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Agroecossistema. A interação e os relacionamentos de todas as partes do sistema alimentar

Steve Gliessman inscreve o conceito de agroecologia não só como práticas agrícolas, mas também como a interação e conexão de todos os elementos que compõem um sistema alimentar

Podemos conceber a ideia de sistema alimentar como o fluxo que se estabelece entre quem precisa comer e quem gera os alimentos, envolvendo agentes desde a produção, o plantio, o cultivo e a colheita no campo, passando pelo processamento, industrialização ou beneficiamento, até a venda e o consumo desses produtos . Entretanto, percebemos uma banalização dessas relações no modo de vida da sociedade atual, baseada no capitalismo. “A agricultura veio a se concentrar principalmente em aumentar o rendimento e intensificar o processo. Virou um negócio, em vez de um meio de sustento, perdendo, nessa evolução, seu fundamento ecológico original”, classifica Steve Gliessman, professor de Agroecologia do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade da Califórnia. É por isso que defende o regaste do conceito ecológico de produção e consumo de alimentos. Assim, compreende que “agroecologia é muito mais do que as práticas agrícolas, é a interação e os relacionamentos de todas as partes do sistema alimentar. É um conjunto de princípios de ação, não apenas um conjunto de práticas para a produção”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Gliessman defende a agroecologia como “uma maneira de devolver ‘cultura’ à agricultura”. “Como a agroecologia é a ecologia do sistema alimentar inteiro, desde a semente e o solo por todo o trajeto até a mesa, sua fundação holística inclui as pessoas, a sociedade e as economias”, completa. Por isso, acredita no papel de cooperativas e outras organizações que são capazes de restaurar essas relações entre produtores e consumidores, a terra e o planeta.

Steve Gliessman é professor de Agroecologia do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade da Califórnia; é doutor pela Universidade da Califórnia. Realiza pesquisas no âmbito da agroecologia, definida como a aplicação de conceitos ecológicos e princípios para a concepção e gestão de sistemas alimentares sustentáveis. Seu foco é a identificação, mensuração e monitoramento dos componentes ecológicos da sustentabilidade na agricultura, e a conexão destes componentes para os aspectos econômicos e sociais do projeto do sistema alimentar a longo prazo e de gestão. Entre suas publicações, destacamos Agroecology: The Ecology of Sustainable Food Systems (Agroecologia: A Ecologia de sistemas alimentares sustentáveis, em livre tradução) (Estados Unidos: CRC Press, 2006).

IHU On-Line – Como compreender o rompimento da agricultura com sua base ecológica? Como isso se dá e quais as consequências?

Steve Gliessman – Em partes demasiado numerosas do mundo, a agricultura veio a se concentrar principalmente em aumentar o rendimento e intensificar o processo. Virou um negócio, em vez de um meio de sustento, perdendo, nessa evolução, seu fundamento ecológico original.

IHU On-Line – Em que medida a agroecologia pode ser vista como alternativa aos problemas da agricultura convencional?

Steve Gliessman – A agroecologia é uma maneira de devolver “cultura” à agricultura, assim restabelecendo a base ecológica do nosso sistema alimentar. Como a agroecologia é a ecologia do sistema alimentar inteiro, desde a semente e o solo por todo o trajeto até a mesa, sua fundação holística inclui as pessoas, a sociedade e as economias.

IHU On-Line – Quais os desafios, tanto do ponto de vista técnico como também econômico, para a expansão da agroecologia no mundo e para conversão do sistema tradicional de produção?

Steve Gliessman – O maior desafio é, muito provavelmente, desenvolver agroecossistemas alternativos ante o forte controle do sistema alimentar do qual se assenhorearam atualmente grandes corporações e interesses privados que pensam do jeito que descrevi na primeira resposta. Isto exige uma compreensão profunda da economia política dos sistemas alimentares, e o desenvolvimento de alternativas para a atual estrutura de poder político e econômico.

IHU On-Line – De que forma é possível aliar as discussões ecológicas em torno da produção desde a agricultura até a pecuária?

Steve Gliessman – A principal maneira de se fazê-lo é usar o conceito de agroecossistema para redesenhar os sistemas alimentares, devolvendo aos mesmos a diversidade, especialmente pela “re-integração” de animais e plantas em sistemas equilibrados e interativos.

IHU On-Line – Como compreender os princípios da agroecologia? Qual sua origem e como vem sendo trabalhada no mundo?

Steve Gliessman – A agroecologia opera como uma ciência que ao mesmo tempo se fundamenta na teoria ecológica holística . Ela opera como conjunto de práticas baseadas na experiência e no conhecimento local e, além disso, funciona como parte de um movimento social projetado para levar sustentabilidade ecológica, econômica e social a todos os lugares e pessoas de sistemas alimentares por toda a parte. Todos os três componentes são necessários, caso contrário, não será agroecologia plena.

Ela tem muitas origens, mas, para mim pessoalmente, começou nos campos dos agricultores maias no sudeste do México, quando os engajei num processo de compartilhamento de conhecimento participativo em meados da década de 1970. Agora ela se tornou um movimento global.

IHU On-Line – Como a Teoria da Trofobiose , de Chaboussou , pode contribuir para que se compreenda o que está por trás da ideia de agroecologia?

Steve Gliessman – Trofobiose é apenas uma pequena parte de um sistema alimentar, que se aplica principalmente ao âmbito do cultivo, onde um organismo interage com outro, de modo a produzir mais alimentos. É uma interação positiva que raramente ocorre em lavouras convencionais, mas acontece frequentemente em agroecossistemas diversificados. Os princípios básicos do desenvolvimento da agroecologia são os conceitos de diversificação, interação, pensamento sistêmico, transdisciplinaridade, justiça social e sustentabilidade.

IHU On-Line – Qual sua avaliação acerca da produção agroecológica no Brasil e América Latina?

Steve Gliessman – Em termos do mercado maior, a agroecologia ainda forma uma parte pequena da produção agroecológica, mas para a maioria dos latino-americanos continua sendo a principal fonte de alimentos. Esse alimento vem de milhões de granjas familiares e pequenos agricultores que continuam em atividade no Brasil e na América Latina.

IHU On-Line – De que forma o conceito de agroecologia pode impactar socialmente na vida de produtores e consumidores?

Steve Gliessman – Com seu foco em segurança alimentar, soberania alimentar, meios de vida sustentáveis e justiça social no sistema alimentar, produtores e consumidores precisam reconectar-se desenvolvendo interações e sistemas alimentares baseados no relacionamento. Agroecologia tem a ver tanto com os produtores quanto com os consumidores. Sua estreita relação proporciona uma base importante para a mudança do sistema alimentar.

IHU On-Line – Muitas iniciativas de produção e venda de produtos agroecológicos partem da sociedade civil, através de cooperativas. Qual a importância dessas iniciativas? Qual deve ser o papel do poder público no estímulo à produção e consumo desses alimentos?

Steve Gliessman – Relações profundas entre consumidores conscientes e comprometidos e produtores agroecológicos são uma parte essencial da mudança do sistema alimentar. As cooperativas oferecem uma forma de organizar essas relações. Há muitas outras que permitem essa relação direta: grupos de consumidores, associações, cooperativas de comercialização, feiras de agricultores etc. Os governos precisam reconhecer e apoiar essa voz da sociedade civil, e não apenas se deixar influenciar por grandes produtores, interesses corporativos e empresas internacionais.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Steve Gliessman – Agroecologia é muito mais do que as práticas agrícolas, é a interação e os relacionamentos de todas as partes do sistema alimentar. É um conjunto de princípios de ação, não apenas um conjunto de práticas para a produção.

Fonte – João Vitor Santos, Tradução Walter O. Schlupp, IHU

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