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A terra está sob a ameaça de 1.746 guerras “invisíveis”

O “inimigo”, nos estados indianos de Orissa, Jharkhand, Chhattisgarh, são os minerais, principalmente bauxita e carvão. As substanciais jazidas escondidas no subsolo atraíram, durante anos, o olhar faminto dos gigantes da mineração mundiais. As terras das comunidades “adivasis”, habitantes milenares da região, acabaram na mira. A luta destes últimos para defendê-las provocou o punho de ferro das autoridades locais, cúmplices das companhias.

O conflito atual na Índia oriental é apenas um dos 1.746 conflitos ambientais atualmente abertos no mundo. No Níger, os habitantes lutam contra o urânio, produzido a um ritmo de 100 mil toneladas em sete anos.

Na vizinha Nigéria, ocorre a batalha do petróleo, cuja extração já causou 10 mil perdas no Delta. O dado – calculado pelo Atlas Global para a Justiça Ambiental – é arredondado para baixo.

A rede de estudiosos internacionais – da qual participam 23 universidades – não consegue obter informações exaustivas em todos os lugares. Há alguns “buracos negros” da informação, como China, Sudeste Asiático, Brasil e México, sobre os quais os cientistas continuam trabalhando na tentativa de completar o mapa. No fim, eles poderiam identificar mais de 3.000 crises.

Guerras invisíveis

Assim, a situação já é dramática. Dois anos atrás, quando o projeto começou, contavam-se 920 “guerras invisíveis” pelos recursos ambientais. Agora, o número quase dobrou. Um dado para se refletir a dois dias do Dia do Meio Ambiente da ONU, que irá ocorrer no domingo.

Os conflitos ecológicos são, talvez, a parte mais submersa da guerra mundial em pedaços citada várias vezes pelo Papa Francisco. Não é uma imagem metafórica. Trata-se de confrontos reais, com muitas vítimas. As diretas ou, melhor, imediatamente perceptíveis pela opinião pública: os ativistas assassinados, mais de 250 apenas nos últimos dois anos, três quartos na América Latina.

E as indiretas: as populações residentes nas áreas onde se concentram os recursos na mira. Diante dos interesses bilionários em jogo, estas últimas – muitas vezes com a cumplicidade dos governos locais e nacionais – são forçadas a formas de resistência heroica para defender o seu direito à terra, à água e ao ar limpo.

A “febre” dos recursos

“Assistimos a uma escalada preocupante dos conflitos socioambientais nas chamadas ‘fronteiras do extrativismo’, ou seja, territórios onde se concentram os recursos, que, porém, antes não sofriam uma exploração tão intensiva”, explica Daniela Del Bene, uma das coordenadoras do projeto.

A razão – continua a pesquisadora – é “a obsessão com o aumento da produção e o consumo”. Em nome do lucro, sacrifica-se o exame atento do impacto socioambiental de um determinado projeto. Produz-se, assim, “uma distorção conceitual da economia”, como ressaltou o papa na encíclica Laudato si’.

O resultado é a multiplicação das crises, que são, ao mesmo tempo, ambientais e sociais. “As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza – afirma Francisco -, para restaurar a dignidade aos excluídos e, ao mesmo tempo, para cuidar da natureza”.

O mapa da crise

Em um primeiro olhar, o Sul do mundo é o mais interessado pela “caça aos recursos”. E, portanto, pelos conflitos, que explodem especialmente no momento da extração deles e nas zonas rurais (63%). Nos países mais pobres, com uma economia pouco industrializada, a chave são as monoculturas de exportação.

Nos países emergentes – como Brasil, Índia e África do Sul – as reservas são o motor da nascente industrialização. “Nesses casos, áreas inteiras – as chamadas ‘periferias internas’ – são empregadas como reservatório para o centro, em nome do interesse nacional. É o que acontece, neste momento, por exemplo, na Amazônia brasileira, ou ao longo do Himalaia, explorado pelas indústrias hidrelétricas da Índia, Nepal, Butão e China”, afirma Del Bene.

As “guerras ambientais” agitam, porém, também o Norte do mundo, em que o principal detonador é o fracking. Isso provoca fortes tensões no Canadá, EUA, Espanha, Grã-Bretanha e Polônia. O que explica por que os EUA se encontram no quarto lugar da classificação realizada pelo Atlas, com ao menos 69 conflitos.

As áreas “quentes”

No topo da lista, está a Índia, com 223 “guerras ambientais” em curso. Seguida pela Colômbia, com 117, e pela Nigéria, com 73. Treze das 15 nações países mais problemáticas se encontra no Sul do mundo. Porque, se os conflitos explodem por toda a parte onde há recursos, lá – causa da pobreza e corrupção – é mais difícil encontrar soluções legais.

“As multinacionais gozam de uma impunidade quase total”, conclui Del Bene. No entanto, de vez em quando, os Davis conseguem criar problemas para os Golias contemporâneos. É o caso das 10 índias da aldeia guatemalteca do Lote Ocho. Estas conseguiram levar para Toronto a causa contra o gigante de mineração canadense Hund Bay, acusado de negligência por não ter controlado os seus guardas, responsáveis pelo estupro das mulheres para forçá-las a abandonar as terras em 2007. Para a sentença, vai demorar muitos anos. Já o processo, porém, é uma vitória inesperada para as 10 corajosas do Lote Ocho.

Fonte – Reportagem Lucia Capuzzi, jornal Avvenire, tradução Moisés Sbardelotto / IHU de 06 de junho de 2016

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