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Conscientização é fundamental no combate ao desperdício de alimentos

(foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Novas ferramentas surgem a cada dia e a sua implementação resulta da pressão da sociedade por um mundo mais sustentável e sem desperdício

A conscientização dos consumidores é parte fundamental no combate ao desperdício. A mudança de hábitos, aliada à implementação das novas tecnologias nos vários elos da cadeia alimentar, é capaz de reverter as perdas responsáveis por danos ambientais, por prejuízos bilionários e, sobretudo, pela tragédia da fome. Novas ferramentas surgem a cada dia e a sua implementação resulta da pressão da sociedade por um mundo mais sustentável e sem desperdício.

“Tudo começa na educação”, diz Daniela Leite, idealizadora da Comida Invisível, empresa social de conscientização, cuja missão é prestar consultoria e dar aulas para fomentar a importância do combate às perdas. “Grande parcela da nossa atuação é com políticas públicas, analisamos questões legais e estendemos as informações aos canais de comunicação nas redes sociais, com curadoria de conteúdo e treinamento em empresas”, destaca.

Daniela lembra que o direito à alimentação existe desde 1948, resultante de um pacto das Nações Unidas. No Brasil, no entanto, o direito só chegou em 2010, em uma alteração de emenda constitucional. “Quando chega como direito e garantia fundamental, há o viés da Lei Orgânica de Assistência Social, segundo a qual o governo é responsável por garantir esse direito, mas a sociedade não pode se eximir do problema”, explica. Por isso, a importância de projetos da iniciativa privada.

O projeto Comida Invisível surgiu para preencher essa lacuna. “O desperdício está muito arraigado na nossa estrutura de hábito, porque não estamos prestando atenção. Dentro do cérebro, a coisa funciona no automático. Daí a necessidade de chamar a atenção para o problema. Um bom começo é reparar no lixo”, alerta Daniela. Do projeto educativo, a Comida Invisível virou um aplicativo que une, por geolocalização, potenciais doadores a entidades que precisam de alimentos para atender pessoas carentes. “Já são mais de 3 mil downloads. Atingimos mais de 9 mil pessoas em palestras, 29 mil nas redes sociais e recuperamos 12 mil pratos de comida”, enumera a idealizadora.

Como Daniela, Roberto Fumio Matsuda, fundador da Fruta Imperfeita, também iniciou um projeto inovador a partir do engajamento com a causa do combate ao desperdício. “Sou filho de agricultores e sempre vi, de perto, a dificuldade da agricultura familiar de acesso a mercado e tecnologia”, assinala. Por conta da exigência de padronização, parte da produção não era comercializada. “Quando os produtores conseguiam um frete barato, levavam as frutas e hortaliças imperfeitas para indústrias de geleia, sucos e molhos, mas, na maioria das vezes, iam para o lixo”, conta.

A partir da necessidade de encontrar um mercado para os produtos imperfeitos na forma, mas saudáveis e nutritivos, Matsuda criou a empresa Fruta Imperfeita, que busca essa produção no campo e leva até a casa do consumidor. “Lançamos o projeto em novembro de 2015, mais como movimento de consumo consciente. A gente falava do problema e depois dizia que era parte da solução”, destaca.

No primeiro ano, a empresa conquistou 400 assinantes. No segundo, 800. Deve fechar o terceiro ano de atividades dobrando o número de clientes novamente, para 1,6 mil até novembro. “As pessoas entram no site, escolhem o tamanho da cesta, com legumes e frutas, ou apenas um ou outro. Podem optar entre receber em casa uma vez por semana ou a cada 15 dias”, explica.

Os preços praticados são 15% mais baratos do que os supermercados. Em relação a outros serviços de entrega, o desconto chega a 50%. Com os 1,5 mil clientes que têm atualmente em São Paulo, a Fruta Imperfeita evitou o desperdício de 500 toneladas de alimentos. “Agora, vamos lançar frutas desidratadas, numa parceria com a indústria”, antecipa o empresário.

A tecnologia é uma importante aliada em todas as etapas da cadeia. O engenheiro agrônomo Murillo Freire, pesquisador da Embrapa e representante brasileiro no comitê de peritos da FAO no tema de diminuição das perdas, conta que duas inovações na área de embalagens de hortaliças e frutas reduzem os danos mecânicos e prolongam a vida dos alimentos.

Um projeto financiado por banco público cria uma embalagem que individualiza os frutos, a partir de fibras vegetais. “Já temos 19 pedidos de patente no Instituto Nacional de Tecnologia vinculado MCTIC (Ministério de Ciência Tecnologia, Inovações e Comunicação)”, afirma. O segundo, em conjunto com o Instituto de Macromoléculas, inventou uma película comestível que protege as frutas e hortaliças. “Essa está na fase de cooptar empresas para colocar no mercado”, conta.

As duas iniciativas individualizam os frutos, evitam o dano mecânico e atrito e aumentam a eficiência da refrigeração. “O revestimento comestível e biodegradável também corta sintomas de doenças, com ingrediente antibacteriano e antitoxina. É uma solução de imersão do fruto, que diminui a troca de gás e reduz a respiração do alimento”, explica.

A película já tem aplicação prática. “Fizemos para exportar coco para Portugal. O filme impede a perda de água e aumenta a durabilidade da fruta de 20 para 40 dias. No palmito pupunha, a vida sobe de sete para 21 dias”, conta. A Embrapa agora treina pessoas, dá a formulação do produto para aplicação em nível comercial e desenvolve a tecnologia para goiaba, manga e mamão. “Como cada fruto tem suas características de troca de ar e de água, não é possível usar a mesma película para todos”, sublinha.

As novas ferramentas tentam evitar as perdas durante a cadeia, mas quando isso não é suficiente, resta a doação do alimento antes que ele não sirva mais e vá parar no lixo. Aí, entra uma das iniciativas do setor privado mais antigas do país, o programa Mesa Brasil do Sesc. A nutricionista Karla Feijão conta que a ideia é simples: “Buscamos onde sobra e entregamos onde falta”.

O Sesc tem 92 bancos de alimentos em 542 cidades do país. Desde 2003, foi responsável pela doação de mais de 470 mil toneladas de alimentos. No Distrito Federal, pioneiro na criação do banco de alimento do Sesc, foram quase 11 mil toneladas de alimentos doados. “Temos 272 empresas doadoras e 391 entidades beneficiadas. Com isso, o Mesa Brasil já atendeu 455 mil pessoas com 113 milhões de refeições complementares”, contabiliza Karla.

Conheça os alimentos

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(foto: CB/D.A Press)

Alimentos mais perecíveis e delicados, as hortaliças precisam de cuidados especiais para durar mais. O armazenamento correto, o uso no tempo devido e o aproveitamento integral dos hortifrutigranjeiros são iniciativas simples, que podem ser adotadas por todos os consumidores, em casa, e que têm potencial gigantesco na redução do desperdício.

O projeto Hortaliça não é só salada, coordenado pela pesquisadora Milza Moreira Lana, da Embrapa Hortaliças, alerta para as qualidades dos alimentos, suas peculiaridades e a melhor forma de armazenamento e aproveitamento de cada um deles. “O desperdício que ocorre no varejo é porque quem compra não conhece o produto. Não é adequado tocar nos alimentos”, ensina.

Em casa, a perda ocorre por acondicionamento incorreto, destaca a especialista. “Outra coisa é o desconhecimento. Se não conhece o maxixe, não compra porque aquilo vai ter desperdício”, recomenda. O projeto apresenta as 50 principais hortaliças e ensina como comprar, conservar e consumir cada uma delas. Ao comprar, é preciso aprender a identificar as hortaliças de boa qualidade a partir de sua aparência, sem precisar quebrar ou apertar para saber se o produto está bom para consumo.

Alguns exemplos simples são: para batata, tamanho não é documento; berinjela passada perde o brilho da casca; os botões do brócolis devem estar bem fechadinhos, sem nenhum sinal de florzinha aberta; já no caso do agrião, as flores abertas não comprometem a qualidade. Na hora de conservar, o projeto indica como aproveitar melhor a geladeira (veja quadro ao lado) e o congelador para preservar a qualidade de cada hortaliça e evitar desperdícios.

O Hortaliça não é só salada também apresenta receitas para todas as refeições, com dicas para higienizar corretamente os alimentos, especialmente os consumidos crus. “Conforme o preparo, características como sabor, coloração, textura e valor nutricional são ou não preservadas”, diz a especialista. Milza ressalta, ainda, que nos alimentos processados não é possível ver os danos. Enquanto nos in natura, se percebe alterações sensoriais, de cheiro e aparência. “No entanto, isso nem sempre é o mais perigoso. O tomate podre é apenas uma planta que estragou. Agora, salmonela ou botulismo ninguém enxerga e podem matar. Existe uma razão para que se tenha muito cuidado sempre”, alerta.

Três perguntas para João Gomes Cravinho / Embaixador da União Europeia no Brasil

Como os exemplos da Europa podem ajudar o Brasil no combate ao desperdício de alimentos?

O combate ao desperdício de alimentos é uma tarefa complexa, que depende da identificação e elaboração de estratégias nacionais, adaptadas à realidade de cada país. Cabe às autoridades brasileiras, em conjunto com as diferentes partes interessadas, construir o caminho e implementar as ferramentas para atingir esse objetivo. Todos os atores precisam trabalhar juntos para encontrar soluções. Agricultores, transportadores, fabricantes, varejistas e até os próprios consumidores. Governantes, pesquisadores, bancos de alimentos e outras ONGs também desempenham um papel importante.

Que ações podem mitigar o problema?

Em 2016, a UE criou uma plataforma que permitiu progressos significativos na implementação de ações de prevenção de resíduos alimentares. Primeiro, a elaboração de uma metodologia de medição harmonizada para apoiar o monitoramento dos níveis de desperdício de alimentos que permitirá uma quantificação coerente dos níveis de resíduos alimentares, em cada fase da cadeia de abastecimento alimentar. O que é mensurável é gerenciável. Em segundo lugar, a comissão adotou diretrizes da UE para facilitar a doação de alimentos e o uso dos gêneros alimentícios que são seguros para comer, mas não mais para consumo humano e, sim, para rações animais. Por fim, analisa formas de melhorar a utilização da marcação da data de validade na cadeia alimentar.

Qual é o impacto esperado do projeto Diálogos Setoriais UE-Brasil?

Dada a importância de reduzir pela metade o desperdício até 2030, a UE está interessada em promover a cooperação internacional nesse tema, incluindo diálogo regulatório, compartilhamento de experiências e intercâmbio de melhores práticas. Devido à complexidade político-legislativa e as muitas partes envolvidas, nada melhor que ações de cooperação internacional para avançar de forma mais rápida, decisiva e eficiente. Esse projeto se baseia na partilha e troca de informação sobre estudos de caso e ações de sucessos enatre a UE e o Brasil.

Fonte – Simone Kafruni, Correio Braziliense de 16 de setembro de 2018

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