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Agrotóxico com novo nome, mas batizado pelos de sempre

Abençoados pela bancada ruralista, agrotóxicos podem ser rebatizados por deputados para enganar agricultores e consumidores

Em uma repetição da toada dos últimos anos, a semana começa sombria no Congresso Nacional. Como prova de que na atual legislatura tudo o que é ruim pode piorar, deputados da bancada ruralista querem impulsionar uma manipulação de imagem que beneficia apenas a elite do agronegócio e as megacorporações fabricantes de agrotóxicos.

Projetos de lei embutidos no “Pacote do Veneno” – apelido dado ao conjunto de medidas por ativistas pela alimentação saudável e ambientalistas – preveem alterações na Lei de Agrotóxicos (lei 7802/89). Entre elas, a renomeação dos produtos químicos, que passariam a se chamar “defensivos fitossanitários”, caso o pacote seja aprovado pela Comissão Especial da Câmara. A votação pode ocorrer a partir desta terça-feira, 15 de maio, e, depois, seguir ao plenário.

greenwashing (em português, “lavagem verde”) defendido pelos deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (nome que é um eufemismo para bancada ruralista) faz parte do jogo de marketing e relações públicas que quer ocultar os impactos negativos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente.

Isso, num país que há dez anos mantém a incômoda posição de líder mundial do uso de pesticidas, com uma legislação já permissiva, que autoriza a aplicação de substâncias altamente tóxicas, como o glifosato, em quantidades até cinco mil vezes maiores do que o permitido na União Europeia, por exemplo. Resultado: em alimentos como hortaliças, frutas e leguminosas, são 7,3 litros de agrotóxicos consumidos por habitante anualmente e 11 intoxicações humanas por dia em solo brasileiro, totalizando mais de quatro mil só em 2017, segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Ainda assim, atendendo ao lobby das gigantes do setor agroquímico, como Bayer, Monsanto (a primeira adquiriu a segunda recentemente), Syngenta e Bunge, quem está com a bola agora são legisladores historicamente ligados aos interesses de grandes proprietários de terra (latifundiários), que possuem fichas recheadas de crimes ambientais e de trabalho escravo. Todos são representantes da bancada ruralista, considerada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) a maior da Câmara, com 120 dos 513 deputados. A maioria, 51, é do Partido Progressista (PP), legenda campeã no número de políticos investigados por corrupção: 32.

Majoritários na Comissão Especial, os ruralistas mencionam 18 projetos que podem alterar a Lei de Agrotóxicos. O principal deles, o PL 3.200/2015, é de autoria do deputado Covatti Filho, do PP do Rio Grande do Sul. O texto simplifica procedimentos para o registro de novos pesticidas, facilita o uso de genéricos, cria um novo órgão federal para acompanhar o tema – retirando poder da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – e reduz o papel dos estados na fiscalização. Além disso, é essa a proposta que suaviza o nome dos agrotóxicos.

O histórico do autor do projeto o liga diretamente a interesses patronais. Covatti Filho recebeu o total de R$ 737.510 mil de doadores declarados na campanha de 2014, sendo R$ 326 mil do agronegócio. O parlamentar gaúcho é integrante da pouco conhecida, mas, muito atuante, “bancada do fumo”, um conjunto de deputados da região Sul do País que é parte da bancada ruralista e defende os interesses da indústria do cigarro, denunciada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por violações de direitos, incluindo trabalho infantil. O deputado obteve doação da transnacional do tabaco Phillip Morris.

Na reforma trabalhista proposta por Michel Temer ano passado, votou pela aprovação, ajudando a precarizar ainda mais a situação dos trabalhadores no Brasil, permitindo a terceirização de atividades-fim, inclusive em contratações do serviço público, e a ampliação de três para seis meses dos contratos temporários de trabalho.

Luiz Nishimori, do PR do Paraná, é o relator do projeto. Autodeclarado agricultor e comerciante, ele é conhecido como homem do agronegócio. Da totalidade dos polpudos R$ 2,4 milhões que somou na disputa eleitoral de quatro anos atrás, R$ 880 mil foram captados junto a empreendedores do setor.

Quase 10% do que arrecadou, R$ 245 mil, partiram de empresas flagradas por trabalho escravo ou autuadas por violações ambientais. Deputado estadual paranaense até 2011, foi acusado por formação de quadrilha, estelionato e crimes contra a fé pública. Foi denunciado por participar de esquema de nomeação de funcionários-fantasma e desvio de dinheiro público na Assembleia Legislativa. A ação está no Supremo Tribunal Federal (STF), em segredo de Justiça.

A presidente da comissão é Tereza Cristina, do DEM de Mato Grosso do Sul. Da lista de parlamentares que formam o órgão que analisa o “Pacote do Veneno”, ela foi a mais favorecida por doadores declarados na corrida eleitoral, com o valor de R$ 4.298.808 milhões, dos quais R$ 2,563 milhões chegaram via agronegócio. A deputada não escapou às doações feitas por empresas que praticaram crimes ambientais ou de trabalho escravo. Dessas, recebeu R$ 100 mil. O Banco BTG Pactual, do banqueiro André Esteves, investigado pela Operação Lava Jato, também foi doador da parlamentar, repassando R$ 300 mil à campanha em 6 de agosto de 2014.

O padrinho e o compadrio

A própria bancada ruralista nos lembra de quem está por trás da articulação, mexendo as peças. Durante a última sessão que tentou (e não conseguiu) votar a proposta, no dia 8 de maio, vários deputados ressaltaram que o texto original foi apresentado em 2002, pelo então senador Blairo Maggi (PP), hoje ministro da Agricultura e Pecuária. Um dos maiores concentradores de terra do Brasil, ele é dono de gigantescas plantações de monoculturas de soja e milho, além de criação de gado, especialmente em Mato Grosso.

Maggi tem muita influência no contexto do agronegócio. Na última eleição, apadrinhou Adilton Sachetti, do PRB de Mato Grosso. Considerado “compadre” do ministro, Sachetti acumulou fartas doações contabilizadas, somando R$ 3,8 milhões. Desse montante, R$ 2,4 milhões saíram do agronegócio e R$ 50 mil da indústria de agrotóxicos. Entre os principais doadores aparecem a Amaggi (empresa do agronegócio da família do ministro), que doou R$ 400 mil, e o próprio Blairo, que desembolsou R$ 250 mil como pessoa física. Pior: R$ 1 milhão foi arrecadado de empresas que usavam trabalho escravo ou responsáveis por crimes ambientais.

“O ministro Blairo Maggi é um dos maiores concentradores de terras monocultoras do Brasil e tem grande interesse pessoal em ver o ‘Pacote do Veneno’ aprovado”

Adilton se declarou arquiteto ao TSE, mas é conhecido como empresário do agronegócio em Rondonópolis (MT), onde presidiu o Sindicato Rural e a Associação Mato-Grossense de Produtores de Algodão, da qual é o fundador. Lá, também foi prefeito e se tornou réu em ação penal por crimes de responsabilidade. De acordo com a denúncia, hoje no STF, ele teria usado irregularmente repasses de um convênio firmado com o estado à época em que era chefe do Executivo municipal.

Outras figuras que chamam a atenção na composição da comissão e estão sob a batuta de Maggi são Luiz Carlos Heinze, do PP gaúcho, e Valdir Colatto, do MDB de Santa Catarina. O primeiro é empresário do agronegócio – embora se declare como “produtor rural” – e engenheiro agrônomo de formação. No último pleito, elegeu-se deputado com R$ 1,8 milhão do agronegócio e R$ 80 mil da indústria química. É conhecido pelas falas preconceituosas, a exemplo da que fez num discurso de fevereiro de 2014, quando se referiu a índios, quilombolas, gays e lésbicas como “tudo que não presta”. E recebeu R$ 548 mil de empresas flagradas por trabalho escravo ou violações ambientais.

Já Valdir Colatto, que tem sido um dos mais exaltados defensores do “Pacote do Veneno”, captou R$ 619.891 mil na campanha para a Câmara, sendo mais da metade das doações declaradas oriundas do agronegócio, numa quantia de R$ 328,6 mil. Dos cofres de empresas flagradas por violações ambientais ou trabalho escravo, R$ 40 mil foram destinados ao parlamentar.

Em comum, todos esses nomes defendem a substituição da Lei dos Agrotóxicos de 1989, principalmente a mudança de nome para “defensivos fitossanitários”, com o argumento raso de que “a atual legislação é defasada e impõe muita burocracia ao setor”.

A reportagem de O Joio e o Trigo organizou duas tabelas com os nomes de todos os deputados integrantes da Comissão Especial que têm financiamento por empresas do agronegócio, incluindo o total de doações de campanha de cada um e os valores específicos recebidos do agronegócio ou da indústria química. Também utilizamos informações do Ruralômetro, projeto da Repórter Brasil que mede a “febre” dos parlamentares de acordo com critérios que levam em conta o financiamento eleitoral feito por empresas que cometeram violações trabalhistas e/ou ambientais.

Como se verá, há parlamentares que receberam investimentos das corporações do setor em 2014, mas se posicionam contra esses interesses. São os casos de Alessandro Molon (PSB-RJ) e Patrus Ananias (PT-MG).

Reação 

O subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho discorda dos políticos da bancada ruralista. Sobre os motivos defendidos no relatório de Luiz Nishimori, um parecer do representante do MPF aponta que nenhum considera os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde ou o meio ambiente, além de haver inconstitucionalidades no “Pacote do Veneno”.

É o caso da extinção de regras que hoje garantem algum controle sobre os pesticidas. A proposta apresentada à comissão acabaria com a competência dos municípios de legislar sobre o uso e o armazenamento local dos agrotóxicos; o dever de políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doenças; a proibição de registros de produtos compostos por substâncias causadoras de malformações congênitas, câncer, ou que provoquem distúrbios hormonais ou danos ao sistema reprodutivo (o registro de substâncias com tais características fica legalizado se o pacote for aprovado).

Organizações da sociedade civil e movimentos sociais também se mobilizam. Na semana passada, um manifesto assinado por 271 entidades que atuam em promoção da saúde, meio ambiente e defesa do consumidor se posicionou contra o “Pacote do Veneno” e foi enviado à Comissão Especial da Câmara dos Deputados.

Marketing contaminante

O uso do termo latifundiários no terceiro parágrafo desta reportagem tem causa: se falamos de greenwashing ou lavagem de marcas e produtos, não podemos esquecer que grandes proprietários de terra no Brasil (muitos, improdutivos) conseguiram praticamente eliminar os latifúndios (extensões quilométricas de terras monocultoras com a produção voltada à exportação) do debate público.

A motivação de fazer sumir a terminologia do vocabulário é a carga simbólica que a acompanha: uma das raízes da desigualdade social no país, representa a concentração de áreas rurais nas mãos de poucas famílias ou empresas e chama atenção para a necessidade da reforma agrária, assim como da redução da desigualdade socioeconômica.

Não à toa, todo um trabalho de marketing foi feito após o fim da ditadura (1964-1985) para reposicionar os latifundiários. Desde meados dos anos 1980, eles passaram a se autodenominar “empresários do agronegócio”, no intuito de modernizar o discurso sem, necessariamente, mudar as práticas. Para a construção desse novo significado, o grupo foi amparado por agências de publicidade, assessorias de imprensa e políticos eleitos com dinheiro de monoculturas regadas a pesticidas.

O professor Bernardo Mançano, livre-docente do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz que os proprietários de grandes extensões rurais passaram a vincular-se à imagem de modernas empresas agrícolas lucrativas que, em teoria, seriam as maiores responsáveis por impulsionar a economia brasileira.

“O agronegócio foi construído para renovar a imagem, para ‘modernizá-lo’, para ocultar o caráter concentrador, predador, expropriatório e excludente, para revelar somente o caráter produtivista. Houve o aperfeiçoamento do processo, mas não a solução dos problemas: o latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade, o agronegócio promove a exclusão (dos pequenos agricultores) pela intensa produtividade”, argumenta Mançano, no artigo “Um nome para modernizar o sistema de latifúndio”.

Anos depois, em 1995, a até então chamada “bancada do boi” passou a se autodenominar bancada ruralista. Era um novo movimento de reposicionamento de imagem. O nome generalizante assegurava a identificação do grupo com o meio rural, fazendo com que se misturasse a agricultores e pecuaristas de variadas faixas socioeconômicas.

Mudar nomes para conquistar reposicionamentos que acomodem interesses da elite latifundiária e das corporações do veneno, portanto, não é novidade. O pretendido apagamento do termo agrotóxico é apenas uma nova tentativa de lavagem. Dessa vez, para sumir com a sujeira de quem espalha veneno pelo país.

Fonte – Moriti Neto, O Joio e o Trigo de 14 de maio de 2018

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