Por Sérgio Teixeira Jr. - ReSet - 12 de novembro de 2024 - Decisão adotada no…
Apetite da China e da UE por soja impulsiona o desmatamento brasileiro e aumentam as mudanças climáticas
Por Glenn Scherer – Mongabay
O estudo forneceu estimativas detalhadas das emissões de gases de efeito estufa em todo o setor do agronegócio do soja no Brasil. O estudo, publicado na revista Global Environmental Change, verificou que países e empresas da União Européia e da China que importam soja do Brasil estão ajudando a agravar o desmatamento no Brasil, causando um aumento acentuado nas emissões de gases de efeito estufa, principalmente quando a soja veio de determinadas regiões do país.
Embora o desmatamento na floresta amazônica tenha atraído atenção global, uma nova onda de perda da vegetação nativa é observada no Cerrado, o bioma de savana do Brasil, e é uma das principais preocupações dos pesquisadores quanto a mudanças climáticas. Os campos de cerrado do Brasil estão sendo desmatados a uma taxa alarmante para aumentar o plantio de soja a fim de atender à demanda global atual.
segundo o novo estudo realizado por pesquisadores da Alemanha em conjunto com parceiros da Espanha, Bélgica e Suécia. a soja exportada de terras recentemente desmatadas em alguns municípios do cerrado causou a liberação de até 200 vezes mais emissões de gases de efeito estufa do que a soja proveniente de outras partes do Brasil.
As disparidades regionais extremas nas emissões de diferentes partes do país foram uma surpresa para os pesquisadores e poderiam oferecer um mapa detalhado aos formuladores de políticas pública sobre onde concentrar os esforços na redução de emissões de carbono para obter o maior benefício.
A vasta escala de remoção de vegetação nativa para o cultivo industrial de soja no Brasil é evidente nesta imagem aérea do Cerrado. Crédito: Jim Wickens Ecostorm / Mighty Earth (2017).
“Uma das grandes vantagens: não existe uma cadeia de suprimentos média para as exportações de soja do Brasil. Precisamos levar em conta essas diferenças regionais” no desmatamento, infraestrutura de transporte e emissões resultantes, disse o Dr. Neus Escobar, principal autor do estudo e pesquisador e pós-doutorado na Universidade de Bonn, na Alemanha.
Uma plantação de soja no cerrado brasileiro. Imagem de Alicia Prager / Mongabay.
O novo estudo sobre a soja em todo o Brasil também oferece informações sobre como países e empresas contribuem para as emissões de carbono por desmatamento que está ocorrendo no Brasil. As informações podem ajudar as nações e o setor de commodities da soja a reduzir o desmatamento e, assim, as emissões de gases poluentes, ajustando suas cadeias de fornecimento, decisões de compra e planos de mitigação das mudanças climáticas.
“Isso fornece informações cruciais para as partes interessadas para melhorar o desempenho ambiental”, acrescentou Escobar em entrevista ao Mongabay. As empresas que importam soja do Cerrado foram alertadas de que o desmatamento está produzindo altas emissões de gases de efeito estufa, para que possam trabalhar ativamente com os produtores de soja para evitar a limpeza de novas terras para as plantações de Cerrado, disse ela.
As emissões totais de gases de efeito estufa das exportações brasileiras de soja foram estimadas em 223 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono. A China foi o maior importador de soja brasileira durante o período de estudo de 2010 a 2015 e responsável por 51% das emissões associadas de dióxido de carbono, enquanto a União Europeia foi responsável por 30%.
Mas por unidade de soja, a pegada de carbono da Europa nas importações brasileiras é maior que a da China, segundo o estudo. As importações da União Européia também tiveram maior probabilidade de causar novo desmatamento (causando liberações de carbono), em comparação com as importações da China.
“Essa descoberta é surpreendente porque a China é um importador muito maior do que a Europa”, disse Javier Godar, co-autor e pesquisador sênior do Stockholm Environment Institute, em entrevista ao Mongabay. “No final, a Europa está importando um pouco mais de emissões de dióxido de carbono associadas ao desmatamento incorporado à soja do que a China”.
Isso ocorre porque grande parte da soja consumida em países da UE como Espanha e Alemanha vem do norte do Cerrado, onde as taxas atuais de desmatamento são maiores, explicou Godar. A China, por outro lado, importa a maior parte de sua soja brasileira do sul do Cerrado, que já converteu grande parte de sua vegetação nativa em terras cultiváveis.
Trator trabalha para transformar terras desmatadas em campo de soja em São Desidério, Bahia, Brasil em 2017. Crédito: Jim Wickens Ecostorm / Mighty Earth.
“Floresta subterrânea“
Lucia von Reusner, diretora de campanha da Mighty Earth, uma ONG ambiental norte-americana, disse que o estudo é importantíssimo para destacar os riscos do desmatamento no Cerrado brasileiro. “É uma das áreas com mais biodiversas do mundo e é uma grande problema para as pessoas que se preocupam com algumas das espécies mais bonitas e ameaçadas do planeta”. Além disso, “o desmatamento é um dos maiores impulsionadores das mudanças climáticas”.
A região foi apelidada de “floresta subterrânea” devido aos complexos sistemas de raízes de arbustos e de pequenas árvores, que retêm o solo e retêm enormes quantidades de carbono, acrescentou ela em entrevista ao Mongabay. “Quando a indústria da soja se instala, tudo isso é destruído e queimado. Todo o carbono armazenado nas raízes, árvores e solos é queimado e liberado na atmosfera.”
O Cerrado, apelidado de “última fronteira agrícola do Brasil”, apresenta algumas das maiores taxas de desmatamento da América Latina, disse Von Reusner, com apenas 50% de sua vegetação nativa remanescente. As maiores emissões de CO2 que ocorreram no Cerrado durante o período do estudo de 2010 a 2015 ocorreram na chamada região MATOPIBA, compreendendo os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Embora o estudo não ofereça dados atuais sobre desmatamento ou emissões de carbono, o MATOPIBA continua sendo hoje uma potência do agronegócio, um centro de produção e desmatamento de soja.
Este mapa mostra as emissões totais de dióxido de carbono embutidas nas importações brasileiras de soja para diferentes regiões entre 2010 e 2015. A União Europeia importou 67,6 milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa incorporadas na soja brasileira, enquanto a China importou 118,1 milhões de toneladas de emissões. Imagem cortesia de Escobar.
Este gráfico mostra as emissões totais de dióxido de carbono incorporadas pelas importações de soja do Brasil nos principais países importadores de soja de 2010 a 2015. Imagem cortesia de Escobar.
Verificando as emissões totais de soja
O estudo é o primeiro que forneceu uma estimativa das emissões de gases de efeito estufa em todo o setor de soja no Brasil com um nível alto de detalhes. Para chegar a suas conclusões, os pesquisadores analisaram dados de 90.000 diferentes cadeias de fornecimento de soja entre 2010 e 2015.
A soja é a commodity agrícola mais comercializada internacionalmente no mundo; portanto, analisar dados e estratégias para reduzir seu impacto nas mudanças climáticas é crucial para os formuladores de políticas que desejam preservar as florestas e, simultaneamente, reduzir as emissões de gases efeito estufa.
“Este estudo faz um bom trabalho ao observar onde, ao longo da cadeia de suprimentos, podemos identificar para poder reduzir as emissões”, disse Robert Heilmayr, cientista de sistemas terrestres da Universidade da Califórnia, Santa Barbara. Ele pesquisa o desmatamento no Brasil mas não participou deste estudo.
A profundidade dos dados do artigo ajuda a destacar como o Cerrado é “uma nova fronteira no desmatamento”, acrescentou, e estabelece a importância de incluir o cerrado em qualquer plano para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, em comparação com outras regiões produtoras de soja do Brasil.
Na floresta amazônica, uma moratória para evitar o desmatamento de novas terras para a soja foi lançada em 2006, o que reduziu bastante a conversão de florestas tropicais para dar lugar a novas plantações de soja. A moratória continua funcionando, embora o desmatamento na Amazônia esteja aumentando devido à intensa criação de gado e pressões de mineração. Um estudo constatou que a desaceleração do crescimento da soja na Amazônia apenas mudou e intensificou a produção de soja na área do Cerrado.
A extensão da Moratória da Soja Amazônica no Cerrado, por meio do chamado Manifesto do Cerrado ou de outras iniciativas – algo que as empresas multinacionais de commodities resistiram fortemente – poderia ajudar a reduzir o desmatamento relacionado à soja no local, segundo Heilmayr e outros.
Os dados foram coletados de 90.000 cadeias de fornecimento de soja e mostram como a quantidade de gases de efeito estufa liberada na produção, processamento e exportação da soja varia entre os municípios brasileiros e de ano para outro. Este mapa indica as emissões de dióxido de carbono das exportações de soja de todo o Brasil entre 2010-15. Imagem cortesia de Escobar.
Cadeias de suprimentos complicadas
O desmatamento não é a única causa de emissões relacionadas à soja, explicou Escobar. O transporte de soja de áreas remotas de produção rural para a costa sul-americana, especialmente por caminhão, é outro fator importante nas emissões de carbono.
Em algumas comunidades do interior da região centro-oeste do Brasil, onde a infraestrutura precária significa que a soja precisa ser transportada por longas distâncias, o transporte é responsável por cerca de 60% do total de emissões de carbono, especialmente de municípios que produzem especificamente para a exportação nos estados de Goiás e Mato Grosso. Isso, em parte, justificou esforços vigorosos para construir uma linhas ferroviárias que emitem menos carbono e em hidrovias industriais que conectam o interior do Brasil aos seus portos – embora os ambientalistas se preocupem com o desmatamento que essa infraestrutura possa trazer.
O comércio global de produtos alimentícios agrícolas mais que dobrou entre os anos de 2000 a 2015, de US$ 600 bilhões para mais de US$ 1.300 bilhões, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Mas a maior parte da soja exportada do Brasil não é consumida por pessoas, explicou Reusner; é usado para a alimentação animal ou para produzir biodiesel.
Para produzir comida suficiente para a crescente população mundial, ela disse que as empresas multinacionais devem incentivar os produtores a não derrubar florestas para novas plantações, mas plantar soja em terras que já foram degradadas. Estudos têm mostrado que o Brasil possui terras degradadas em abundância para atender às demandas globais de commodities, sem causar nenhum novo desmatamento.
“Existe terra degradada suficiente na América Latina para atender às necessidades dos mercados globais e evitar comprometer os nossos últimos ecossistemas remanescentes”, disse ela.
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