Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Em quase uma década, anualmente Caatinga retirou da atmosfera 5,2 t de carbono por hectare
Por Clarice Rocha (MTb 4733/PE) – Embrapa Semiárido – Torres de fluxo, geram dados que indicam a Caatinga entre os sumidouros mais eficientes de carbono, entre as florestas secas do mundo – Foto: Magna Moura
- Ao longo de quase dez anos, a Caatinga conseguiu retirar da atmosfera uma média de 527 gramas de carbono por metro quadrado ou 5,2 toneladas por hectare ao ano.
- Observatório da Dinâmica de Água e Carbono comparou dados do bioma brasileiro aos de regiões secas dos Estados Unidos, Canadá, México, Espanha, Austrália, ecossistemas na América do Sul e a região africana do Sahel.
- Dados colocam a Caatinga entre os sumidouros mais eficientes de carbono entre as florestas secas do mundo.
- A chuva foi o fator mais importante para as trocas de carbono no bioma.
- Estudo abre caminhos para programas de crédito de carbono na região.
Em comparação com outros 30 locais secos ao redor do mundo, a Caatinga demonstra elevada eficiência no uso de carbono, superando até mesmo as florestas da Amazônia.
Esse foi o resultado de uma pesquisa inédita que investiga os fluxos de carbono no bioma, considerando diversas condições de clima, solo e vegetação.
O objetivo é quantificar e avaliar a evolução sazonal e anual das trocas de carbono na Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro.
O trabalho, liderado pelo Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga (OndaCBC), envolve uma rede multidisciplinar de pesquisadores de diversas instituições, como a Embrapa Semiárido (PE), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e Instituto Nacional do Semiárido (INSA).
Os estudos realizados ao longo de quase dez anos revelaram que a Caatinga conseguiu retirar da atmosfera uma média de 527 gramas de carbono por metro quadrado ou 5,2 toneladas por hectare.
Caatinga 365 – Transformação da Caatinga ao longo de um ano
O professor Bergson Bezerra, da UFRN, líder da rede de torres de fluxos do OndaCBC, explica que, ao ser comparada com as florestas secas ao redor do mundo, de todos os pontos que foram analisados, o valor máximo obtido foi 548 gramas de carbono por metro quadrado, registrado em uma floresta no Peru.
“Os demais valores são inferiores a esse; inclusive houve áreas que se comportaram como fonte de CO2. Portanto, a Caatinga está seguramente entre os maiores sumidouros entre as florestas secas do mundo”, completa.
As florestas tropicais sazonalmente secas, como a Caatinga, desempenham um papel crucial como sumidouros de carbono, ou seja, depósitos naturais que absorvem e capturam o CO₂ da atmosfera, reduzindo sua presença no ar, com implicações para o clima local, regional e global.
Esses processos são influenciados pela distribuição espaço-temporal e pelos volumes de chuva, que afetam diretamente a cobertura vegetal.
Foto: Marcelino Ribeiro
Bezerra acrescenta que, na Caatinga, a temperatura, a radiação e a umidade permanecem praticamente constantes ao longo do tempo, com pequenas variações que não afetam muito as trocas de CO2.
No entanto, foi constatado que, nesse bioma, as chuvas, mesmo que em pequenas quantidades, são o fator mais importante para as trocas de carbono.
“Isso porque as chuvas estimulam o crescimento vegetal, aumentando, assim, a capacidade do bioma de absorver CO2 da atmosfera, agindo como um sumidouro altamente eficaz desse gás”, completa.
Apresentação
O trabalho da Embrapa voltado a avaliação das emissões de carbono em biomas e em sistemas produtivos foi abordado nas comemorações do 51º aniversário da Empresa, no dia 25 de abril de 2024.
Rede de torres
Desde 2010, o Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga, que é integrado ao programa de Institutos Nacionais de Ciência, Tecnologia e Inovação (INCTs), realiza a coleta de dados em várias torres micrometeorológicas, conhecidas como torres de fluxo, localizadas em municípios de Pernambuco (Serra Talhada, São João e Petrolina), Paraíba (Campina Grande) e Rio Grande do Norte (Caicó e Serra Negra).
A mais antiga e completa dessas torres está instalada na Embrapa Semiárido, em Petrolina (PE), que monitora há 13 anos uma área de Caatinga nativa, na sede da instituição.
A pesquisadora da Embrapa Magna Soelma Beserra de Moura destaca que, para avaliar todo o potencial da Caatinga como sumidouro de CO2, foram comparados os dados gerados pela rede de torres, na qual a da Embrapa teve um papel importante.
Também foram utilizados dados disponibilizados na rede internacional de fluxo, a FluxNet, que engloba dados mundiais de fluxos de energia, carbono e água.
Foto: Magna Moura
Esses dados abrangem áreas de países como Estados Unidos, Canadá, México, a região do Sahel na África, Espanha, Austrália e até mesmo uma região subpolar semiárida na Rússia.
Moura ressalta que o trabalho é contínuo e envolve análises periódicas tanto de dados ligados às variáveis meteorológicas, como chuva, radiação solar, temperatura, umidade relativa, vento e pressão do ar, quanto às medidas de concentrações do vapor d’água, do dióxido de carbono, velocidade vertical do vento e temperatura em altas frequências.
A partir desses dados, são realizados os cálculos das trocas de energia, água e, principalmente, do CO2.
“Antes do Observatório, não tínhamos dados consistentes e organizados em uma rede de estudos sobre o quanto a Caatinga poderia atuar como sumidouro de carbono. Com este trabalho em rede, por meio das torres, estamos obtendo fortes evidências de que esse bioma é um sumidouro altamente eficiente, que contribui significativamente para a absorção de CO2 atmosférico, ajudando a retardar a taxa de crescimento da concentração atmosférica desse gás, um dos principais causadores do efeito estufa”, destaca Moura.
Foto: Marcelino Ribeiro
Caatinga é fonte valiosa para a bioeconomia
Ocupando cerca de 11% do território nacional, em uma área de aproximadamente 850 mil quilômetros, a Caatinga é um ecossistema brasileiro caracterizado por uma biodiversidade adaptada às condições de clima semiárido, com altas temperaturas e baixas precipitações.
Antes considerado um ambiente com baixa diversidade de espécies, os estudos atuais têm revelado uma ampla riqueza de flora e fauna endêmicas no bioma.
Além disso, o pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (INSA) Aldrin Perez Marin acrescenta que a Caatinga desempenha uma série de serviços socioambientais essenciais, como regulação do clima, controle de erosão, polinização, controle de pragas e doenças.
Apresenta, ainda, potenciais socioeconômicos significativos por meio do aproveitamento de frutos nativos, plantas ornamentais e fitoterápicos, representando uma importante fonte de recursos para as comunidades locais.
Para Marin, os resultados alcançados pelo trabalho do Observatório destacam a eficiência da Caatinga na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, o que fortalece o argumento para a necessidade de políticas públicas de conservação e preservação desse bioma, assim como para a promoção do seu manejo sustentável.
“As pesquisas em andamento têm o potencial de subsidiar políticas públicas para a implementação de programas de neutralização da degradação do solo, recuperação de áreas degradadas e conservação de áreas intactas. A descoberta do potencial de sequestro de carbono pela Caatinga pode subsidiar programas de crédito de carbono na região, gerando benefícios econômicos, ambientais e sociais a curto e médio prazo”, prevê Marin.
Ele ressalta ainda que outros estudos também têm revelado que a Caatinga é um ambiente rico, com relevante biodiversidade.
Por tudo isso, o pesquisador espera que todo esse trabalho possa servir de alerta e de estímulo para novas pesquisas, além de demonstrar a importância de se preservar esses ecossistemas secos, muitas vezes negligenciados, mas vitais para a manutenção do meio ambiente e das populações.
Foto: Marcelino Ribeiro
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