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O solo é o grande reservatório de carbono orgânico terrestre

O professor da Universidade Federal de Viçosa, Carlos Schaefer¸ explica, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, como o solo está sendo afetado pelo aquecimento global. Para que possamos entender como funciona o solo e que mudanças serão essas, ele traz dados de pesquisas que estão sendo realizadas na Antártida. Seu grupo de pesquisa tem monitorado a vegetação, o derretimento dos solos e o impacto que isso causa no meio ambiente. Segundo Schaefer, “algumas plantas têm se adaptado bem a esse cenário de aquecimento e passam a ocupar novas áreas. E essas plantas eram de latitudes um pouco menos frias que estão adaptadas agora, cada vez mais, a latitudes mais altas em regiões que eram antes cobertas de neve e gelo”.

Carlos Schaefer é graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa, onde também fez especialização em Solos Tropicais e mestrado na área de Solos e Nutrição de Plantas. É doutor em Ciência do Solo pela University of Reading (Inglaterra) e pós-doutor pela University of Western Austrália. É autor de Ecossistemas Terrestres e Solos da Antártica Marítima (Viçosa: Neput-UFV, 2004).

IHU On-Line – Devido ao aquecimento global, que consequências sofrem os solos e as plantas?

Carlos Schaefer – O aquecimento global, do ponto de vista prático, a partir do que temos pesquisado na Antártida, afeta bastante a região que chamamos de Antártica Marítima. A Antártica Marítima é uma das áreas que tem a maior variação de temperatura, o maior incremento no aumento de valor da temperatura média global já medido em todo o planeta. É uma região bem sensível em termos de variação de temperatura medida e os impactos ecológicos são muito grandes. A temperatura na Antártida ficava sempre próxima de zero ou abaixo de zero, e agora, algumas vezes, a temperatura sobe, o que faz com que a água saia do estado sólido para o líquido.

Esse derretimento cria várias oportunidades de plantas e animais ocuparem áreas que antes estavam cobertas de neve, de gelo e, essas áreas, então, são colonizadas por plantas. Algumas dessas plantas já começam a mostrar adaptações a latitudes mais próximas das regiões polares, justamente devido a essa tendência de aquecimento na direção das latitudes maiores. O que nós monitoramos lá é isto: a vegetação, o derretimento dos solos e o impacto que isso causa no meio ambiente. Algumas plantas têm se adaptado bem a esse cenário de aquecimento e passam a ocupar novas áreas. E essas plantas eram de latitudes um pouco menos frias que estão adaptadas agora, cada vez mais, a latitudes mais altas em regiões que eram antes cobertas de neve e gelo.

IHU On-Line – Os solos têm poder de se readaptar ao meio ambiente, mesmo aqueles que já foram alterados pelo aquecimento global?

Carlos Schaefer – A grande questão que envolve o solo no aquecimento global, no caso das regiões polares, a Antártica principalmente, é que ele encontra-se num estado congelado, que chamamos de permafrost. Quando ele deixa de ser congelado, derrete esse permafrost e a temperatura se eleva para acima de zero, o que propicia um crescimento microbiano. Então toda aquela bola que estava congelada, estocada no solo, passa a ser mineralizada e emitir gás carbônico para a atmosfera.

Por outro lado, como eu relatei antes, a vegetação também passa a colonizar essas áreas. Temos, portanto, dois balanços importantes aí que precisamos estudar. Estamos codificando para entender, primeiro, se produtibilidade das plantas coloca mais carbono no solo e, segundo, se o solo está emitindo carbono em função desse aquecimento. Então, são duas coisas que são concorrentes entre si, digamos assim. Uma é a planta sintetizando carbono, morrendo, crescendo, vivendo e depositando esse carbono como matéria orgânica no solo, e o outro é o solo, por estar derretendo o gelo, o congelamento, o permafrost, está aumentando a emissão de carbono para a atmosfera.

Esse balanço, nós já temos alguns trabalhos em andamento, mostra um potencial de emissões de gás carbônico bem elevado mesmo para a Antártica. Em outras regiões do planeta, no Ártico, por exemplo, o potencial de emissão de carbono é muito, mas muito grande, muito maior do que o potencial de sequestro de carbono da vegetação.

IHU On-Line – Estudos mostram que o aquecimento global vem causando a liberação de imensos estoques de carbono guardados nos solos. Quais são as consequências deste fenômeno a médio e longo prazo?

Carlos Schaefer – O solo é o grande reservatório de carbono orgânico terrestre, é mais importante do que a própria vegetação. Toda a mídia fala da vegetação, mas é porque não vemos o carbono que está no solo, todo mundo vê uma árvore, mas ninguém vê a matéria orgânica que está no solo. Quando fazemos a conta, essa matéria orgânica é mais importante em termos de quantidade total. Então, nessas regiões em que há pouca matéria orgânica, pouca planta grande, a matéria orgânica que está no solo pode ser muito expressiva, é uma matéria orgânica de plantas pequenas, presente em musgos, por exemplo.

No entanto, eles produzem muito carbono, que, congelado, é um estoque muito grande nesse sistema. Esse carbono acumulado, uma vez que o planeta esteja aquecendo, começa a ser emitido em taxas muito rápidas. O aquecimento está afetando essas latitudes onde há presença desse carbono acumulado de uma forma muito forte. Nossos estudos lá na Antártica pretendem conhecer como são essas taxas de emissão de carbono para essas áreas da Antártica. Já se sabe que é uma quantidade muito significativa.

IHU On-Line – Qual a região do Brasil mais vulnerável aos impactos das mudanças climáticas?

Carlos Schaefer – As regiões tropicais, de maneira geral, são muito frágeis quanto às mudanças climáticas porque os trópicos já são quentes suficientes para produção agrícola. Os trópicos de todas as regiões da Terra talvez sejam as regiões que tenham os maiores impactos negativos, por serem regiões que não têm benefício com o aumento da temperatura. As regiões temperadas, pelo contrário, se beneficiam. Na região Nordeste, o efeito deve ser de aumento da estação seca, e na região Sul e Sudeste haverá os extremos de temperatura, muito frio no inverno e muito calor no verão e tempos fortes de chuva.

As latitudes subtropicais, nessas épocas de mudança, passa por períodos com essas características. Isso tudo causa incerteza na agricultura, que trabalha com tendências de equilíbrio, portanto muitos ciclos de altos e baixos de temperatura ou umidade não é algo bom. Na região Sul, além dos verões muito quentes e secos, haverá falta de água. E, nas regiões Norte e Nordeste, a falta de água será generalizada, agravando a seca. Na Europa, por exemplo, o aquecimento não é mau. No norte do continente o fenômeno está viabilizando várias áreas agrícolas; onde não se plantava nada antes está ficando quente suficiente para se plantar trigo, cevada e aveia.

IHU On-Line – Com a elevação da temperatura e do degelo no continente Antártico, constata-se que a disponibilidade de água no solo de determinadas regiões está aumentando…

Carlos Schaefer – Não, nem sempre. Na verdade, a água de degelo vai ter uma permanência no solo pequena, depois vai para o mar. O degelo do solo provoca aumento da água do nível do mar, mas não na água do solo. Você não tem um grande aumento desse jeito que estão falando.

IHU On-Line – E quais as consequências deste fenômeno do aumento do nível do mar?

Carlos Schaefer – Para nós a situação também é um pouco complicada, porque teremos cada vez mais erosão costeira nas áreas mais baixas.

IHU On-Line – O Brasil também vive esse problema?

Carlos Schaefer – Todos os países que têm grande concentração urbana no litoral vão padecer desse tipo de problema. Isso já é uma coisa esperada, mesmo com meio metro de aumento de nível do mar já se terão problemas grandes. Eles estão falando aí da ordem de chegar a um metro.

IHU On-Line – O senhor falou da relação do aquecimento global e a agricultura. Uma agricultura sem planejamento pode prejudicar as consequências do aquecimento da Terra?

Carlos Schaefer – Os sistemas que se usam na agricultura, por exemplo, no Sul, onde o pessoal faz muito cultivo mínimo, que são sistemas que colocam carbono no solo, o que contribui para a diminuição de carbono, e isso pode ser um bom caminho para diminuir o impacto de emissão. O que sabemos hoje é que o modelo agrícola que é realmente conservador de carbono ajuda nessa mitigação, ou seja, na diminuição de emissão.

Agora, outras coisas têm que ser feitas, não basta só a agricultura contribuir com isso. A diminuição das emissões de combustível fóssil é a importante e urgente. A queima de combustível fóssil continua sendo o principal vilão. Não adianta discutirmos coisas menores, cuidarmos de aspectos menores. É a mesma coisa que você estar marcando um médico para extrair uma verruga e estar com dois cânceres, entendeu?

IHU On-Line – Com a elevação da temperatura e o aumento da frequência de chuvas em algumas regiões, e a falta dela em outras, quais são suas projeções para o futuro diante desta realidade?

Carlos Schaefer – O que se diz na climatologia é que o clima vai ficar cada vez mais errático, vai ficar cada vez mais cheio de altos e baixos e imprevisível. Ele vai poder ter condições de inverno severos, verões extremamente quentes e precipitações desiguais, com variações enormes entre os anos.

IHU On-Line – E tudo isso nos leva para que tipo de cenário?

Carlos Schaefer – Leva a uma condição de instabilidade, das pessoas não poderem mais confiar na meteorologia, no clima, seja para sua atividade agrícola ou pecuária, para o planejamento rural de maneira geral. Isso cria uma incerteza muito grande do ponto de vista do planejamento. Isso é muito ruim. Por sorte o Brasil está numa condição em que é um trópico úmido, o trópico mais úmido. Por isso, pode ser que nós, em relação às outras regiões tropicais, ainda soframos menos relativamente, mas ainda assim as consequências serão grandes.

Fonte – IHU On-line /Ecodebate de 13 de stembro de 2010

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