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Demanda global por carne impulsiona desmatamento no Brasil
Por DW – 07 de janeiro de 2021
Demanda global por carne impulsiona desmatamento no Brasil, diz relatório
“Produção de carne afasta pessoas de suas terras, provoca desmatamento, uso de pesticidas e a perda de biodiversidade”
A carne bovina é hoje um dos principais motores do desmatamento, diz análise de fundação alemã. Produção impacta meio ambiente devido à demanda por soja para ração e consequente uso de agrotóxicos.
O crescente consumo de carne no mundo e as ações do atual governo brasileiro são ingredientes de uma receita que está levando à destruição florestal no Brasil. Esta é uma das conclusões do relatório a Fleischatlas 2021 (“Atlas da carne 2021”), apresentado nesta quarta-feira (06/01) em Berlim.
“A carne bovina é hoje um dos principais impulsionadores de desmatamento. Isso leva à destruição dos meios de subsistência de comunidades indígenas e de pequenos proprietários.
Na Amazônia, o gado pasta em 63% de todas as áreas desmatadas.
Entre 70% e 80% de todas as importações de carne bovina da UE vêm dos países do Mercosul.
E 50% dos produtos agrícolas enviados à União Europeia (UE) vindos do Brasil são produto do desmatamento, especialmente soja, carne bovina e café”, diz o texto.
“A produção industrial de carne não é apenas responsável pela precariedade das condições de trabalho, mas também afasta as pessoas de suas terras, provoca o desmatamento, o uso de pesticidas e a perda de biodiversidade – e é uma das principais causas da crise climática”, afirma Barbara Unmüssig, presidente da Fundação Heinrich Böll,
Produzido pela Fundação Heinrich-Böll – ligada ao Partido Verde alemão –, pela organização ambientalista Bund e pela edição alemã do jornal francês Le Monde Diplomatique, o relatório apresenta soluções com o objetivo de reduzir o consumo de carne, aumentar a conscientização das pessoas para que desfrutem de produtos de maior qualidade e também fazer com que elas valorizem mais os animais e os produtos que originam.
Destruição florestal
A demanda global por carne está aumentando devido ao crescimento populacional e econômico – um grande problema para o clima e o meio ambiente.
Em 1960, havia 3 bilhões de pessoas na Terra e, de acordo com o relatório, o consumo de carne era de cerca de 70 milhões de toneladas, o que é uma média global de 23 quilos por pessoa por ano.
Em 2018, já havia mais do que o dobro de pessoas na Terra: 7,6 bilhões.
Com cerca de 350 milhões de toneladas, o consumo de carne era sete vezes maior, e a média global era de 46 quilos por pessoa por ano.
Um problema central é a imensa necessidade de terras para a produção de carne.
De acordo com dados do governo alemão, 71% da terra arável global é usada atualmente para produção de ração animal, quatro vezes mais do que a parcela utilizada diretamente para a produção de alimentos (18%) e muito mais do que para outras matérias-primas, como algodão (7%) ou culturas energéticas, como milho para produção de biogás ou cana-de-açúcar para fabricação de etanol (4%).
A pressão sobre as terras aráveis disponíveis globalmente está crescendo com o aumento da demanda global por carne, e assim enormes áreas de floresta estão sendo desmatadas, especialmente para o cultivo de soja para produção de ração animal, como é o caso do Brasil. “Hoje 90% da soja são destinados à alimentação animal”, diz Unmüssig.
Soja como vilão
O relatório alerta que o aumento do consumo mundial de carne faz com que a procura por ração dispare no mercado, apontando a soja como o grande vilão.
“Os maiores produtores de soja são Brasil, com 133 milhões de toneladas anuais; os EUA, com 117 milhões; e a Argentina, com 53 milhões de toneladas”, destaca o texto.
O Brasil também é o maior exportador de soja, com 74 milhões de toneladas anuais, de acordo com o texto, seguido pelos EUA.
Os especialistas pedem uma mudança para uma dieta com menos carne e mais alimentos vegetais, o que requer muito menos terras aráveis, com intuito de alimentar bem a população mundial, parar de derrubar florestas tropicais para produção de ração animal e criação de gado e, ao mesmo tempo, ter áreas para reflorestamento novamente.
Amazônia e Cerrado sob ameaça
O relatório aponta que entre 2006 e 2017, 220 mil quilômetros quadrados de floresta foram destruídos na Amazônia e no Cerrado brasileiros, o que corresponde a mais de 60% do tamanho da Alemanha.
Desse território, cerca de 10% foram utilizados para plantação de soja.
O texto afirma também que o Cerrado vem sendo desmatado de forma massiva devido à moratória da soja na Amazônia, que “proíbe o comércio da soja que venha área florestal desmatada após 2008, mas só na Amazônia”. “E a produção da soja foi transferida para o Cerrado”.
Provas de que houve retrocessos em relação à proteção ambiental seriam os incêndios florestais de 2019 e 2020, “que foram sobretudo resultado de queimadas – entre outras, para plantações de soja”.
O texto afirma que imagens de satélite mostram que muitas queimadas ocorreram na proximidade imediata de fábricas de carne e armazéns de soja. “Isso é apoiado pela política do presidente Jair Bolsonaro, que está continuamente relaxando as regras para proteção ambiental”, ressalta o texto.
De acordo com um estudo da prestigiada revista Science publicado em 2020, 20% das exportações de soja para a UE da Amazônia e do Cerrado são originadas de terras desmatadas ilegalmente. Assim, o consumo de carne na Europa está diretamente relacionado ao desmatamento no Brasil.
Novo cardápio para o mundo
Cientistas de renome mundial como Johan Rockström, Diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático (PIK) recomendam no Relatório de Vida Saudável em um Planeta Saudável uma mudança na dieta para uma média de 16 quilos de carne e 33 quilos de laticínios por pessoa por ano.
A Índia e muitos países africanos mostram, com sua dieta tradicional, que isso é possível. Na América do Norte e do Sul e na Europa, por outro lado, atualmente são consumidas até sete vezes mais carne.
Os autores do relatório Fleischatlas 2021 não apenas mostram o poder e a força da indústria internacional de carne e seus efeitos globais, mas também expõem suas conexões com a indústria química global.
Por um lado, os grandes grupos produtores de carnes e alimentos (a gigante da carne brasileira JBS é um destaque citado) estão cada vez mais dominando o mercado de cultivo, transporte, abate e comercialização de rações, colocando assim em risco a existência de pecuaristas e matadouros de menor porte.
Também é demonstrado como, por outro lado, agrotóxicos altamente perigosos e às vezes proibidos para a alimentação animal são exportados pelas grandes empresas químicas e pulverizados em muitas regiões. Entre os produtores e exportadores de tais produtos químicos estão Bayer Crop Science, Basf e Syngenta da Europa, assim como Corteva e FMS, dos EUA.
A JBS teve faturamento de 200 bilhões de reais em 2019
Milhares de mortes por agrotóxico
A utilização de agrotóxicos gera milhares de mortos, segundo Unmüssig. “O governo alemão deve fazer tudo para que os conglomerados alemães não mais exportem esses venenos proibidos na UE”, ressalta Olaf Bandt, presidente da organização ambientalista Bund, alertando que esse tipo de comércio deve aumentar com o acordo entre Mercosul e UE.
O Brasil está entre os maiores consumidores mundiais de pesticidas, com quase 230 mil toneladas anuais, atrás apenas dos EUA, com mais de 250 mil toneladas. Junto com Argentina (161 mil toneladas), os três países são responsáveis por 70% do consumo mundial de herbicidas. Hoje, são utilizadas nove vezes mais pesticidas no Brasil do que há 30 anos. Só o plantio de soja é responsável, de acordo com o relatório, por cerca de 52% da venda total de pesticidas no país.
Antibióticos
Além disso, a adição permanente de antibióticos na criação de animais para abate leva a germes cada vez mais resistentes. Isso ameaça a eficácia dos antibióticos na medicina humana e, portanto, põe em perigo vidas humanas – incluindo as de vegetarianos e veganos, aponta o relatório.
O desmatamento de florestas para produção de ração animal também é uma ameaça à saúde humana. Animais selvagens estão perdendo seus habitats, o contato deles com humanos está cada vez mais próximo, o que favorece a transmissão de vírus e o surgimento de novas pandemias.
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