Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Agrotóxicos E Doenças Não Transmissíveis
WAISSMANN (2007) afirma que a agricultura intensiva é um dos esteios históricos da lógica exportadora do estado brasileiro. Mais que significar um espaço produtivo gerador, vem significando, ao longo dos séculos, momento perpetuador do uso abusivo e exclusivo do solo.
Permitindo desde a utilização da força de trabalho escrava até a expulsão da terra de levas intermináveis de migrantes que acabam por fluir aos grandes centros.
WAISSMANN (2007) relata que a violência do trabalho em meio rural mal era abordada nas primeiras normas acidentárias brasileiras (Lei nº 3.724/1919), quando só se admitia haver lesão indenizável oriunda de trabalho agrícola quando este fosse relacionado a máquinas à combustão, como se estas fossem frequentes em um país ainda pouco urbanizado e pobre no início do século XX.
Os agrotóxicos, subprodutos da tecnologia de guerra, tiveram seu uso fortemente estimulado por política de estado a partir da década de 1970, com a concessão de crédito agrícola naquele período sendo vinculada à sua aquisição, e por oferta que exaltava suas propriedades de reduzir trabalho com pragas e de beneficiar alimentos, população e trabalhadores.
Passaram os agrotóxicos a compor a vida diária de milhões de trabalhadores do campo, que a eles se expõem com suas famílias, assim como também se incorporaram à dieta dos brasileiros do campo e das cidades, presentes que estão nos alimentos.
Consulta ao Sistema Integrado de Informações sobre Agrotóxicos (SIA), mantido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), revela que para a cana-de-açúcar e a soja, duas das grandes culturas agrícolas nacionais, há autorização de utilização de 61 e 127 ingredientes ativos diferentes de agrotóxicos, respectivamente, dos mais variados grupos químicos e classificações toxicológicas.
De mais de 4.000 amostras de vegetais coletadas em supermercados de doze capitais, entre 2001 e 2004, analisadas em programa de monitoramento coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), detectou-se resíduos de agrotóxicos em mais de 50%. Quase um terço apresentavam resíduos irregulares, acima de quantidades permitidas ou oriundos de agrotóxicos de uso não autorizado para os vegetais onde foram encontrados.
Fato lembrado por MILLS et al. (2005), a possibilidade de associação entre exposição a agrotóxicos e doenças crônicas não transmissíveis como cânceres, endocrinopatias, neuropatias e outras.
A prevalência de algumas destas afecções tem se elevado e contaminantes ambientais, como é o caso dos agrotóxicos, podem estar associados às suas gêneses muitas vezes multifatoriais.
Reconhecer essa possibilidade associativa é importante para o sistema de vigilância em saúde, que deve estar alerta para potenciais efeitos advindos de contaminações ambientais e ocupacionais e buscar a pesquisa de causas ambientais, como os agrotóxicos, na gênese de agravos de natureza crônica.
É assim que, ao lado de se reconhecer o potencial carcinogênico de alguns agrotóxicos em animais, estudos epidemiológicos em humanos apontam a possibilidade de associação entre vários tipos de cânceres e exposição a agrotóxicos.
Toda esta abordagem, objetiva demonstrar que as ações impactantes dos agrotóxicos nos ecossistemas locais podem ser muito relevantes e irreversíveis. O objetivo é não sofrer desqualificação por ausência de técnica pois se usa tecnologicismo como apanágio de bandalheira.
Infelizmente está é a atual autopoiese de equilíbrio sistêmico da sociedade criada pela civilização humana.
Numa interpretação em acepção livre da semântica empregada por Niklas Luhmann e os sistemistas.
Dentre os cânceres mais proeminentes encontram-se os linfohematopoiéticos, com destaque para exposição ocupacional e infantil, e os hormônio-dependentes, havendo ainda, em nosso meio, possível relevância para os cânceres gastroesofágicos.
Vários agrotóxicos possuem efeitos estrogênicos ou anti-estrogênicos e ainda antiandrogênicos ou sobre outros segmentos do sistema endócrino na dependência de suas características físico-químicas.
Apesar da maioria das alterações endócrinas terem sido detectadas em estudos animais, é relevante que se destaque as potenciais associações com alterações hipofisárias, tiroidianas, do metabolismo lipídico e glicídico, do ciclo menstrual, testiculares, espermáticas, e com queixas de impotência sexual, dentre outras.
Agrotóxicos de vários grupos, como organofosforados, carbamatos, organoclorados, piretróides e outros, associam-se a efeitos neurológicos agudos quando em exposições em altas doses.
Podem haver sequelas tanto sensitivas quanto motoras, além de déficits cognitivos transitórios ou permanentes. Exposições crônicas a baixas doses também têm sido associadas à presença de sintomas neuropsíquicos, assim como cabe destaque à possível inter-relação entre exposição crônica a agrotóxicos e o desenvolvimento de doenças degenerativas do sistema nervoso central.
Por isso se sabe que leis e normas não vão resolver os problemas, embora sejam procedimentos relevantes.
A civilização humana vai acabar determinando nova autopoiese sistêmica, na acepção de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio.
Que é um sistema instável, muito frágil e vulnerável. Para sua própria sobrevivência, o “sistema” vai acabar impondo uma nova metamorfose efetiva.
Agrotóxicos são produtos de alto risco que se tornaram parte da vida diuturna rural e urbana. Assim, se o incentivo ao conhecimento pormenorizado de seus efeitos crônicos é importante, já que muitos dos efeitos permaneceriam mesmo que todos os agrotóxicos fossem banidos de uma só vez pela meia vida longa no corpo que muitos apresentam. É fundamental que se estimulem de forma prioritária as restrições aos seus usos pelos riscos que oferecem.
Como um estímulo à promoção da saúde, projetos que visem, como exemplo, a substituição dos produtos mais tóxicos e alternativas de produção não geradoras de patologias deveriam estar entre aqueles que recebem estímulos e fomentos para pesquisas dos órgãos governamentais responsáveis pela saúde das populações.
Um outro mundo é possível. Ocorre enfatizar que nada é contra a livre-iniciativa. Que sem dúvida sempre foi e parece que sempre será o sistema que melhor recepciona a liberdade e a democracia. Mas uma nova autopoise sistêmica para o arranjo social, é urgente e imprescindível.
Referências
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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte – EcoDebate de 13 de setembro de 2016
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