Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
A pesca de arrasto do fundo do mar e o custo do carbono
O arrasto de fundo e o custo do carbono
Há muito que este site procura alertar sobre o malefícios da pesca de arrasto, uma das modalidades mais prejudiciais entre todos os tipos de pesca.
Mas um novo relatório preocupante aponta para outro problema anteriormente esquecido: as emissões de gases de efeito estufa desta modalidade praticada por dezenas de países ao redor do mundo, incluindo Estados Unidos, China, União Europeia, enfim.
Hoje vamos comentar o arrasto de fundo e o custo do carbono.
Novo estudo descobre que o arrasto contribui com mais carbono nos oceanos, e mais acidificação. Ilustração, www.earthforcefightsquad.org.
A pesca de arrasto e a fauna acompanhante
O principal problema do arrasto é que se trata de uma modalidade não seletiva. As redes de fundo ‘arrastam’ o que estiver em sua frente, seja a espécie visada, sejam outras.
Estas ‘outras’ espécies, conhecidas como ‘espécies acompanhantes’, ou ‘bycatch’, em inglês, em alguns casos podem chegar a até 80% da espécie visada.
Por exemplo, para cada quilo de camarão podem vir até 80% de outras espécies depois devolvidas ao mar, mortas.
Se considerarmos que a maioria dos países pesqueiros ainda se utilizam do arrasto, a proporção da fauna acompanhante morta inutilmente todo ano pode atingir números impressionantes.
Para a ONG Oceana que estuda a questão, a morte da vida marinha não intencional chega até 40% da captura global estimada em 90 milhões de toneladas.
Portanto, por ano, algo em torno de 36 milhões de toneladas são mortas no processo.
No convés, os pescadores separam o que interessa. E jogam fora as espécies não visadas.
Não são apenas espécies de peixes.
Mas de mamíferos marinhos, como as toninhas no Brasil, aves marinhas como os albatrozes, crustáceos e tartarugas.
Todos jogados de volta ao mar.
O arrasto pode levar à desertificação do fundo do mar
A fauna acompanhante é um dos grandes problemas do arrasto, mas não o único.
A destruição de habitats é outro dos malefícios.
Um estudo recente mostra que o arrasto está alterando dramaticamente o solo oceânico levando à desertificação do fundo do mar.
O tripulante de traineira de fundo da Nova Zelândia despeja um grande pedaço de coral dragado do fundo do mar. Imagem Greenpeace.
As redes, atadas a pesos para que cheguem ao assoalho marinho, agem como um arado.
Elas passam por cima de corais, gramas marinhas, e deslocam sedimentos.
Imagens de satélite mostram que nuvens de lama se espalham e permanecem suspensas no mar muito depois que a traineira passou.
Mas agora veio a novidade até então esquecida…
O arrasto de fundo e o custo do carbono
Em março de 2021, a revista Nature publicou o primeiro estudo a calcular o custo do carbono da pesca de arrasto de fundo.
A revista Time analisou o trabalho e diz que ‘cálculos realizados pelos 26 autores do relatório, mostram que o arrasto de fundo é responsável por um gigaton de emissões de carbono por ano.
Este total anual é superior às emissões da aviação (pré-pandemia)’.
Para Enric Sala, biólogo marinho e também Explorer in Residence da National Geographic, “a prática não apenas contribui para a mudança climática, mas é extremamente prejudicial para a biodiversidade do oceano. O equivalente a arar uma floresta antiga no solo, repetidamente até que não haja mais nada.”
O arrasto e os subsídios à pesca
Para Enric Sala, encarregado do estudo, “sem subsídios dos governos, ninguém estaria ganhando um centavo com a pesca do arrasto.”
Os subsídios mundiais à pesca atingem cifras tão inacreditáveis como US$ 35 bilhões de dólares por ano.
Como foi feito o estudo
O estudo, que divide todo o oceano em unidades de 50 km quadrados, mede o quanto cada um dos chamados “pixels” contribui para a biodiversidade marinha global, os estoques de peixes e a proteção do clima.
Ele também rastreia quanto CO2 cada pixel é capaz de absorver como sumidouro de carbono. (No geral, o oceano absorve cerca de um quarto das emissões globais de CO2 por ano, embora a quantidade flutue entre as regiões).
O objetivo geral era desenvolver um mapa de localizações oceânicas que, se protegidas, produziriam o máximo de benefícios em termos de aumento dos estoques de peixes, biodiversidade e absorção de carbono, minimizando a perda de renda para a indústria pesqueira.
A proteção aos oceanos e a indústria mundial da pesca
Para Enric Sala “a razão pela qual temos apenas 7% do oceano sob proteção é o permanente conflito com a indústria da pesca.”
Refutando uma visão antiga de que a proteção do oceano prejudica a pesca, o estudo descobriu que áreas marinhas protegidas bem localizadas que proíbem a pesca na verdade aumentariam a produção de vida marinha.
Elas funcionam como viveiros de peixes e geradores de biodiversidade capazes de semear estoques em outros lugares.
De acordo com os resultados do estudo, proteger os locais certos pode aumentar a captura global de frutos do mar em mais de 8 milhões de toneladas métricas por ano. Isso apesar dos desafios da pesca predatória e das mudanças climáticas.
Porque os fundos marinhos são reservatórios de carbono
Para Enric Sala a pesca de arrasto deve ser proibida.
O pesquisador diz que embora manguezais, florestas de algas e prados de gramas marinhas sejam bons em capturar carbono, o fundo do oceano, repleto de detritos de animais marinhos, é um reservatório de carbono maior e melhor.
Mas quando as redes pesadas dos arrastões raspam o fundo do mar, o carbono é liberado de volta para a água.
O excesso de carbono torna os oceanos mais ácidos, o que é prejudicial à vida marinha.
Pior ainda, a prática também afeta a capacidade do oceano de absorver carbono atmosférico.
Se a água já estiver saturada de fontes de carbono, não será capaz de absorver as emissões causadas pelo homem acima da superfície, prejudicando um de nossos melhores ativos na luta contra a mudança de clima.
As emissões provocadas pela pesca de arrasto
Sala e sua equipe foram capazes de calcular a quantidade de emissões produzidas pela técnica.
A União Europeia, por exemplo, libera 274.718.086 toneladas métricas de carbono de sedimentos marinhos no oceano por ano.
As frotas chinesas liberam 769.294.185 toneladas métricas, enquanto os Estados Unidos liberam 19.373.438.
A ideia do estudo de Sala é mostrar que o arrasto de fundo é o método menos lucrativo de colher a fartura do oceano.
E, ao mesmo tempo, produzir ainda mais dióxido de carbono.
Aquecimento global
O lado positivo desta descoberta é que tão logo a pandemia de covid-19 seja controlada o mundo voltará a discutir ações para mitigar o aquecimento global.
A própria pandemia mostrou como somos reféns de um meio ambiente saudável.
É pela percepção desta evidência que a Agenda Verde avança mundo afora. Inúmeros países prometeram para breve a descarbonização.
O primeiro passo já foi dado. A proteção de 30% dos oceanos conta com 52 países adeptos. Mas proteger apenas não basta.
Algumas práticas têm que parar.
Oxalá nestas reuniões a pesca de arrasto seja discutida.
Do jeito que vai ela promove as duas maiores catástrofes atuais: perda acelerada de biodiversidade, e o excesso de gases de efeito estufa na atmosfera.
Como assegura Enric Sala, os oceanos absorvem carbono há milênios. A melhor maneira de reduzir as emissões globais é permitir que eles continuem fazendo seu trabalho.
“A maioria das pessoas ainda vê o oceano como uma vítima das mudanças climáticas.
O que as pessoas não percebem é que a natureza é metade da solução para a crise climática.”
Assista ao vídeo do arrasto de fundo na Nova Zelândia e perceba o quão danoso pode ser
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