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60 abaixo de zero nos EUA. Cadê o aquecimento global?

Chicago durante a onda de frio (Foto: reprodução)

Bem aqui. Enquanto o vórtice polar gela os ossos dos moradores de Chicago, o Brasil e a Austrália tostam no verão mais quente e seco dos últimos anos

A terceira maior cidade dos Estados Unidos parou nesta quarta-feira (30). A Defesa Civil recomendou aos moradores de Chicago que não saiam de casa e por nada neste mundo deixem seus animais de estimação do lado de fora: as temperaturas absolutas poderiam cair abaixo de -32oC, tornando 30 de janeiro o dia mais frio não do ano, mas da história da metrópole. Devido ao vento de mais de 30 km/h, a sensação térmica prevista era de -51oC, o que causa congelamento de qualquer superfície exposta da pele em poucos minutos. Em algumas regiões do Meio-Oeste, a sensação térmica bateu -60oC. Os moradores de Chicago estão chamando a cidade de “Chibéria” na internet.

Por todo o Meio-Oeste e Nordeste dos EUA e partes da Europa, o inverno de 2019 veio com tudo, trazendo tempestades de neve, ventos inclementes e temperaturas baixas. Questionada sobre qual era a sensação de andar na rua nesta quarta-feira, uma moradora de Nova York, encapotada dentro de casa, disse ao OC: “Não tenho nenhuma intenção de descobrir!”

Eventos extremos como este são saudados com os questionamentos de praxe à existência do aquecimento global. Nos EUA, o presidente Donald Trump, que parece ainda não ter aprendido a diferença entre tempo (os padrões meteorológicos diários) e clima (a média dos padrões meteorológicos ao longo de um período), já cometeu seu tuíte sazonal:

“In the beautiful Midwest, windchill temperatures are reaching minus 60 degrees, the coldest ever recorded. In coming days, expected to get even colder. People can’t last outside even for minutes. What the hell is going on with Global Waming? Please come back fast, we need you!”

(…)

O que está causando o frio recorde nos EUA é um fenômeno chamado vórtice polar. E ele tem tudo a ver com o aquecimento global.

O vórtice é o nome dado a ventos de altitude que sopram sobre o Ártico e “aprisionam” o frio extremo sobre a região polar no inverno. Esses ventos são mantidos em sua trajetória circular sobre o polo pela chamada corrente de jato, uma espécie de barreira de ventos que sopra sobre o hemisfério Norte em altas latitudes. Um jeito de imaginar a corrente de jato é pensar nela como um imenso rio no céu, muitas vezes mais largo que o Amazonas e também cheio de meandros.

A corrente de jato é muito veloz. Além de fazer os voos entre a América do Sul e a Europa serem mais rápidos do que no sentido oposto, essa velocidade funciona como uma barreira às massas de ar do Ártico. Como essa barreira de ventos é muito variável e cheia de meandros, é normal que no inverno massas frias escapem da zona polar para atitudes mais baixas. É também normal que o vórtice polar se quebre em vários pedaços em alguns anos, empurrando para o sul os meandros da corrente de jato, que ficam mais pronunciados, e produzindo grandes massas de ar frio que invadem a zona continental e causam invernos extremos.

Ilustração da Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos EUA mostra a relação entre a corrente de jato (jet stream) e o vórtice polar

Ilustração da Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos EUA mostra a relação entre a corrente de jato (jet stream) e o vórtice polar

Essas invasões do hemisfério Norte pelo vórtice polar estão ficando mais frequentes. Um número cada vez maior de pesquisas sugere que isso se deve ao aquecimento do Ártico.

A explicação é que a corrente de jato deriva sua força da diferença de temperatura entre o Ártico e as latitudes mais baixas. Como o Ártico vem esquentando duas vezes mais rápido que o resto do planeta no último século, o gelo marinho e a neve da Sibéria vêm recuando e essa diferença de temperatura fica menor. Os ventos ficam mais lentos e os meandros do imenso rio aéreo ficam mais pronunciados.

O resultado é que as massas de ar polar ficam mais “saidinhas”, por assim dizer, escapulindo para A América do Norte, a Europa e a Rússia. O mesmo vale para ondas de calor, que estacionam por mais tempo sobre o continente devido à ausência de uma corrente de jato forte para assegurar o bom trânsito das massas de ar. Em 2017, outro ano de vórtice polar forte, nós explicamos o fenômeno neste vídeo.

Mapa com vase em imagens de satélite mostra o frio tomando conta dos Estados Unidos (Imagem: Nasa)

Mapa com vase em imagens de satélite mostra o frio tomando conta dos Estados Unidos (Imagem: Nasa)

Quem olha apenas para o frio acachapante do norte, além de tudo, se esquece dos extremos de calor na outra metade do mundo. Quem passou os últimos meses no Brasil sabe muito bem como é.

Temperaturas acima da média fustigam os moradores do Sudeste e Centro-Oeste. O calor extremo infestou a memesfera, elevou o consumo de energia e fez voltar a pairar sobre os brasileiros a espada de Dâmocles da falta de luz, como mostrou esta reportagem do jornal O Globo.

Segundo o climatologista José Marengo, do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), o verão deste ano é atípico, com temperaturas médias de 3oC a 4oC mais altas que o normal para esta época do ano. “Uma área de alta pressão no sudeste do Brasil não favorece a entrada de frentes frias do sul ou de umidade da Amazônia do norte, e assim ficamos sem chuvas e com céu claro”, afirmou. É o que os cientistas chamam de “bloqueio atmosférico”. Em 2014, um bloqueio atmosférico de 47 dias precipitou a crise hídrica de São Paulo. E é bom já ir se preparando: “O verão do hemisfério Sul e o inverno do hemisfério Norte ainda não acabaram e podem piorar”.

Neste ano, segundo o Boletim de Impactos do Cemaden, as vazões dos reservatórios do Sistema Cantareira (SP), da Serra da Mesa (GO) e da represa de Três Marias (MG) ficarão abaixo da média. Um El Niño se desenvolve neste ano, mas, segundo Marengo, ele é moderado e insuficiente para explicar o calorão no Sudeste.

“Em termos comparativos, janeiro de 2019 é apenas superado (em termos de falta de chuva) pelo janeiro de 2014 que, como sabemos, desencadeou uma grave crise hídrica. Em termos de temperatura, janeiro de 2019 está sendo ainda mais quente que janeiro de 2014″, disse o climatologista Marcelo Seluchi, também do Cemaden.

Segundo Seluchi, a onda de calor no Brasil não é um fato isolado: há três sistemas parecidos atuando hoje no hemisfério Sul, um deles na costa índica da África e outro na Austrália, onde as temperaturas neste verão já atingiram 50ºC positivos. “Em outras palavras, a onda de calor no Brasil não é um fato isolado e está ligada a uma alteração da circulação atmosférica no hemisfério Sul. No hemisfério Norte essa alteração está provocando ondas de frio.”

Nos cenários previstos de mudanças climáticas, diz o pesquisador, as ondas de frio se tornarão menos frequentes que as ondas de calor, mas serão mais  intensas. “Ou seja, o que vai prevalecer é o aumento dos extremos climáticos. Na atualidade isso está presente simultaneamente nos  dois hemisférios.”

Fonte – CLaudio Angelo, Observatório das Metrópoles de 30 de janeiro de 2019

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