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Uma política econômica verde cria empregos

Alain Lipietz, deputado europeu, acredita que a crise mundial tem claramente raízes ecológicas

O economista e deputado europeu Alain Lipietz tem a causa ambiental como a principal motivação de suas atividades. Ele concedeu por e-mail, à IHU On-Line, a entrevista que segue. A tese central defendida por Lipietz é a de que, quanto mais um país investe na qualificação da sua mão-de-obra, mais preocupação ambiental ele demonstra. Em outras palavras, “os países desenvolvidos mais poluentes são também os países de enfraquecimento relativo da qualificação do trabalho, enquanto que os países que investem mais na pesquisa e na educação de sua mão-de-obra são também relativamente os menos poluentes”. Esta constatação empírica, explica, “sustenta a regra geral admitida pelos economistas de uma substituição possível entre o fator trabalho e o fator meio ambiente”.

Para o economista francês, membro do Partido Verde na França, um recomeço “verde” como alternativa para a crise internacional proporciona a criação de empregos, além do “isolamento das habitações, do desenvolvimento das redes de transporte em comum, da produção de energia renovável descentralizada, e da reorientação para a agricultura alimentícia biológica”. Ele defende como muito provável que “uma solução verde para a crise favoreça os países que investirão mais nas técnicas intensivas de trabalho e, particularmente, os países emergentes, que devem amplamente inventar sua indústria ao invés de reconverter uma antiga”. E aposta que a Ásia e, talvez, a América Latina serão, provavelmente, “os continentes que se sairão melhor no jogo”. Lipietz alerta, no entanto, para o fato de que “o crescimento extremamente rápido dos países emergentes (Índia, China e Brasil) revelou-se desastroso para a crise do clima, pois estes países não estavam, mais do que os Estados Unidos, inscritos no Protocolo de Kyoto. É absolutamente vital que eles se inscrevam no protocolo pós-Kyoto”.

Alain Lipietz é autor de, entre outros livros, Green Hopes. The Future of Political Ecology (Cambridge: Polity, 1995), Refonder l’espérance. Leçons de la majorité plurielle (Paris: Cahiers libres, 2003) e Face à la crise: la révolution verte (Paris: Textuel, 2009). Seu site pessoal é http://lipietz.net/.

IHU On-Line – O que deveria fazer parte de um engajamento civil para a realização de uma efetiva política ecológica? Como a crise financeira, ecológica e o problema do desemprego podem contribuir para isso?

Alain Lipietz – Uma política ecológica efetiva atinge, de certa forma, todos os aspectos do modelo de desenvolvimento: produção de alimento, de energia, de transporte, de habitação. Acontece que a crise mundial, que estourou em 2007/2008, tem claramente raízes ecológicas (aumento do preço dos bens de base: energia e alimentação), que repercutem, em seguida, em uma crise social (empobrecimento relativo dos assalariados no contexto da globalização), e em uma crise financeira (não pagamento dos financiamentos habitacionais). Diante de tal tipo de crise, é preciso, ao mesmo tempo, uma recuperação do tipo rooseveltiana ou keynesiana (pelos trabalhos públicos e a redistribuição de rendas), que seja orientada, desta vez, por ser ecologicamente sustentável (economizando a energia, redistribuindo o espaço agrícola útil para as produções alimentares etc.). Todas as teorias econômicas mostram que as técnicas menos intensivas e muito poupadoras dos recursos naturais exigem mais da atividade humana. Um recomeço “verde” é, então, particularmente criador de emprego: promove o isolamento das habitações, o desenvolvimento das redes de transporte em comum, a produção de energia renovável descentralizada, e a reorientação para a agricultura biológica.

IHU On-Line – Quais suas maiores preocupações enquanto um “economista verde”, principalmente quando o assunto é o desemprego e o mundo do trabalho?

Alain Lipietz – Não basta dizer que, em geral, uma recuperação da atividade verde é mais rica em emprego do que uma política de recuperação clássica. É preciso calcular que ela se choca em várias dificuldades particulares. A primeira é que se trata de uma conversão de nosso modelo de produção e de desenvolvimento. A questão da formação profissional irá desempenhar aí um papel primordial, pois as qualificações necessárias não são as herdadas de um modelo em crise. A questão do financiamento desempenha igualmente um papel crucial, mesmo se o custo de uma reconversão verde é infinitamente menor que o custo da continuação de um modelo produtivista (em termos de destruição da biodiversidade, de mudança climática etc.). A maior parte dos laboratórios de uma reconversão verde são efetivamente investimentos públicos e não consumos privados. É preciso, então, prever profundas reformas fiscais. Enfim, técnicas de uma revolução verde implicam, em geral, em uma maior qualificação da mão-de-obra e principalmente no trabalho manual (na agricultura, na construção civil, nos transportes etc.). É preciso, então, prever uma forte revalorização dos estatutos, dos salários e do prestígio dos trabalhadores manuais.

IHU On-Line – A partir da crise financeira internacional e da falta de empregos em escala mundial, qual é hoje o espaço do capital na vida das pessoas?

Alain Lipietz – A crise internacional está apenas começando. A crise financeira foi somente seu ponto de aceleração na segunda metade de 2008, mas é preciso sempre lembrar que a crise é primeiramente social e ecológica. É muito provável que uma solução verde para a crise favoreça os países que investirão mais nas técnicas intensivas de trabalho e, particularmente, os países emergentes, que devem amplamente inventar sua indústria ao invés de reconverter a antiga. A Ásia, e, talvez, a América Latina (se ela souber se unir e se dotar de uma política orçamentária audaciosa) serão, então, provavelmente, os continentes que se sairão melhor no jogo. Ao final da crise, estaremos ainda no capitalismo, ou seja, em um sistema de relações sociais fundadas no salário e na troca comercial, mas o peso dos serviços públicos será, sem dúvida, mais forte, assim como o setor terciário da economia social e solidária (associações, cooperativas).

IHU On-Line – No chamado “mundo pós-fordista”, como se caracterizam as relações de trabalho, a hierarquia internacional e a ecologia global?

Alain Lipietz – Se chamarmos de pós-fordista aquele que sucede a crise fordista, no final dos anos 1970, então este se subdivide claramente em diversas variantes. Por um lado, certos países procuraram a competitividade nos baixos salários e a flexibilidade das relações salariais: no norte, os Estados Unidos, o Reino Unido, a França ou a Espanha; no sul, os países da América Latina, a Tailândia, a maior parte da China e da Índia. Mas outros países deram, ao contrário, a cartada da qualificação do trabalho: a Escandinávia, a Alemanha, os quatro primeiros dragões asiáticos e uma parte da China e da Índia. É a primeira tendência que predominou no período neoliberal (1980-2008), mas os países que deram a cartada da qualificação serão provavelmente os vencedores na saída da crise atual. Do ponto de vista ecológico, a variante mais liberal do pós-fordismo foi a mais perigosa. Ao contrário, os países como a Escandinávia, que apostaram mais na qualificação do trabalho, se revelaram mais eficazes que os outros na proteção do meio ambiente. Globalmente, o crescimento extremamente rápido dos países emergentes (Índia, China e Brasil) revelou-se desastroso para a crise do clima, pois estes países não estavam, assim como os Estados Unidos, inscritos no Protocolo de Kyoto. É absolutamente vital que eles se inscrevam no protocolo pós-Kyoto.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a coexistência de países com diferentes regimes de trabalho integrados nos blocos continentais? Isso melhora ou piora a partir da crise internacional?

Alain Lipietz – A coexistência de várias formas de relação salarial sempre existiu. Na primeira divisão internacional do trabalho, as formas mais antigas (quase servil) eram reservadas às atividades primárias (mina, agricultura) da “periferia” continental e mundial. Com a segunda divisão internacional do trabalho, a partir dos anos 1960, as tarefas menos qualificadas do fordismo começaram a se difundir em direção aos Estados Unidos, à periferia da Europa, depois ao Terceiro Mundo, na Ásia e na América Latina. A crise atual provavelmente irá favorecer uma terceira divisão internacional entre os países, dando a cartada da qualificação do trabalho, e os países dando globalmente a cartada dos baixos salários e da flexibilidade. Estes serão uma periferia dos primeiros.

IHU On-Line – Que relação o senhor estabelece entre os sistemas da relação trabalho-capital e as atitudes na direção da crise ecológica global?

Alain Lipietz – Como eu já havia mostrado nos anos 1990 em dois relatórios para a ONU, um sobre “as relações capital-trabalho no limiar do século XXI”, e um outro estudo sobre sobre a ECO-92, em 1992, sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, há uma certa concordância entre a escolha do trabalho qualificado e a escolha de técnicas poupadoras dos recursos naturais, então mais ecológicas. É um fato empírico: os países desenvolvidos mais poluentes são também os países de enfraquecimento relativo da qualificação do trabalho, como os Estados Unidos ou o Brasil, enquanto que os países que investem mais na pesquisa e na educação de sua mão-de-obra são também relativamente os menos poluentes (a Escandinávia no norte, a Coréia e Taiwan no sul). Esta constatação empírica sustenta a regra geral admitida pelos economistas (de Adam Smith a Cobb-Douglas ) de uma substituição possível entre o fator trabalho e o fator meio ambiente. Se isto é verdade, as economias “industriosas” (fundadas no trabalho qualificado) serão também as menos poluentes.

Fonte – IHU On-line / Ecodebate

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