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A urgência de estudos científicos em torno das Pegadas Ecológicas no Turismo em Porto Seguro-Bahia

Fonte: foto modificada a partir do livro “Pegada ecológica: qual é a sua?”, INPE.

Nos artigos “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro – Bahia”, “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro – Bahia” e “Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro – Bahia”, o primeiro, publicado na Revista Letrando e os segundo e terceiro no Portal Ecodebate, são feitas discussões importantes em torno das principais ações insustentáveis praticadas nas atividades turísticas na cidade de Porto Seguro desencadeadoras de déficits socioambientais.

No primeiro artigo mencionado, dentre outras questões, pontuou-se que o turismo em Porto Seguro está alicerçado em moldes hegemônicos de desenvolvimento em dissociação com o meio ambiente, através de modelos de produzir sob o efeito da arquitetura aristotélica bipolar não complexa que maturou o cartesianismo de causa e efeito da modernidade.

No que tange ao artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro – Bahia” apresentam-se partes das ações insustentáveis operadas a partir do turismo cartesiano na cidade. No referido trabalho, afirma-se que frente às condições socioeconômicas frágeis, os atores sociais envolvidos com o turismo em Porto Seguro desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, histórica e de convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e rios com resíduos sólidos, à depredação de recifes em decorrência da presença não controlada de pessoas nessas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos em relação a lacunas no tangente a políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação ambiental, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.

No que concerne ao artigo “Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, Bahia”, de forma otimista, diferente dos artigos anteriores, externa-se que outro turismo é possível, mas, para isso, são necessários investimentos em políticas públicas relacionadas à educação ambiental na cidade, com vistas à conscientização socioambiental não somente dos cidadãos que atuam diretamente no turismo, mas, também, dos moradores da cidade e, principalmente, dos turistas que visitam Porto Seguro e toda a Costa do Descobrimento.

Feitas as considerações acima, torna-se imprescindível mencionar que o turismo é o principal elemento da matriz de produção, geração de trabalho e renda em Porto Seguro, no entanto, sua exploração na cidade ancora-se em pilares insustentáveis de uso dos espaços dos quais se vale. Consoante a tal fator, Santana (2016) pontua o seguinte: a cidade alicerça-se em perspectivas exploratórias com a natureza, o que é paradoxal, haja vista que em vez de conservar e preservar os recursos naturais dos quais se serve, apropria-se, de forma inadequada, dos ambientes naturais e culturais. Essas apropriações propiciam insustentabilidades que vão desde a transfiguração dos espaços de lazer, dos espaços de cultura e história, concentração de riquezas, especulação imobiliária, segregações espaciais, degradação de matas ciliares ao longo de rios e riachos, depósito de resíduos sólidos em praias, despejo de esgotos no mar, destruição de expressões culturais e históricas, exploração da mão de obra, distanciamentos sociais e violência.

As transfigurações dos espaços pelo turismo na cidade servem como ponto de partida para análises em torno das pegadas ecológicas da atividade turística no município. A compreensão desse fenômeno possibilitará um mapeamento das práticas turísticas e de seu modus operandi permitindo avaliar até que ponto os espaços utilizados no município se dão de forma racional e equitativa.

As pegadas ecológicas não se dão somente no âmbito da destruição de espaços utilizados para a exploração das atividades turísticas, mas em toda a arquitetura de pensar o turismo e como isso se concretiza no cotidiano dos estabelecimentos e empresas que exploram o potencial turístico da cidade e região.

Para medir as pegadas ecológicas do turismo, um dos mecanismos de avaliação é analisar a pegada hídrica. No que concerne a essa pegada ambiental, por exemplo, além de outras tipologias de pegadas, há que se levar em conta não somente o consumo real dos recursos hídricos em estabelecimentos como restaurantes, hotéis, parques aquáticos, espaços naturais como rios, lagos, lagoas e praias, mas, também, o consumo virtual da água pelo turismo. Além do consumo hídrico direto, há o consumo virtual, que vem embutido nos elementos físicos por trás dos processos na fabricação dos utensílios que são usados pelos estabelecimentos turísticos na cidade. Esse consumo virtual nos estabelecimentos atinge desde a comida até os utensílios de higiene, dentre outros. Na fabricação das toalhas que são disponibilizadas pelos hotéis, pousadas e outros estabelecimentos, por exemplo, são gastos muitos litros de água. Em um quilo de carne bovina, elemento alimentício bastante utilizado nos estabelecimentos turísticos, dado que o brasileiro possui a cultura do consumo de carne bovina, são gastos, pelo menos, 15.400 litros de água, segundo dados da Water Footprint Network.

Para entender os déficits socioambientais provocados pelo turismo em Porto seguro, é possível fazer uma ponte com o que afirmam SANCHO et al. 2001; ANDRADE; BELLEN, 2006 apud Feitosa e Gómez (2012): como alerta aos atores sociais que dão ênfase apenas a aspectos positivos do turismo, a exemplo do crescimento econômico decorrente do mesmo, destacam-se também os impactos negativos provenientes do uso imprudente dos recursos naturais. O desenvolvimento da atividade turística provoca os seguintes efeitos negativos no meio ambiente: impactos estéticos e paisagísticos causados pela poluição arquitetônica; problemas com recolhimento, depósito e tratamento de lixo e esgoto; deficiência nos sistemas de tratamento de água; poluição sonora e atmosférica originada pela saturação das vias de trânsito e erosão decorrentes da prática de esporte nos destinos.

Conforme HUNTER, 2002 apud Feitosa e Gómez (2012): os impactos ambientais do turismo não estão vinculados apenas à realização da atividade turística no destino, mas iniciam ainda no local de onde o turista provém, transcorrendo durante o percurso da viagem e se intensificando após a chegada ao destino turístico. Nesse sentido, o impacto do turismo pode ser visualizado desde a zona emissora, passando pela zona de trânsito, até chegar à zona receptora.

Ainda segundo HUNTER, 2002 apud Feitosa e Gómez (2012): a partir do momento em que o turista decide viajar, começa a gerar impactos nos recursos naturais, visto que dá início ao consumo de produtos e à geração de resíduos. Nessa perspectiva, Hunter (2002) exemplifica dizendo que, ao decidir realizar uma viagem, o turista compra alimentos e roupas, sapatos, câmera fotográfica etc. Além disso, se desloca em automóvel até o aeroporto/porto/rodoviária, para embarcar no avião/navio/ônibus.

Partindo-se das posições teóricas apresentadas até este ponto, para continuidade textual, serão feitas análises em torno de algumas pegadas ecológicas que o turismo deixou, deixa e deixará em porto Seguro. No entanto, antes de apresentar uma análise das pegadas ecológicas do turismo no município, é oportuno elaborar uma discussão conceitual e exemplificativa acerca do que seria essa tal Pegada Ecológica.

Segundo Scarpa e Soares (2012), Pegada Ecológica é uma medida da área (em hectares globais, que abrangem terra e mar) que ocupamos para a construção de prédios e rodovias e para o consumo da água, do solo para plantio agrícola, da vida marinha e de outros elementos que compõem a biodiversidade do planeta.

A partir de Scarpa e Soares, é possível perceber que para a obtenção da Pegada Ecológica devem ser consideradas a emissão de gases de efeito estufa (principalmente o gás carbônico CO2) na atmosfera e a presença de poluentes no ar, na água e no solo. Conforme tais teóricos, os resultados nos dão uma ideia de como um indivíduo, cidade ou país utiliza os recursos naturais, conforme os hábitos de consumo e estilos de vida. Esse uso de recursos deve ser compatível com a capacidade natural do planeta em regenerá-los.

Ainda segundo eles, geralmente não nos damos conta, mas hábitos aparentemente simples consomem grandes quantidades de recursos naturais. Para explicarem os tais hábitos, apresentam os seguintes dados:

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Levando-se em consideração teóricas apresentadas acima, é possível inferir que, para uma análise acerca da pegada ecológica de uma determinada pessoa, cidade ou, até mesmo, de uma determinada atividade, há que se verificar o seguinte: consumo de água, preservação e conservação da biodiversidade, emissão de gases de efeito estufa, consumo de energia, poluição atmosférica, produção e destinação do lixo, dentre outros fatores.

Partindo-se dos quesitos acima para a análise das pegadas ecológicas do turismo de Porto Seguro, podem ser levantados os seguintes problemas na cidade:

  • Exploração de áreas naturais sem preocupação socioambiental, visando-se, em maior medida, ao capital;
  • Crescimento no número de turistas, que somado aos mais de 143.000 moradores locais, acarreta consumo maior de água;
  • Esgotamento dos recursos hídricos, fato que pode ser comprovado a partir da falta de água em alguns bairros da cidade durante datas festivas que atraem visitantes do Brasil e do mundo;
  • Aumento da frota de veículos na cidade, por conta do número de turistas, fator que dificulta a mobilidade urbana;
  • Ausência de políticas no que concerne à elaboração de um projeto de mobilidade urbana que atenda aos moradores locais e comporte também os períodos de crescimento populacional com a chegada de turistas;
  • Exploração de áreas de recifes sem um controle ambiental mais eficiente;
  • Oferta precária de serviço público de transporte coletivo urbano, fator que estimula o aumento da frota de carros particulares e, consequentemente, mais lançamento de gases poluentes, violência e desorganização no trânsito, tendo em vista que as ruas, avenidas e travessas da cidade não foram projetadas para o crescimento atual da frota e da população que circulam na cidade;
  • Além do aumento da frota automobilística por parte dos moradores locais, para agravar a situação, há o aumento de lançamento de CO2, bem como de outros gases de efeito estufa com o crescimento da frota automobilística por conta dos turistas que chegam à cidade com carro próprio pelas vias terrestres;
  • Precarização dos serviços na área de alimentos (com o aumento no número de pessoas nos supermercados da cidade), na saúde (com o inchaço das instituições públicas de atendimento à saúde, em decorrência do consumo de bebidas alcóolicas e violência em dias festivos), filas longas na travessia de balsas do centro da cidade para o Arraial d’Ajuda e para outros distritos, dentre outros;
  • Especulação em torno dos preços dos produtos e serviços nos supermercados e estabelecimentos comerciais da cidade, o que é injusto socialmente, tanto para os visitantes, como, principalmente, para os moradores locais;
  • Aumento do consumo de energia, tendo em vista o acréscimo populacional a partir da população flutuante;
  • Arquitetura mental não ecológica de muitos turistas ancorados em concepções da cidade como um pacote, objeto a ser consumido;
  • Crescimento populacional permanente da cidade, em decorrência da imagem de paraíso que a mídia tradicional projeta nos meios de comunicação e nas agências de turismo;
  • Aumento da violência com o crescimento populacional desordenado;
  • As pessoas oriundas de outras cidades da Bahia, ao chegarem à cidade, na maior parte das vezes, não se inserem no mercado de trabalho;
  • Crescimento no número de condomínios na cidade, a partir da lógica do desmatamento, acarretando na morte de rios, riachos e perda de biodiversidade em geral; surgimento de condomínios em áreas verdes próximas às aldeias de indígenas;
  • Crescimento urbanístico horizontal desordenado;
  • Pavimentação asfáltica de parte da cidade sem estudos profundos de impacto ambiental no que tange à formação de ilhas de calor na cidade;
  • Descaracterização do urbanismo histórico revelador de memórias dos primeiros processos de formação da cidade;
  • O inchaço do setor hoteleiro, área que mais emprega mão de obra na cidade, pois este não consegue absorver nem a população local e, tampouco, os contingentes populacionais procedentes de outras partes do Estado;
  • A não inserção no mercado de trabalho dos moradores e das pessoas de outras partes do Estado e do país que desencadeia uma série de problemas como violência, fome e miséria;
  • Com o crescimento populacional, vem o crescimento urbanístico, com a destruição de áreas naturais;
  • Lacunas em torno do zoneamento urbano em consonância com os novos estudos urbanísticos sustentáveis;
  • Plano de Desenvolvimento Urbano Municipal que não permite o crescimento vertical, o que contribui, indiretamente, para que o crescimento horizontal seja elaborado a partir da degradação de áreas naturais;
  • Surgimento de bairros periféricos, sem as condições higiênico-sanitárias e de serviços públicos essenciais à dignidade dos moradores locais;
  • Outros fatores.

Todos os fatores apresentados acima são preocupantes, pois, ao longo do tempo, podem ser ampliados. Diante disso, são necessários estudos científicos que mapeiem e analisem, com profundidade, as consequências socioambientais originadas a partir do turismo insustentável que vem sendo praticado e pensado na cidade. Alguns dos problemas verificados em Porto Seguro e região, ainda que não possuam relação direta com o turismo insustentável praticado na cidade, possuem intersecção indireta.

É importante ressaltar que o turismo não é o problema em si, mas a lógica projetada para a prática desse tipo de turismo na região, pois, da forma como está, se assemelha, de forma profunda, com as práticas predatórias da natureza dos primeiros visitantes europeus, que aportaram na cidade e na região em 1500.

É necessário e urgente repensar as práticas em torno do turismo na cidade, para que, assim, toda a sociedade e o meio ambiente no qual ela se insere saiam ganhando. O Turismo, principal atividade econômica da cidade, precisa descolonizar-se em suas bases, pois somente na ausência de práxis e de ações descolonizadas será possível possibilitar a justiça socioambiental, a partir de um turismo para todos e não somente para os donos do capital que exploram as atividades turísticas na região sem as compensações socioambientais necessárias.

Outro ponto importante é que é preciso diversificar as atividades de produção e desenvolvimento econômico na região, pois diante da exploração somente de uma atividade, pode-se esgotar a única matriz de produção. Enfim, reiterando-se o que afirma Santana (2016), outro turismo é possível, mas, para isso, são necessários investimentos em políticas públicas relacionadas à educação ambiental na cidade, para a conscientização socioambiental não somente dos cidadãos que atuam diretamente no turismo, mas, também, dos moradores da cidade e, principalmente, dos turistas que visitam Porto Seguro e toda a Costa do Descobrimento.

Referências bibliográficas

SANTANA, Elissandro dos Santos. Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia. Paripiranga: Revista Letrando ISSN 2317-0735, 2016.

SCARPA, Fabiano. SOARES, Ana Paula. Pegada ecológica: qual é a sua? São José dos Campos, SP: INPE, 2012.

HUNTER, C. Sustainable tourism and the touristic ecological footprint. Environment, Development and Sustainability, v. 04, n.01, p.07-20, 2002. In FEITOSA, Maria José da Silva. GÓMEZ, Carla Regina Pasa. Pegada Ecológica do Turismo como Instrumento para Avaliação dos Impactos Ambientais em Territórios Insulares: Uma Proposta de Adaptação. XXXVI Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro: 2012.

SANCHO PÉREZ, A.; GARCÍA MESANAT, G.; PEDRO BUENO, A; YAGÜE PERALES, R.M. Auditoria de sostenibilidad en los destinos turísticos. 97p. Valencia: Minim, Instituto de Economia Internacional. 2001. In FEITOSA, Maria José da Silva. GÓMEZ, Carla Regina Pasa. Pegada Ecológica do Turismo como Instrumento para Avaliação dos Impactos Ambientais em Territórios Insulares: Uma Proposta de Adaptação. XXXVI Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro: 2012.

Elissandro dos Santos Santana – Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.

Denys Henrique Rodrigues Câmara – Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.

Heron Duarte de Almeida – Licenciado em história e especialista em história do Brasil

Rosana dos Santos Santana – Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Fonte – EcoDebate de 14 de julho de 2016

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