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A operação para afrouxar ainda mais a lei de agrotóxicos no Brasil, na contramão do mundo

Plantação no Paraná.Plantação no Paraná. JONAS OLIVEIRA FOTOS PÚBLICAS

Projeto aprovado em comissão especial da Câmara prevê esconder o termo agrotóxico de produtos e dá mais poder para Ministério da Agricultura para deliberar sobre substâncias permitidas

O Brasil é conhecido por ser bastante permissivo com relação aos agrotóxicos, os pesticidas usados na agricultura para conter pragas nas plantações. Muitos deles são proibidos na Europa e nos Estados Unidos por estarem relacionados ao câncer e doenças genéticas, mas aqui estão liberados. Um projeto de lei, de número 6299/02 e apelidado de PL do Veneno por organizações e ativistas contrários a ele, tem como objetivo afrouxar ainda mais as normas que regulam o uso dessas substâncias no país. Ele vem sendo patrocinado pela bancada ruralista no Congresso, cujo expoente máximo é o atual ministro da Agricultura Blairo Maggi, um dos maiores produtores rurais do Mato Grosso e autor do plano em 2002, quando ainda era senador. Uma comissão especial da Câmara formada por 26 deputados — entre os quais 20 formam parte da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA) — aprovou, na segunda-feira do dia 25 de junho, o texto final das mudanças, que agora devem passar pelo plenário da Casa e depois voltar para o Senado. Defensores da medida argumentam que elas modernizam e conferem eficiência ao setor da agricultura, enquanto seus opositores dizem que serão prejudiciais à saúde da população.

Durante sua tramitação, o projeto de lei 6299/02 absorveu outros projetos apresentados no Congresso. Sua versão final, apresentada pelo deputado relator Luiz Nashimori (PR-PR), prevê algumas mudanças significativas na legislação, sendo a principal delas a que trata dos trâmites para a liberação do uso de agrotóxicos. Atualmente funciona da seguinte maneira: para que possa ser usada no Brasil, uma nova substância precisa ser avaliada pelo Ministério da Agricultura, pelo Ibama, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e pela Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde. Esse processo dura de quatro a oito anos, fazendo com que muitas dessas substâncias já estejam obsoletas ao entrar no mercado, argumentam defensores da nova lei.

Uma polêmica primeira versão do projeto previa a criação de um órgão chamado CTNFito, vinculado ao Ministério da Agricultura — tradicionalmente ocupado por membros do agronegócio — e responsável único pela aprovação dessas substâncias. Finalmente, a versão que prevaleceu não tira completamente as atribuições da Anvisa e do Ibama, mas confere mais poderes ao Ministério da Agricultura, o que, segundo os opositores da medida, restringiria o poder das demais agências de vetar determinado produto. Isso significa, por exemplo, que o Ministério da Agricultura poderá liberar o uso de determinadas substâncias mesmo que os demais órgãos não tenham concluído suas análises. Também entra em cena o chamado registro especial temporário, que deverá ser dado em um prazo de 30 dias para aqueles produtos que estejam autorizados em pelo menos três países membros da OCDE. Especialistas explicam que nesta organização internacional estão países que são referências no uso de agrotóxicos (Europa, EUA, Japão), mas também aqueles que possuem regulações mais fracas (Turquia, Chile, México), o que abre a porta para substâncias maléficas para a população. Além disso, diante da reclamação de que um agrotóxico demora vários anos para ser estudado e colocado no mercado, o projeto determina que a análise de uma nova substância não poderá passar de dois anos. Após esse período, ela poderá ganhar automaticamente um registro temporário, mesmo que os efeitos do produto sejam desconhecidos.

Uma das alterações mais polêmicas se refere à proibição determinados agrotóxicos. A atual legislação, de 1989, proíbe expressamente aqueles pesticidas “para os quais o Brasil não disponha de métodos para desativação de seus componentes” ou “para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil”, além daqueles que “revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas”, que “provoquem distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor”, “se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de laboratório, com animais, tenham podido demonstrar” e “cujas características causem danos ao meio ambiente”. O atual projeto elimina essas restrições, ao apenas proibir os produtos que “apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente”.

Outra das mudanças se refere à própria nomenclatura dessas substâncias venenosas, que passarão a ser tratadas como “pesticidas” ao invés de “agrotóxicos”. O argumento do relator, o deputado Luiz Nashimori (PR-PR), é o de adequar o termo ao usado por outros países. Antes dessa mudança, contudo, a proposta era a de que os agrotóxicos passassem a se chamar “produtos fitossanitários”. Seja como for, os opositores ao projeto argumentam que a mudança de nomenclatura tem o objetivo de esconder da população que os alimentos consumidos contêm ingredientes venenosos.

Na contramão dos EUA e da Europa

Ainda que a lei de 1989 seja considerada restritiva, o fato é que o Brasil apoia a indústria de agrotóxicos, ao conceder incentivos fiscais como a redução de 60% do ICMS e a isenção do PIS/COFINS e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) à produção e comércio de pesticidas, segundo levantou ao EL PAÍS em 2016 o então presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike. Ou seja, enquanto os impostos representam 34% do valor total de um remédio, no caso dos pesticidas 22% de seu valor final é composto por tributos. Assim, os agrotóxicos reinam absolutos na mesa do cidadão brasileiro. Um relatório da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) de 2015 mostrava que 70% dos alimentos in natura consumidos no país estavam contaminados por agrotóxicos. Entre eles, 28% possuíam venenos não autorizados. Durante a tramitação do projeto na Câmara, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), contrária ao projeto, lembrou ainda que, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 288% no uso de pesticidas no Brasil. E que, segundo um estudo do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2015 houve 84.206 notificações de intoxicação por agrotóxico.

Ainda de acordo com a Abrasco, 22 dos 50 agrotóxicos utilizados no Brasil são proibidos pela Europa. São vendidos por multinacionais que dominam o mercado brasileiro, como a Syngenta (Suíça), Bayer CropScience (Alemanha), Basf (Alemanha), DuPont (Estados Unidos) e FMC Corp (Estados Unidos), que lucram mais fora de seus países sede. A primeira empresa vende, por exemplo, o pesticida paraquate, banido da União Europeia e considerado “altamente venenoso” pelos Estados Unidos. Outro ingredientes é o 2,4-D, chamado de “agente laranja”, pulverizado pelo exército norte-americano na Guerra do Vietnã, deixando sequelas em milhares de crianças durante várias gerações. Já o glifosato é um veneno usado em lavouras de milho e pasto apesar de ser considerado cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou a revisão da autorização desses produtos: o paraquate e o glisofato seguem há anos sob análise.

A regulamentação dos agrotóxicos na União Europeia e nos Estados Unidos é ainda mais rígida. No Velho Continente, que tem uma legislação única entre os países do bloco, um agrotóxico é liberado por 10 anos pela Autoridade Europeia para Seguridade Alimentar, que depois desse período pode renovar a autorização. Ela se baseia no princípio da precaução, ou seja, nenhuma substância deverá ser aprovada caso haja alguma incerteza científica sobre seu uso. Já nos EUA, a regulamentação dos agrotóxicos passou nos anos 70 das mãos do Departamento de Agricultura para a Agência de Proteção Ambiental, que possui uma equipe de mais de 800 cientistas para analisar os efeitos dos agrotóxicos na saúde dos seres humanos e do meio ambiente.

O debate sobre o uso de agrotóxicos

Contra o projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados se posicionaram, além do SBPC, entidades como o Ibama, a Anvisa e o Instituto Nacional do Câncer (INCA). Este último argumenta que as alterações colocarão “em risco trabalhadores da agricultura, residentes em áreas rurais ou consumidores de água ou alimentos contaminados, pois levará à possível liberação de agrotóxicos responsáveis por causar doenças crônicas extremamente graves e que revelem características mutagênicas e carcinogênicas”. Já a Fundação Oswaldo Cruz publicou um relatório de 25 páginas que mostra como o projeto de lei “representa em seu conjunto uma série de medidas que buscam flexibilizar e reduzir custos para o setor produtivo, negligenciando os impactos para a saúde e para o meio ambiente”.

Por sua vez, o Ministério Público da União e a Defensoria Pública da União consideram o parecer do deputado Nashimori inconstitucional. Este foi também o argumento utilizado pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), um dos poucos parlamentares presentes na comissão da Câmara a se opor ao projeto. A minoria opositora, representada também por partidos como o PT e PSOL, tentou obstruir sem sucesso a votação de segunda-feira. Bela Gil, apresentadora de TV e ativista por uma alimentação saudável, a chef de cozinha Paola Carosella, o cantor Caetano Veloso e a modelo Gisele Bündchen são algumas das personalidades que engrossaram o coro contra a chamada PL do Veneno.

Enquanto isso, defensores da medida celebravam a aprovação da nova lei na comissão da Câmara. “Apesar de tantas informações falsas propagadas sobre o PL dos defensivos agrícolas, meu relatório foi aprovado. Não tenham dúvida de que este PL vai melhorar a lei, trazendo mais modernidade e segurança para a produção de alimentos”, disse o deputado Luiz Nashimori na ocasião. O objetivo das alterações, explica o parlamentar, é modernizar uma legislação que remonta ao final dos anos 80. “Queremos modernizar, estamos apresentando uma das melhores propostas para o consumidor, para a sociedade e para a agricultura, que precisa dos pesticidas como precisamos de remédios”. Uma campanha, batizada de “Lei do Alimento mais Seguro”, chegou a ser criada para defender o projeto. Em seu site, fatos apresentados pela ciência, como o de que os agrotóxicos causam doenças e contaminam rios e lençóis freáticos, são rebatidos.

Que as plantas precisam de remédios assim como seres humanos é a mesma linha de argumentação de Coriolano Xavier, vice-presidente de Comunicação do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS) e Professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM. “Se as plantas não precisassem de apoio para vingar e sobreviver, claro que seria melhor. Eu mesmo, que preciso de meia dúzia de remédios todo santo dia, bem sei disso. Mas como os ambientes produtivos são hostis e estressantes para os vegetais, ainda não conseguimos escapar disso, pelo menos considerando a escala da produção alimentar exigida hoje em dia”, argumentou. Já Marcelo Hirata Campacci, da Associação Nacional de Defesa Vegetal, falou em entrevista ao jornal Nexo sobre as dificuldades enfrentadas pelos produtores brasileiros. “As características tropicais expõem as lavouras ao ataque permanente de pragas. Ou seja, uma realidade comum no campo que, hoje, está sendo tristemente conhecida nos meios urbanos devido à proliferação do inseto Aedes aegypti“.

Fonte – Felipe Betim, El País de 02 de julho de 2018

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