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Comer mal mata mais que o tabaco

Patrick Shimada, chef do The Oak Door, no hotel Grand Hyatt de Tóquio, posa com o hambúrguer de três quilos que preparou em 1º de abril.

Patrick Shimada, chef do The Oak Door, no hotel Grand Hyatt de Tóquio, posa com o hambúrguer de três quilos que preparou em 1º de abril. CHARLY TRIBALLEAU. AFP

Excesso de sal e falta de cereais integrais e frutas se associam à metade das 11 milhões de mortes anuais causadas por uma alimentação desequilibrada

Comer mal, seja por consumir pouco de alguns alimentos ou muito de outros, está relacionado a 11 milhões de mortes no mundo todo por ano, segundo um estudo publicado nesta quinta-feira pela The Lancet. Esta cifra representa quase um quinto das 57 milhões de mortes que ocorrem no planeta anualmente, e é maior do que as mortes atribuídas ao tabaco (7 milhões, segundo a Organização Mundial da Saúde), câncer (8,2 milhões), ataques cardíacos (5,5 milhões) e obesidade (2,8 milhões). Esses 11 milhões estão distribuídos entre mortes por doenças cardiovasculares (10 milhões), cânceres relacionados a alimentos, como os do cólon (900.000), e diabetes (300.000). Naturalmente, todos esses aspectos estão conectados, e há mortes vinculadas com a nutrição que se manifestam como câncer.

O trabalho foi financiado pela Fundação Bill e Melinda Gates e se baseia na coleta de dados sobre a ingestão de 15 nutrientes em 195 países. Especificamente, foi estabelecido que é má uma dieta baixa em frutas, vegetais, legumes, cereais integrais, nozes e sementes, leite, fibras, cálcio, ácidos graxos ómega-3 de alimentos marinhos, gorduras poli-insaturadas ou com muita carne vermelha, carne processada, bebidas açucaradas, gorduras trans e sódio (cuja principal fonte é o sal).

Nesse complicado equilíbrio (ingerir menos de uma coisa e mais de outra), os autores afirmam que o estudo confirma “o que muitos pensavam”. “Que uma dieta pobre [nos alimentos que devem estar presentes] é responsável por mais mortes que qualquer outro fator de risco no mundo”, nas palavras do principal autor do artigo, Christopher Murray, diretor do Instituto para Métrica e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington. É por isso que Murray vai além e aponta para a necessidade de redefinir campanhas de boas práticas nutricionais. “Embora o sódio [o sal], o açúcar e a gordura tenham sido o foco do debate nas últimas duas décadas, nosso trabalho sugere que os principais fatores de risco nas dietas são o elevado consumo de sódio e também a baixa ingestão de alimentos saudáveis, como cereais integrais, frutas, nozes e sementes [frutas secas] e vegetais”, diz ele. Excesso de sal e a insuficiência de grãos integrais e frutas são responsáveis por metade desses 11 milhões de mortes, segundo o estudo.

O grupo de peritos, que inclui também representantes da Universidade Harvard, já havia avaliado a situação em 1990, e desde então as mortes associadas a desequilíbrios alimentares aumentaram em oito milhões, apesar de eles atribuírem isso mais ao aumento da população do que a outros fatores.

O trabalho oferece uma classificação dos 195 países estudados. Israel, França e Espanha são, nesta ordem, os três cujos hábitos alimentares causam menos mortes, com menos de 90 mortes por 100.000 habitantes (cerca de 40.000 no caso espanhol, 10% do total). São seguidos pelo Japão e Andorra. O primeiro país americano é o Peru (9º lugar), vindo depois as Bermudas (18), Porto Rico (20) e Canadá (22). O primeiro africano é Ruanda (41), seguido pela Nigéria (42), logo antes dos Estados Unidos (43). Das grandes potências, a Rússia é a 171ª dos 195; Itália, a 10ª; Reino Unido, a 23ª; Alemanha, a 38ª; China, a 140ª. O México está classificado em 57º; Argentina, em 62º e o Brasil, em 50º. Fecham a lista três países do Pacífico, Vanuatu, Papua Nova Guiné e Ilhas Marshall, e depois o Afeganistão e o Usbequistão.

Quanto aos componentes específicos, a Espanha ocupa o 155º lugar em termos de mortalidade associada ao consumo de carnes processadas (quanto maior a posição, mais mortalidade), o 168º para carne vermelha, o primeiro em termos de sódio [sal], o 83º em bebidas açucaradas. É o segundo com a menor mortalidade associada ao consumo de ácidos graxos trans, o 151º para o consumo de leite, o 37º para fibra, o 14º para frutas e o 43º para legumes.

Felipe Casanueva, do Centro de Pesquisa Biomédica em Rede da Fisiopatologia da Obesidade e Nutrição (Ciberhobn), acredita que o trabalho “corrobora” o que eles vêm “pregando há muitos anos” sobre os benefícios da dieta mediterrânica e que da chamada dieta atlântica, que têm a mesma base (produtos próximos, muitos vegetais, peixe e pouca carne), mas com os alimentos da região. “A dieta tem que ser sensata e equilibrada. Qualquer alimento pode ser incorporado quando se usa a cabeça e se tem uma alimentação muito variada.”

Ele só fica chocado com o pequeno dano atribuído ao abuso de sal, quando na Espanha o consumo é o dobro do recomendado pela OMS (9,8 gramas por dia, em comparação com os 5 recomendados). “Temos um consumo problemático que até alterou a percepção dos consumidores, que não percebem o quão salgado comem”, diz Casanueva. Mas, em contrapartida, destaca que medidas importantes foram tomadas, como “a redução do sal em 25% na farinha de pão”. E afirma que “muitas patologias são neutralizadas por tratamentos muito agressivos”, como o uso intensivo de anti-hipertensivos para combater o efeito do sal. “Aqui a mortalidade é muito baixa porque fazemos de tudo.”

Em média, a população mundial come apenas 12% dos 21 gramas diárias de nozes e sementes recomendadas por dia e toma mais de 10 vezes a quantidade recomendada de bebidas açucaradas (49 gramas em comparação com os 3 estipulados). Só se consome 16% do leite considerado necessário (71 gramas reais comparados a 435); cerca de um quarto dos grãos integrais (29 de 125 gramas), e quase o dobro da carne processada (4 gramas versus 2 recomendados) e 86% mais de sódio.

Por zonas, uma ingestão elevada de sódio (mais de três gramas por dia) foi a principal causa de morte associada à dieta do Japão, China e Tailândia. Ingerir poucos grãos integrais (menos de 125 gramas por dia) foi o motivo destacado nos Estados Unidos, Índia, Brasil, Paquistão, Nigéria, Rússia, Egito, Alemanha, Irã e Turquia; comer poucas frutas (o mínimo é de 250 gramas por dia), em Bangladesh; a baixa ingestão de nozes e sementes, no México. Por último, comer muita carne vermelha (mais de 23 gramas por dia), processados (mais de dois gramas por dia), gorduras trans (mais de 0,5% da energia consumida) e bebidas açucaradas (mais de três gramas de açúcar por dia) são as menores preocupações dos países mais populosos.

Miguel Ángel Rubio, chefe da Endocrinologia e Nutrição do Hospital Clínico de Madri e membro da sociedade espanhola dessa especialidade (SEN), endossa as conclusões gerais, mas ressalva que os próprios autores avisam que os dados estão incompletos (não se pode conseguir esses detalhes de todos os países). Critica que nem se mencione o azeite de oliva e resume que “se trata de um trabalho de observação que, portanto, não estabelece causalidade, mas, quando muito, faz uma associação entre o consumo de certos elementos nutricionais e a mortalidade em 195 países”. “A adesão a esses padrões mais saudáveis poderia estar associada a menor mortalidade, e certas políticas nacionais poderiam melhorar esse comportamento individual por meio do favorecimento do acesso e do controle de preços para produtos saudáveis e/ou impostos sobre os mais prejudiciais”.

O presidente da SEN, Francisco Tinahones, destaca que os indicadores do estudo “estão intimamente relacionados à dieta mediterrânea”. “Embora a Espanha tenha caído na pontuação [há uma escala de 17 pontos que mede a adesão aos padrões tradicionais], ainda continua muito à frente dos demais. Não é por acaso que estamos entre os países com maior expectativa de vida, e estudos como o Predimed, que mede como o risco cardiovascular diminui com a dieta mediterrânea, vai nessa linha”.

Rubio diz que “em alguns países economicamente mais desfavorecidos o acesso a alguns desses nutrientes, para a adoção de um consumo desejável, é quase impossível”. Ele acrescenta que “talvez a melhora da saúde ambiental e das condições sociais e sanitárias ocupem um lugar mais importante na melhoria da qualidade e quantidade de vida. Que regiões como a Ásia consumam uma elevada quantidade de sódio (molho de soja, carnes e peixes salgados, conservas e outros alimentos salgados) é compreensível”.

As quantidades diárias recomendadas

Frutas. 250 gramas.

Outros vegetais. 360 gramas.

Legumes. 60 gramas.

Grãos integrais. 125 gramas.

Nozes e sementes. 21 gramas.

Carne vermelha. 23 gramas.

Carne processada. 2 gramas.

Bebidas açucaradas. 3 gramas de açúcar por dia.

Fibra. 24 gramas.

Cálcio. 1,25 gramas.

Ômega-3. 250 miligramas.

Ácidos graxos poli-insaturados. 11% do total de energia.

Ácidos graxos trans. 0,5% da energia.

Sódio. 3 gramas expelidas pela urina.

Fonte – Emilio de Benito, El País de 04 de abril de 2019

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