“A era da ebulição global chegou”, disse o chefe da ONU sobre o clima durante o verão de 2023, que foi o mês mais quente já registado.
Não é de admirar que um meteorologista americano, Guy Walton, tenha batizado as ondas de calor em homenagem a gigantes do petróleo e do gás, como Amoco, Chevron e BP.
A iniciativa, chamada de name and shame, em inglês, tem as suas razões.
A principal causa do aquecimento global e das alterações climáticas são as emissões de carbono das fontes de energia fósseis.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, em 2021 as emissões globais provenientes da combustão de combustíveis eram dominadas pelo carvão (45%), seguido pelo petróleo (32%) e pelo gás natural (22%).
A China e os Estados Unidos são os maiores poluidores do mundo – enquanto os EUA geram 14% das emissões globais de carbono, a China é responsável por 31%.
A China disse que atingiria o pico de emissões antes de 2030 e deixaria de adicionar carbono à atmosfera até 2060.
Quando se trata da produção de carvão, o país tem uma visão divergente de muitos outros e, em vez de migrar para a produção de aço verde, tendência que vem crescendo globalmente, a China queima mais carvão do que todo o resto do mundo somado.
Ao mesmo tempo, a China está desenvolvendo projetos de energia solar, eólica, baterias de carros elétricos, e outras energias renováveis, mais do que todos os outros países juntos.
É por isso que nenhum país, nem mesmo os Estados Unidos, pode fazer a transição para uma economia verde sem a China.
Por exemplo, que detém 74% de participação de mercado em cada etapa da cadeia de fornecimento de painéis solares para o mundo.
A corrida da transição energética verde conta com diferentes países desenvolvidos em fases de maturação distintas.
Embora alguns sejam precursores na adoção de algumas das tecnologias emergentes, outros estão muito atrasados.
Este é o caso dos carros elétricos nos EUA.
Em 2022, apenas 1 a cada 17 carros novos vendidos nos Estados Unidos era elétrico, um pouco mais de 5%.
Os consumidores americanos de veículos elétricos estão enfrentando desafios com estações públicas de recarga.
Existem apenas algumas delas disponíveis e os motoristas de carros convencionais frequentemente estacionam seus carros impropriamente nessas estações, seja para simplesmente ocupar a vaga, seja como um ato de rebelião.
O ato foi batizado de ICING (da sigla em inglês ICE para carros de combustão interna) e provocou episódios de violência e perturbação da paz.
Assim, alguns prefeitos, como Michelle Wu em Boston, anunciaram a necessidade de atualizar suas leis e regulamentos de trânsito para que seja considerada uma infração passível de multa quando um veículo não-elétrico estiver estacionado em uma vaga de recarga para carros elétricos.
Nos países nórdicos, esse mercado é bem diferente.
A Noruega lidera a corrida: do total de carros novos vendidos em 2022, 80% eram elétricos.
Já em 2017, Noruega, Finlândia, Suécia, Islândia e Dinamarca – os cinco países pouco populosos que compõem a região nórdica – foram responsáveis em conjunto por cerca de 8% do número total de carros elétricos em todo o mundo.
Hidrogênio verde
Na batalha contra a mudança climática, surge uma série de tecnologias com a promessa de serem mais limpas, e de causarem menos impactos no ambiente.
Assim, juntamente com o crescimento do mercado de carros elétricos, está o aumento em investimentos e de mercado de soluções com o uso de hidrogênio verde, ou seja, que é obtido por meio de fontes mais limpas.
Em 2022, foram apresentados, no mundo, projetos no valor de US$ 240 bilhões.
Na União Europeia (UE), foi criada uma estratégia para projetos de hidrogênio em 2020 e, depois, em 2022, o Plano REPowerEU foi acrescentado à estratégia devido à guerra na Ucrânia e à necessidade de diminuir a dependência dos combustíveis fósseis russos e garantir a segurança energética.
O objetivo é acelerar a transição com mecanismos limpos, e unir forças para alcançar um sistema energético mais resiliente.
O REPowerEU implica um investimento adicional de 210 bilhões de euros entre 2022 e 2027.
O governo de Joe Biden nos EUA sancionou a Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês) em 2022.
O IRA direciona quase US$ 400 bilhões em financiamento federal para energia limpa, com o objetivo de reduzir substancialmente as emissões de carbono do país até 2030.
Os fundos serão entregues através de uma combinação de incentivos fiscais, subvenções e garantias de empréstimos.
Em junho de 2023, os EUA divulgaram a sua estratégia e mapa nacional para o hidrogênio.
O documento explora oportunidades para o hidrogênio verde em termos de produção, transporte, armazenamento e utilização.
Apresenta também um quadro estratégico para alcançar a produção e utilização em grande escala de hidrogênio verde, examinando cenários para 2030, 2040 e 2050.
Para implantar mais projetos de hidrogênio verde, ainda há um longo caminho a percorrer.
De todos os projetos anunciados em 2022, apenas cerca de 10% deles alcançaram a decisão final de investimento.
Os desafios sobre como financiar projetos, promover a aceitação do mercado, ampliar projetos, especialmente em termos de cadeia de abastecimento e infraestrutura, e reduzir os custos são algumas das barreiras que impedem o avanço dos projetos de hidrogênio.
O IRA tem causado muita repercussão mundial, e gerado muitos investimentos da Europa para os Estados Unidos.
Essa migração de investimentos foi alvo de diversos relatórios investigando os efeitos da lei americana na competitividade da União Europeia.
O próprio Parlamento Europeu se pronunciou sobre o caso, dizendo que o IRA provocou disputas transatlânticas severas, e que os requisitos de que carros e baterias sejam “locais” (ou seja, made in America) gerou muita crítica.
Isso pode ter como consequência o enfraquecimento dos princípios de livre comércio que estão no cerne da Organização Mundial do Comércio.
Enquanto novos movimentos geopolíticos são planejados, aos poucos os investimentos estão sendo alocados aos projetos, que passam do papel para realidade.
Cabe às cenas dos próximos capítulos indicar os efeitos domésticos e internacionais da transição energética, e quem sairá ganhando ou perdendo em termos de impactos econômicos, sociais e ambientais.
*Mariana Galvão Lyra é pós-doutora na Escola de Negócios da LUT University, Finlândia.
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