar. Foto: Vandré Fonseca.
O enfrentamento do problema inclui ainda medidas de longo prazo, como uma educação voltada para o consumo consciente e a produção de produtos e embalagens que facilitem a sua reutilização, dentro da lógica da economia circular: “Tem vários itens que encontramos nas praias que vem pelo esgoto, como hastes flexíveis e absorventes íntimos, além daquilo que a gente não enxerga, como fibras de tecido sintético e esfoliantes de cremes pra pele”. Segundo Turra, outra forma muito comum de contaminação é através do descarte de lixo perto de um corpo d`água. Em dias de chuva, esse lixo acaba sendo levado para o rio, e depois para o mar.
A primeira reunião da comissão organizadora do 1º Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar será no dia 7 de agosto. A previsão é que o plano seja entregue no dia 8 junho de 2019. Mas não é preciso esperar até lá para começar a proteger os oceanos. ((o))eco mostra a seguir exemplos de quem transformou a inconformidade em atitude.
“Quando tu entra na tua casa e ela tá suja, isso te incomoda”
O porto-alegrense Cássio Tramontini sempre gostou de água. Começou a nadar com 2 anos, e aos 7 já estava surfando no litoral gaúcho e catarinense. Aos 16, começou a viajar pelo mundo em busca das melhores ondas, e se apaixonou pela Indonésia.
Mas ao retornar para lá alguns anos depois da primeira viagem, algumas coisas começaram a lhe incomodar. A água estava mais poluída, e havia lixo acumulado em ilhas completamente desertas: “Aconteceram várias situações. Numa das delas eu vi um pai com um filhinho em uma bancada de coral, em um lugar paradisíaco, e o pai estava jogando um saco inteiro de lixo no mar”. Cássio foi conversar com o homem para entender o por quê da atitude, e descobriu que o nativo estava apenas imitando o que via os turistas fazerem.
Projeto Return na ilha da pintada. Foto: Divulgação.
“Acho que meu principal olhar crítico em relação ao mar e à poluição é porque é o lugar que eu sempre considerei meu templo, minha casa. E quando tu entra na tua casa e tua casa tá suja, isso te incomoda. E essa incomodação ferveu dentro de mim, até estourar essa chaleira e eu perceber que não fazia mais sentido ficar reclamando e olhando”.
A faísca que faltava para essa chaleira ferver foi gerada ainda na Indonésia, quando Cássio encontrou Ramon, o homem que cuidava da pousada, desesperado por não poder pagar o tratamento da filha doente. Cássio passou de quarto em quarto repetindo um mesmo discurso: “A gente não veio aqui só pra surfar”. Ao final do dia, os surfistas conseguiram juntar o dinheiro para o tratamento da menina: “Foi sinistro, o Ramon chorando, a galera chorando. Ali acho que deu o ‘clec’ do Return na minha cabeça, porque não era mais eu fazendo a ação, tinha outras pessoas inspiradas e agindo e repensando sobre aquela atitude”.
Foi aí que surgiu a Return, que trabalha há três anos com projetos de impacto social. O primeiro projeto da empresa foi na Ilha da Pintada, em Porto Alegre. 140 crianças passaram dois meses recolhendo garrafas pet, que se transformaram em pranchas de stand up paddle para elas mesmas brincarem nas águas do Guaíba. A lógica da empresa é a seguinte: identificar um desafio, encontrar uma solução, localizar uma marca disposta a patrocinar o projeto, para então gerar retorno para todos os envolvidos.
Pranchas de stand up paddle feitas de garrafa PET. Foto: Projeto Return/Divulgação.
Há alguns meses, a Return abriu uma nova sede no Rio de Janeiro, com o objetivo de se aproximar da própria origem: o mar. Em breve, a empresa lançará projetos com o objetivo de reduzir o lixo nos oceanos: “Se tu pegar a beira da praia hoje tem uma série de problemas. O problema do lixo dentro do mar, das pessoas que deixam o lixo na areia, da barraquinha da beira da praia que vende copo plástico e entrega canudo, tu tem o problema do lixo que é deixado próximo da beira da praia e que com o vento chega na areia. Eu enxergo isso como microproblemas que fazem parte de todo um contexto, que é a poluição no mar. O nosso plano é atacar estes microproblemas visto que todos envolvem questões sociais. Nós precisamos mudar o comportamento das pessoas”. Os projetos devem entrar em execução no segundo semestre deste ano.
“A Baía de Guanabara está viva, mas está no limite”
Pedro Belga nasceu em Cabo Frio, filho de pai pescador. Ainda menino, se mudou para Niterói, mas o amor pelo mar veio junto. Nas andanças pela região, Pedro ficou impressionado com a quantidade de lixo flutuante que vinha da Baía de Guanabara. Aos 28, largou uma carreira de uma década no Exército para realizar o sonho de cursar Biologia. Não muito tempo depois, Pedro criou a ONG Guardiões do Mar, com sede em São Gonçalo, que completou 20 anos em 2018.
O esforço é no sentido de preservar uma região que é um dos cartões postais do Rio de Janeiro, mas que também virou uma espécie de lixão onde vai parar boa parte do que é rejeitado pela população: “Uma das nossas lutas é mostrar para as pessoas que a Baía de Guanabara está viva. O grande problema é que a imprensa em geral vende a imagem de um terreno baldio, e o ser humano tem esse problema, se o terreno é baldio, o que não me serve eu jogo lá. E a Baía de Guanabara não é um terreno baldio. É um ecossistema riquíssimo e vivo, mas que está no seu limite”.
Lixo no manguezal. Foto: Projeto Uça/Divulgação.
A organização tem dois projetos, ambos com patrocínio da Petrobras, que aliam geração de renda e educação ambiental. O Projeto Uça contrata catadores de caranguejos na época do defeso (entre 1 de outubro e 31 de dezembro, quando a caça é proibida). Neste período, ao invés de catar caranguejos, eles catam o lixo que chega nos mangues da área de conservação da Baía de Guanabara. Uma ideia simples, mas que resolve dois problemas: garante renda à população no curto e no longo prazo, já que garante a reprodução do caranguejo. Ao mesmo tempo, reduz a quantidade de lixo em todo o ecossistema. Em dois anos, a iniciativa já retirou 13.822 quilos de lixo dos manguezais. O projeto inclui ainda com visitas a escolas para promover a educação ambiental. Em quatro anos, já foram visitadas 132 escolas em 12 municípios.
O segundo projeto é o Eduque, voltado para comunidades carentes de Duque de Caxias. Ali, o foco é a formação de agentes ambientais para replicarem os ensinamentos entre a população. A ONG também trabalha ativamente na reciclagem do lixo, tendo constituído oito cooperativas de catadores.
Pedro Belga explica que não adianta só recolher o lixo: “Se a gente só catar, a gente vai passar o resto da vida catando. Por isso, a ideia é mostrar para as pessoas que aquele material que está na rua pode gerar renda. Porque você não vai mobilizar as pessoas só pela fala ou pela filosofia. Tem que mexer no bolso”. O próximo projeto da Guardiões do Mar é para atuar junto às comunidades ribeirinhas da região serrana do Rio de Janeiro. É através destes rios que chega a maior parte do lixo que vem destruindo a Baía de Guanabara.
Limpeza do manguezal. Foto: Projeto Uça/Divulgação.
Fonte – Fernanda Wenzel, O Eco de 10 de junho de 2018
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