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Guardiões das sementes sem veneno enfrentam ameaças de Temer

Juarez Antonio Felipe Perreira cultiva sementes de arroz crioulo em Barra do Ribeiro / Foto: Leandro Molina

Pequenos agricultores se dedicam a manter saberes tradicionais e patrimônio genético, marcas da história da agricultura

Os guardiões e guardiãs de sementes crioulas vêm resgatando e preservando não só sementes, mas também saberes e práticas agroecológicas que buscam diminuir a dependência da agricultura em relação aos atuais pacotes tecnológicos das grandes empresas transnacionais do setor, marcados pelo uso intensivo de agrotóxicos e outros insumos químicos.

Um dos princípios que orienta o trabalho dos guardiões de sementes crioulas é a busca da autossuficiência nas propriedades agrícolas, condição necessária para uma maior independência econômica e para assegurar a qualidade do que está sendo produzido. Franciele Menoncin Bellé, cuja família tem propriedade em Antonio Prado, destaca a importância desse trabalho de resgate e plantio de sementes para garantir a autossuficiência. “O que é fundamental na agricultura, principalmente quando se trata de sementes, é buscar a autossuficiência, garantindo à propriedade tudo o que ela necessita para produzir. Isso é importante porque aí você sabe exatamente o que está usando e tem a noção do que está produzindo.”

A família de Franciele Bellé resgata e planta sementes crioulas de milho, feijão, melancias, melões, abóboras, pimentas, alfaces, tomates, flores comestíveis e diversas plantas alimentícias não convencionais (as PANCs), entre outras. Ela destaca o caso do tomate para ilustrar o valor do que é produzido com essas sementes. “Uma das nossas principais sementes são as de tomate. São poucas as propriedades que ainda preservam e plantam as suas sementes. A maioria compra esses híbridos, que são aqueles tomates durinhos que a gente encontra em mercados. A minha mãe chama esses tomates de plástico. Eles são durinhos e não tem sabor. O crioulo, em compensação, apesar de ser um pouquinho mais mole, é carregado de sabor. A qualidade dele é completamente diferente”.

Sementes de arroz crioulo

Juarez Antonio Felipe Perreira cultiva sementes de arroz crioulo em Barra do Ribeiro. Neste trabalho, já resgatou algumas variedades que estavam praticamente extintas. Ele descobriu uma diversidade de sementes e variedades nas mãos de pequenos agricultores que as cultivavam para seu próprio sustento. “Esse agricultor, na nossa região, nunca se preocupou em purificar uma semente. Ele cultiva o que gosta de comer. Havia um verdadeiro banco genético na mão desses agricultores”, conta.

Por meio desse trabalho de pesquisa nas propriedades de pequenos agricultores, ele foi resgatando diversas variedades de arroz crioulo. Algumas foram descartadas, relata, mas outras se multiplicaram e deram uma resposta muito boa em termos de adaptação, produção e satisfação no prato do consumidor. “Essas variedades têm mais sabor pois, normalmente, são adaptadas ao cultivo sem fertilizantes, sem adubos. Elas têm ainda muita inteligência de se relacionar com o meio onde vivem. A minha família cultiva o arroz farroupilha (uma dessas variedades) há mais de 85 anos. Pelo que sei, há pelo menos duas variedades, o farroupilha e o japonês, que estão aqui no estado há mais de cem anos”.

Ameaças no horizonte

O conhecimento envolvido no cultivo das sementes crioulas vem sendo passado de geração para geração e representa um movimento de resistência diante do modelo de produção proposto pelo agronegócio. Esse trabalho, porém, está ameaçado.  Um parecer jurídico assinado pelo Procurador da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Ricardo Augusto de Oliveira, proíbe e impede que sementes crioulas sejam utilizadas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, que vem ocorrendo desde 2004.

Caso isso ocorra, alertou a Via Campesina em nota oficial, “muitas toneladas de sementes produzidas se transformarão em grão para consumo e milhares de famílias pobres do campo, entre elas indígenas e quilombolas, ficarão sem sementes para produzir sua subsistência”. Essa proposta, acrescenta a nota, representa “mais um rosto da fome se expressando no campo: impedir de plantar o que comer”.

Na avaliação das entidades que integram a Via Campesina, o objetivo real dessa proposta é extinguir o PAA. O governo Temer, assinalam, “serve aos grandes proprietários rurais e às multinacionais das sementes que querem extinguir o controle popular da biodiversidade agrícola. E assim, com aparência de legalidade, o golpe atingiu as sementes crioulas e quem as produz e utiliza”.

Uma ameaça similar paira sobre as chamadas cultivares. O Projeto de Lei 827/2015 propõe o pagamento de royalties sobre espécies de plantas que foram alteradas, como as híbridas. Essa proposta ameaça a troca, a livre distribuição e o armazenamento de sementes em comunidades tradicionais. Caso aprovado, o PL, de autoria do deputado ruralista Dilceu Sperafico (PP-PA), passaria o controle sobre o uso de sementes, plantas e mudas modificadas para grandes empresas do setor agropecuário.

Fonte – Marco Weissheimer, edição Marcelo Ferreira, Brasil de Fato de 18 de Agosto de 2018

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