Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Vale a pena este caminho?
Foto: Ana Domingues – Funverde e Rogel Martins Barbosa
Como venho escrevendo sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a norma exige que o resíduo seja tratado e somente o resíduo residual seja disposto em aterro.
Mas à míngua de incentivos ou cobrança pelo tratamento, o que estamos vendo é o estabelecimento do modelo de aterro sanitário como solução para os resíduos sólidos urbanos.
Isto nos leva a um olhar do que está acontecendo pelo mundo e vemos que o problema que lá fora está ocorrendo é o que aqui estamos preparando.
A Europa já está trabalhando e gastando elevados valores com o desmonte de aterros.
Os EUA, que investiu neste modelo de aterro, agora já começa a enfrentar problemas. Vou dar alguns exemplos.
O maior aterro sanitário do Estado de Massachussetts, em Southbridge, não conseguiu ampliar sua área. O Departamento de Proteção Ambiental de Massachusetts determinou que partes da expansão do aterro, que é operado pela Casella Waste Systems, não atendem aos critérios necessários para o descarte de resíduos sólidos. Toda esta discussão girou em torno do problema de contaminação de águas subterrâneas pelo aterro. Houve contaminação de águas e a empresa não conseguiu provar sua real extensão. Um pouco mais desta história você pode ler em https://www.bostonherald.com/2017/02/16/regulators-halt-southbridge-landfill-expansion/
Mas não é só o problema das águas que afetam os aterros. Nos EUA, assim como no Brasil, a agricultura tem um alto valor e significado para a nação. Terras férteis são feitas para plantar alimentos e não lixo. Neste diapasão, agora no final de fevereiro de 2019, a Suprema Corte do Estado do Oregon decidiu contra uma expansão de 29 acres do Riverbend Landfill, no condado de Yamhill. A decisão disse que a oferta da Waste Management para compensar os agricultores vizinhos “não aborda adequadamente” a potencial perda na produção agrícola. Se quiser uma leitura maior sobre o caso acesse https://www.wastedive.com/news/waste-management-landfill-faces-uncertain-future-after-oregon-supreme-court/550685/
Mesmo caso se deu no final do ano de 2018, agora no Kentucky. Os moradores do condado de Scott se manifestaram contrários ao pedido do aterro central de Kentucky para ter mais de 170 acres, pois a área de expansão deveria ser rezoneada de uso agrícola para industrial. Este exemplo pode ser lido em http://kftc.org/blog/victory-scott-county-landfill-denied-zoning-expansion
Isto que está acontecendo lá já vem acontecendo aqui, só que o estado não vem respondendo a contento o direito ao consentimento informado da população e os órgãos tecnocráticos tem o ranço positivista de achar que sabem o que é melhor para o povo, mais do que o próprio povo.
Mas esta realidade vai mudar, como já está mudando. A grande questão é: por que, por inércia ou por ação, vamos incentivar um modelo que apresenta um problema?
O aterro é absolutamente necessário em nosso estágio tecnológico e econômico, que não permite o tratamento de todos os resíduos ou quando os trata, ainda produz um resíduo residual que deve ser aterrado. Mas ele é necessário nos termos da Política Nacional e não nos termos que o estado está admitindo.
O Brasil tem em seu solo uma grande riqueza agrícola e vamos permitir plantar resíduos in natura, que poderiam ser tratados? Um aterro pode ter uma vida média de 20 anos. Nós ainda estaremos aqui discutindo a possibilidade de expansão destas áreas ou a obrigação de seu desmonte e tratamento. Mas é correto jogar para o futuro aqui aquilo que já é futuro lá fora? Vale a pena seguir este caminho?
Fonte – Rogel Martins Barbosa, advogado, professor do curso HistoriaDosResiduos e autor, entre outras obras do Política Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos, Guia de Orientação para Municípios.
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